Sabe o que acontece quando você rotula uma pessoa?

"Preguiçoso, chorão, arrogante, alto, baixo, excessivamente sensível, perdedor, desajeitado..." Você já foi rotulado alguma vez? E mais... Você já se rotulou? Poucas realidades são mais prejudiciais do que nos colocar dentro de certas categorias.

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 04 outubro, 2022

Se você tivesse que usar uma palavra para se definir, qual seria? É verdade que não é fácil resumir em um termo a percepção que temos de nós mesmos. No entanto, há aqueles que não têm dificuldade em fazê-lo porque desde pequenos arrastam uma “marca distintiva”, ou seja, um rótulo que definia como os outros os percebiam.

“Carlos é como o pai, muito sério e fechado.” “Andrea é esperta, mas fala pouco”, “João é lento e bagunceiro”, etc.. Vamos admitir, poucos atos são menos pedagógicos (e comuns) do que colocar esse tipo de rotulagem arbitrária em idades precoces, em que não temos filtros e, o que é pior, consideramos verdadeiro tudo que chega até nós.

Rotular é prejulgar e atribuir uma série de expectativas às quais muitos de nós acabamos nos ajustando desde pequenos. Nós internalizamos narrativas externas e as tornamos nossas, nós as engolimos e as diluímos em nossa personalidade quase sem perceber. Se formos ao território clínico, há um fato que apreciamos com grande frequência.

Há muitas pessoas que não têm dificuldade em se definir. “Sou uma pessoa deprimida sem aspirações” – muitos dizem. E, de fato, sua atitude, seu estado emocional e seu comportamento testemunham isso, mas a origem está muitas vezes nessas mensagens prejudiciais projetadas do próprio entorno do paciente…

Quando você rotula uma pessoa, sua autopercepção muda

Os rótulos são um mecanismo primitivo que nos permite delimitar (simplificar) a realidade. Deve-se notar que é algo prático, um recurso essencial para o nosso cérebro dar sentido a um mundo quase sempre complexo e difuso. A categorização também nos dá uma clara sensação de controle. É como ter alguns pontos cardeais com os quais nos orientar em diferentes cenários.

No entanto, e aí vem o problema, toda vez que rotulamos algo ou alguém tendemos a identificá-lo também como bom ou ruim. Porque a linguagem não é neutra, ela tem um significado e também implicações. Se dissermos que uma pessoa é “tóxica”, o que faremos a seguir é tentar não interagir com ela. Se apontarmos que uma criança é “lenta”, já assumimos que sua aprendizagem não será a melhor.

As pessoas não estão totalmente cientes de como é fácil rotular ou formar uma primeira impressão que mais tarde tendemos a confirmar. Essas respostas rápidas para tentar ter controle sobre a realidade é um tema que vem sendo estudado desde 1930. Foi o linguista Benjamin Whorf quem explicou que as palavras que usamos para descrever o que vemos raramente são objetivas, mas carregadas de vieses.

Mesmo assim, esse costume tão característico nosso tem sérias consequências. Porque quando você rotula uma pessoa você nega sua complexidade, seu direito de mudar, sua riqueza como ser humano…

Destruir autoconceitos vs. Efeito Pigmalião

Falávamos sobre isso no início. Se há uma prática recorrente é a de usar adjetivos qualificativos no nosso dia a dia com os pequenos. Pensemos, por exemplo, na mãe ou no pai que diz ao filho: “Olha, você é chato, querido, não vê que você é um reclamão e que se queixa de tudo?“. Nessa frase, dois rótulos ficam evidentes: chato e chorão.

Ser chato pode fazer com que a criança sinta que suas necessidades não são importantes. Não lhe dão atenção porque ele reclama demais e, portanto, deduz que expressar o que precisa não é bom. Sua autopercepção muda e ela pode começar a se desvalorizar como resultado.

O contrário também pode acontecer. Prova disso é um conhecido estudo realizado pelos médicos Robert Rosenthal e Lenore Jacobson. Nesse trabalho, eles realizaram um experimento impressionante. Um grupo de professores foi informado de que certos alunos em uma de suas salas de aula eram mais inteligentes do que a média (quando, na verdade, não havia evidências de que esse fosse o caso).

Depois de dar-lhes essa informação, os pesquisadores retornaram no final do ano letivo. Eles descobriram que essas crianças, que eles designaram como as mais brilhantes, tinham um QI de 10 a 15 pontos mais alto do que seus coleguinhas.

O efeito Pigmalião e a rotulagem positiva tiveram seu efeito. Os professores validaram essa ideia, esse rótulo falso que os pesquisadores lhes deram. Isso fez com que eles tratassem esses alunos de forma diferente. Essa preferência, essa atenção e confiança neles valeu a pena.

Rótulos são túneis que fecham nossas realidades

Quando você rotula uma pessoa, como já sabemos, você pode reforçá-la ou desvalorizá-la. Mas, infelizmente, o que é mais praticado na sociedade de hoje é essa categorização que é indelicada, pouco útil e nada pedagógica. Se no nosso dia a dia já estamos rotulados de acordo com raça, gênero, classe e orientação sexual, também devemos lidar com outras terminologias: “sensíveis”, “fracos”, “ingênuos”, “egoístas”, etc.

A maioria dos rótulos dói porque estão carregados de vieses e preconceitos. Na verdade, essas terminologias definem mais quem as diz do que quem as recebe. Porque quem os usa tem uma visão muito limitada da realidade: vê o que acredita, não o que realmente é. No entanto, em sua tentativa de controlar a complexidade das pessoas, distorce tudo, reduz tudo ao que não é.

Vamos tentar ter uma visão um pouco mais aberta e flexível da vida, das pessoas e dos acontecimentos. Vamos evitar o rótulo fácil e rápido, vamos cuidar da linguagem, que faz tanto estrago sem que percebamos. E tentemos também desativar e remover todo esse arsenal de rótulos que estão presos dentro de nós.

Esses que os outros colocaram em nós e que validamos… Vamos evitar que se tornem profecias autorrealizáveis.