Que relação existe entre a falta de memória e a dor crônica?

Existem muitas pessoas que vivem com dor. Uma sensação subjetiva que pode condicionar outras áreas, afetando processos psicológicos básicos tão importantes quanto a memória.
Que relação existe entre a falta de memória e a dor crônica?
Andrea Pérez

Escrito e verificado por a psicóloga Andrea Pérez.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A dor pode ser sentida de muitas maneiras diferentes; pode variar desde um incômodo leve até uma dor insuportável. A percepção da dor é subjetiva e varia de acordo com o tipo de lesão, a pessoa, o significado que ela dá à dor e como essas variáveis se relacionam entre si. A dor é muito mais do que uma simples sensação.

A dor crônica não é uma dor aguda e pontual. Quando falamos de dor crônica nos estamos referindo a algo muito diferente. Como o dano causado pela gota que não para de cair; uma gota não significa nada, mas gota após gota após gota ao longo do tempo pode fazer um buraco muito profundo.

Além da dor em si, as pessoas que a vivenciam enfrentam a interferência que ela produz em seu cotidiano. Em muitos casos, a dor crônica afeta a vida de uma pessoa e atinge a maioria de suas áreas valiosas. Desde o nível mais óbvio, como o desconforto físico, passando pelo emocional e também impactando sua vida social.

Mulher com dor crônica
A dor crônica pode afetar a maioria das áreas da vida de uma pessoa.

A dor crônica na primeira pessoa

Uma das melhores maneiras de descobrir o que as pessoas com dor crônica sentem é ouvindo suas histórias e perguntando como cada uma delas sente a dor. As pessoas com dor crônica muitas vezes se sentem sozinhas, incompreendidas e ameaçadas por uma dor que não conseguem controlar. Para elas, a dor é um incômodo que interfere em todas as áreas de sua vida: trabalho, sono, relacionamentos, emoções e que lhes causa uma incapacidade.

A dor crônica tem como companheiras as seguintes emoções: injustiça, solidão, vergonha e inutilidade. Com seu peso invisível nas costas de quem a carrega, é muito difícil para quem está ao redor da pessoa que sofre ver essa dor. Isso faz com que essas emoções às vezes se tornem arraigadas e apareçam na forma de depressão, ansiedade e raiva.

“A dor é uma besta diante da qual surge a tendência mais instintiva da vítima: a de lutar para se libertar das garras de Davalú, que tenta dominar tudo e exercer seu próprio monopólio sobre mim, da mesma forma que um invasor conquista um reino”.

-Davalú ou dor”, Rafael Argullol, 2001-

A dor crônica também é silenciosa, inoportuna e rebelde. É como um visitante inesperado que você não convidou para entrar em seu corpo, mas que esteve lá para ficar por um tempo, você não sabe quanto tempo ou quão desconfortável será sua visita desta vez. Essas características da dor crônica fazem com que conviver com ela altere os projetos vitais de quem a padece.

Dor crônica e distúrbios de memória

Uma das queixas e dúvidas mais frequentes que as pessoas com dor crônica apresentam está relacionada à memória. As pessoas com dor crônica descrevem como seu pensamento às vezes se torna mais denso e lento. Elas também costumam descrever que se lembram menos das coisas que vivenciam, dos detalhes, das conversas, etc.

Anos atrás, pensava-se que a perda de memória na dor crônica estava associada aos efeitos colaterais dos medicamentos que estavam tomando. Embora alguns medicamentos possam produzir determinadas alterações cognitivas, foi demonstrado que não é um fator fundamental, pois grande parte dos analgésicos não produz essas alterações. Além disso, esses problemas de memória também ocorreram em pessoas que não estavam tomando medicação contínua para a dor.

Existem outras hipóteses que foram investigadas e que possuem comprovação científica. Uma delas é a alteração fisiológica dos processos envolvidos na memória devido à dor crônica. A segunda refere-se à relação entre o humor, a atenção e a dor que a pessoa apresenta.

O papel da atenção e da memória

Para explicar como a memória pode ser prejudicada pela dor crônica, precisamos entender um pouco como a memória e a atenção funcionam. Um ponto de partida é a suposição de que cada um de nós cria sua própria realidade com base em sua experiência de vida, seu contexto e suas circunstâncias. Imagine então que essa forma de construir a realidade é como construir nossa própria casa.

Quando construímos uma casa, primeiro precisamos de materiais (tijolos, vigas, cimento, etc.). Os dois grandes materiais com os quais construímos nossa casa são: a biologia e a experiência. Se casas diferentes saem de materiais muito semelhantes, é porque o responsável pela escolha do material seleciona ou escolhe qual será utilizado e qual não. Os responsáveis pela escolha dos materiais serão a atenção e a memória.

A atenção é responsável por olhar para as informações que são relevantes para nós. Nos processos de dor crônica, a atenção é muito focada nos processos de dor, e não tanto no que acontece fora do mundo da pessoa. Isso significa que tudo relacionado à dor é cuidado, ignorando outros aspectos valiosos da vida, simplesmente porque nossos recursos de atenção são finitos.

Uma vez que a informação foi escolhida e selecionada, a memória é responsável por armazená-la em um grande armazém que está constantemente modificando o que é salvo. Seria como guardar tudo o que nos pareceu importante num armazém semelhante a um barril de vinho. Você pode saber o estado em que a informação entra, mas à medida que é armazenada ela se transforma.

Alterações fisiológicas e psicológicas na memória

A dor crônica altera o funcionamento da atenção e da memória. Esses grandes seletores de informações são afetados nas pessoas que vivem com dor crônica. Esses processos biológicos estariam focados em atender preferencialmente as informações relacionadas à dor e relembrar todas essas experiências banhadas no aroma das emoções.

Na dor crônica, a atenção funcionaria como um holofote que ilumina a dor e deixa outras áreas valiosas da pessoa na sombra. A memória, por sua vez, retém essas informações e retroalimenta para que o foco continue iluminando a dor.

Esses processos podem gerar e promover o que se conhece como: o círculo vicioso da dor. Quando a pessoa foca na dor e negligencia outras áreas de sua vida, ela pode intensificar essa dor, sentir-se frustrada, paralisar sua vida por causa da dor. Isso fará com que ela se concentre ainda mais na dor e continue a negligenciar o restante das áreas.

Não é estranho que esse círculo acabe levando à depressão. Para evitar ou diminuir a intensidade da dor, é comum a pessoa abandonar determinadas atividades; algumas das quais até contribuíam de forma notável para o seu bem-estar.

mulher com depressão
A dor crônica pode levar ao desenvolvimento de uma depressão.

A ajuda psicológica como pilar fundamental do tratamento

Uma abordagem multidisciplinar permite atacar o problema em várias frentes, permitindo que diferentes profissionais contribuam com seu grão de areia para melhorar a qualidade de vida da pessoa. Assim, o paciente se beneficia da sinergia do conhecimento de diferentes profissionais.

Conviver com a dor crônica não deve ser uma luta constante contra a dor, nem deve ser uma condição central da vida. Aceitar que a dor crônica faz parte da sua vida, como aquele colega de trabalho chato com quem você não tem escolha a não ser dividir o escritório, é em muitos casos o primeiro passo para reduzir sua influência.

Você não pode escolher ter ou não dor, mas pode decidir como quer se relacionar com ela. Você pode ficar com raiva e frustrado por ele ter aparecido sem avisar, ou pode aceitar sua presença, entender como isso afeta suas emoções e mudar os aspectos que influencia em sua vida cotidiana.

Definir alguma rotina para organizar melhor o tempo. Manter uma vida ativa e realizar exercícios funcionais. Aprender a gerenciar e focar nossa atenção. Aumentar as atividades prazerosas que nos ajudam a nos distrair da dor são alguns dos objetivos que podem ser trabalhados na terapia e que ajudarão a conviver melhor com a dor crônica e seus efeitos.


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