Ragnar Lodbrok: reflexões de um herói lendário
Se não fosse pela série Vikings (Michael Hirst, 2013), muitos de nós não conheceríamos o herói Ragnar Lodbrok, nem os deuses nórdicos, nem os costumes e tradições vikings. Para muitos, a série foi uma grande descoberta e despertou interesse por essa cultura.
A série foi produzida inicialmente para o The History Channel, foi aprovada por historiadores e está profundamente documentada. Narra as façanhas de Ragnar Lodbrok, um guerreiro cuja curiosidade o levou a explorar novos territórios e, finalmente, a se tornar rei.
Como em qualquer formato audiovisual, apesar das fontes historiográficas, existe alguma liberdade criativa. Além disso, considerando que é baseada em textos medievais, o componente lendário está mais do que presente.
Ragnar é um personagem fascinante por várias razões, mas a principal característica que nos chama a atenção é sua curiosidade, sua vontade de aprender e evoluir; embora essa evolução nem sempre seja positiva.
Como todo herói, sua figura é mitificada, possui uma coragem excepcional e uma natureza que beira a imortalidade.
Fontes da história dos vikings e do herói Ragnar Lodbrok
Na Idade Média, devido ao analfabetismo, a transmissão oral era fundamental. Os menestréis recitavam poemas e canções para entreter.
Embora muitos tenham chegado até os nossos dias porque cópias e manuscritos foram encontrados, a verdade é que sua divulgação foi principalmente oral; o verso era usado porque se tratava de uma maneira fácil de memorizar.
Os menestréis introduziam episódios de atos de ação, isto é, epopeias medievais que narravam as façanhas de um herói, a fim de exaltar os valores e virtudes de um povo.
As virtudes desses heróis costumavam ser associadas à honra e coragem, mas também eram marcadas pelo componente da fé.
Por isso, nos textos historiográficos medievais, os eventos históricos se misturam com elementos de caráter religioso ou mitológico.
A série Vikings tem suas raízes em um dos textos medievais mais conhecidos da história dinamarquesa: o Gesta Danorum. Este texto data do século XII e é atribuído ao historiador Saxo Grammaticus. Ele conta a história da Dinamarca e explica a religião dos nórdicos.
O personagem Ragnar Lodbrok aparece no Gesta Danorum e também em algumas sagas. Os fatos sobre sua vida são bastante incertos; ele afirmava ser um descendente do deus Odin, conseguiu explorar várias cidades cristãs, teve várias esposas e filhos que, como seu pai, realizaram grandes feitos.
Lenda e realidade se misturam na história do herói Ragnar Lodbrok. Na verdade, é difícil datar sua vida porque as várias fontes diferem quando se trata de apontar os anos de seu reinado.
O professor Rory McTurk, em sua obra Estudos na Saga de Ragnar Lodbrok e seus principais análogos escandinavos, propõe que a história de Ragnar que chegou até nós é a combinação da vida de vários reis vikings.
A evolução do herói Ragnar Lodbrok
Deixando de lado as fontes historiográficas, focaremos nossa atenção no personagem que vemos refletido na série. Um personagem que, apesar de sua origem humilde, conseguirá obter muito poder.
Ragnar apresenta uma grande evolução desde o primeiro episódio até o último. Por isso, seguindo a cronologia da série, podemos distinguir quatro etapas:
Origem humilde
Conhecemos um jovem Ragnar que vive com sua esposa Lagertha e seus filhos Björn e Gyda. Ele é agricultor, mas movido pelo desejo de conhecimento, deseja explorar novos mundos.
Esse desejo o levará a desafiar o estabelecido, a desobedecer o conde Haraldson a fim de alcançar seu objetivo: liderar uma expedição. Observamos uma certa rivalidade com seu irmão Rollo, que, no futuro, se acentuará.
Em sua viagem, ele chegará à Inglaterra atual e entrará em contato com o cristianismo. A princípio, vai desprezá-lo, mas depois a religião acaba despertando sua curiosidade.
O reinado de Ragnar Lodbrok
Ragnar, a princípio, queria encontrar um lugar para enriquecer e obter terras férteis para cultivar. No entanto, ele conhecerá o rei Ecbert de Wessex, um personagem com quem ele compartilha a curiosidade e a liderança.
A relação entre Ecbert e Ragnar será fundamental e, por sua vez, unirá o fascínio que eles sentem pelo cristão Athelstan. Ragnar conseguirá ascender ao poder até se tornar rei.
Seu poder aumenta, mas, ao mesmo tempo, ele perde alguns elementos fundamentais de sua vida: sua filha Gyda morre e ele se separa de Lagertha.
Decadência
As decisões dos vikings são fortemente condicionadas pelas premonições do adivinho. Ragnar parece estar destinado a ter muitos filhos e, como Lagertha não pode tê-los, ele encontra em Aslaug a companheira perfeita para cumprir sua missão.
O poder começará a corrompê-lo e sua liderança vacilará quando, em uma de suas viagens, sua cidade natal for atacada. Além disso, o acordo na Inglaterra falha porque se tratava de uma armadilha de Ecbert.
Desencanto
Apesar das conquistas, muitas expedições serão marcadas por tragédias. Ragnar também entrará em contato com drogas, algo que levará a uma forte perda de liderança e controle sobre si mesmo.
Em seus últimos dias, testemunhamos um profundo desencantamento e aceitação de seu destino: a morte.
Neste ponto, testemunhamos um dos momentos mais fascinantes de toda a série: a conversa entre um Ragnar moribundo e bêbado com o rei Ecbert.
Ambos, iguais, como pessoas ambiciosas que triunfaram, mas estão chegando ao fim, mantêm um dos diálogos mais bem elaborados em que discutem suas crenças, assumem seu destino e confessam seus pecados.
Destino e livre arbítrio
Uma das questões mais interessantes que se desenvolve ao longo de Vikings é a do livre arbítrio. Todos os vikings recorrem ao adivinho para conhecer seu futuro.
O adivinho, uma figura-chave na vida dos vikings, responderá suas dúvidas com frases pouco esclarecedoras e ambíguas que darão origem a inúmeras interpretações e, por sua vez, condicionarão as decisões dos personagens.
Ao considerar as afirmações do adivinho como verdadeiras, os personagens agirão de acordo com elas, para, de alguma forma motivar o cumprimento das profecias. Ragnar, a princípio, aceitará essas sentenças; no entanto, com o tempo, um certo ceticismo despertará nele.
O contato com o cristianismo fará com que Ragnar comece a duvidar, a questionar sua fé. O cristianismo se abre como uma descoberta, como um caminho para o conhecimento que tanto deseja.
Ragnar é um personagem curioso e, por isso, não é surpreendente que ele busque na religião uma maneira de entender o mundo e conhecer seu próprio destino.
Em sua redenção, essa curiosidade inicial levou ao desencanto e ao ceticismo. Ragnar já não acredita mais em nada: nem no céu cristão, nem no Valhalla nórdico. É o que vemos na conversa excepcional com Ecbert.
O que aconteceria se não houvesse nenhum Deus? O que aconteceria se, após a morte, não houvesse nada? Esse diálogo, digno de uma análise independente, nos leva a questões transcendentais, a refletir sobre nosso próprio livre arbítrio, sobre o destino…
Finalmente, a caminho da morte, Ragnar mantém outro diálogo surpreendente com o adivinho sobre a liberdade de seu destino, questionando a veracidade de suas afirmações.
Ragnar Lodbrok é um personagem que, além de nos fazer desfrutar de suas façanhas, nos leva a um final épico, cheio de reflexões poderosas que nos convidam a duvidar, a traçar nosso próprio destino.
“O poder é sempre perigoso. Atrai o pior e o melhor, o corrompe. Eu nunca pedi poder. O poder é dado apenas àqueles que desejam renunciar a si mesmos por ele”.
-Ragnar Lodbrok-