Os quatro eixos que definem a vida de qualquer pessoa, inclusive a sua
Rogério tem 14 anos. Nasceu e sempre morou na periferia de Recife. Se comparado aos seus colegas de escola, ele é alto e magro. Seus amigos sempre o colocam para jogar como goleiro, não só porque é alto, mas também porque não tem muita habilidade para jogar “na linha”.
Ele gosta de futebol, mas detesta ser goleiro, embora tenha excelente movimentação lateral e consiga antecipar, com bastante precisão, onde o atacante do time adversário vai chutar a bola. Rogério tem o biotipo perfeito para jogar tênis. Ele poderia, com algum esforço e dedicação, destacar-se nesse esporte, ser campeão. Mas ele não sabe disso. Não será um campeão de tênis. Ele nunca viu uma raquete de tênis de perto. Seu futuro, como esportista, será o de um goleiro de pelada de fim de semana.
A história é fictícia, mas baseada em milhões de histórias reais. O tênis e o futebol, aqui, são simplesmente metáforas. Metáforas que poderiam ser aplicadas não só a garotos da periferia de grandes cidades, mas a qualquer um de nós. Filhos de trabalhadores de qualquer classe social, nascidos em qualquer lugar do Brasil. O Rogério da história acima poderia ser bem-sucedido, ganhar dinheiro suficiente para sustentar sua família com excelente qualidade de vida, mas vai levar a vida trabalhando como auxiliar administrativo num escritório no centro de Recife.
Há alguns dias, deparei-me com um excelente texto de um cara chamado David Cain, do blog raptitude.com. Segundo David, e tentando sintetizar o que ele diz, existem quatro eixos que definem como é e será a vida de cada um de nós:
– Onde moramos
– Onde trabalhamos
– O que fazemos quando não estamos trabalhando (hobbies e projetos pessoais)
– As pessoas com quem passamos a maior parte de nosso tempo
Esses quatro eixos não são independentes. Eles influenciam uns aos outros. Experimente mudar de trabalho. Tudo em sua vida vai mudar um pouco. Você passará a conviver com pessoas diferentes, e logo vai adquirir hábitos diferentes. Possivelmente vai adquirir outros hobbies, visitar lugares diferentes nos finais de semana. Experimente mudar de bairro, ou de cidade: esses quatro eixos mudarão, e sua vida mudará completamente. E você mudará junto com sua vida.
O problema é que poucos conseguem escolher qualquer um dos eixos. Apesar de nos definirem como pessoa, temos muito pouco controle sobre eles. De um modo geral, a vida vai nos levando, levando, e vamos construindo nossos alicerces sobre um terreno que desconhecemos.
Quando me formei, em 2002, por exemplo, não havia muitos empregos para engenheiros. Muitos dos meus colegas optaram por fazer um mestrado, não por simpatia pela carreira acadêmica, mas por pura falta de opção. No meu caso, uma grande amiga me ofereceu um trabalho numa ONG que, naquele momento, por alguma razão, pagava até melhor do que os poucos trabalhos para engenheiros disponíveis. Aceitei a oferta e aprendi muita coisa.
Aquela experiência me transformou bastante. Passei a conviver com líderes do movimento ambiental no Brasil. Visitava gabinetes de ministros com frequência. Em casa, por influência daquele ambiente, fazia de tudo para diminuir minha pegada ecológica, meu impacto sobre o ambiente. Anos depois troquei de trabalho para uma atmosfera completamente diferente. Um trabalho governamental, onde a burocracia e o papel ainda são mais importantes do que o bom senso. Meses depois da troca, já não me custava tanto imprimir um documento. Mesmo em casa, já não restringia tanto minhas escolhas em função do impacto ambiental que geraria. Relaxei, ou seja, mudei hábitos mesmo em casa (mas não completamente) em decorrência da mudança de trabalho.
Embora não me arrependa de ter optado por nenhum dos trabalhos que mencionei acima, não foram exatamente escolhas de vida. Não sei se teria feito as mesmas escolhas se tivesse outras opções disponíveis. De alguma forma, a vida me levou ali, e as escolhas que fiz pareceram até óbvias naqueles diferentes momentos.
Algo parecido acontece com nossas amizades. Já conheci gente tão interessante que gostaria de ter convívio semanal, ou até diário. Seriam profundos amigos do peito, mas somente se as circunstâncias geográficas viabilizassem. Felizmente, hoje em dia podem, pelo menos, ser grandes “amigos de Facebook”. Convenhamos, não é a mesma coisa.
Amigos, trabalho e onde você mora também tendem a definir seus projetos pessoais, seus hábitos, rotinas, seu guarda-roupa. Até mesmo seus sonhos de vida.
Em princípio, não há nada de errado em seguir vivendo a vida e ir fazendo escolhas na medida em que a necessidade aparece. Não faremos necessariamente escolhas ruins. Todos nós sabemos minimamente diferenciar uma boa de uma má opção. Mas pense na história do Rogério. Se ele, em algum momento da infância, não for apresentado a uma raquete de tênis (e isso seria só o começo), quais serão as chances de se tornar um tenista profissional, e ser bem-sucedido? Zero.
E cada um de nós, se não somos tenistas campeões em potencial, o que somos? A que deveríamos ter sido expostos para encontrar nosso maior potencial? Que tipo de habilidade e talento cada um de nós tem, que pode fazer a diferença no mundo? Como fazer para descobrir? Nossa escola não está preparada para isso. Nossa família tampouco.
Não sei a resposta para as perguntas acima, mas sei que quanto mais exposição a diferentes opções, maior é a chance de se encontrar no mundo. Fazer mudanças conscientes em um desses quatro eixos, que normalmente aceitamos sem questionar muito, pode resultar em mudanças consideráveis em nossa qualidade de vida. E as mudanças, quase sempre, são para melhor.
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