Síndrome de Gerstmann: a incapacidade de reconhecer os dedos

Imagine por um momento como seria não poder reconhecer seus dedos, não poder realizar tarefas que requerem movimentos finos. É possível que isso aconteça sem que os dedos sofram algum dano físico?
Síndrome de Gerstmann: a incapacidade de reconhecer os dedos
Francisco Roballo

Escrito e verificado por o psicólogo Francisco Roballo.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A síndrome de Gerstmann é uma doença neurológica rara. É conhecida pela sua característica de maior destaque: a incapacidade do paciente de reconhecer os seus próprios dedos. No entanto, muito além desse sintoma, é uma doença muito mais complexa e adquirida – o conjunto de sintomas aparece após alguma lesão.

Seu nome provém de Josef Gerstmann, um jovem auxiliar do departamento de Neurologia da Universidade de Viena, Áustria. Este estudante descreveu um conjunto de sintomas em uma mulher que havia sofrido um acidente vascular cerebral. A partir daí, a doença composta por agrafia, agnosia digital e acalculia levou seu nome.

Os danos sofridos pelo cérebro

As causas da síndrome de Gerstmann

Em primeiro lugar, é preciso destacar que a maioria dos casos relatados surgem a partir de um problema vascular. Esta parece ser a principal causa de uma síndrome que se caracteriza pela dissolução do conhecimento morfológico das mãos e a incapacidade de trabalhar com elas. A sintomatologia pode se resumir, então, em:

  • Agnosia digital. Impossibilidade de reconhecer os dedos das mãos. O paciente age como se não contasse com seus dedos, como se não os tivesse.
  • Agrafia. Em conjunto com o sintoma anterior, o paciente perde a capacidade de se expressar por meio da escrita.
  • Acalculia. Os pacientes com a síndrome de Gerstmann também perdem a capacidade de fazer operações aritméticas simples.
  • Desorientação. Incapacidade de se orientar corretamente no espaço, confundindo ou não reconhecendo a diferença entre esquerda e direita.

O dano adquirido

Em 1930, Gerstmann descreveu a síndrome estudando as lesões de seus pacientes. Ele descobriu que a maioria apresentava danos no lobo parietal dominante, mais especificamente no giro angular.

No lobo parietal, encontra-se o homúnculo de Penfield, um mapeamento somatossensorial do corpo. Dentro do lobo parietal há uma região específica focada nos dedos.

Esta área é muito maior em proporção em relação ao resto do corpo, devido à importância e à quantidade de terminações nervosas que nossas mãos têm.

O giro angular

Esta área especialmente danificada na síndrome de Gerstmann ocupa uma porção posterior do lobo parietal. Está relacionada à interpretação da linguagem, à designação de um código comum para a informação visual e auditiva.

No geral, os pacientes com esta síndrome apresentam um acidente vascular na artéria cerebral média esquerda, que irriga o giro angular.

Características clínicas

É preciso esclarecer que a síndrome de Gerstmann costuma se apresentar de maneira incompleta. Isso quer dizer que os três principais sintomas não necessariamente precisam estar presentes para fazer o diagnóstico.

Em muitas ocasiões, não há presença de uma agrafia, e em seu lugar é comum a ocorrência de afasia semântica, um defeito na compreensão das estruturas lógico-gramaticais.

A síndrome de Gerstmann na atualidade

Dado que esta síndrome foi descrita há muito tempo, o avanço da ciência fez com que muitas de suas características fossem colocadas à prova. Atualmente há discussões sobre a base orgânica da síndrome, propondo outras áreas do lobo parietal na etilogia da mesma.

A maioria dos pacientes apresenta lesões no lobo parietal esquerdo, hemisfério dominante na maioria da população destra. As anomalias ocorrem no nível cortical, ou seja, em áreas de processamento complexo.

Diagnóstico da síndrome de Gerstmann

As principais disciplinas que se encarregam de abordar o diagnóstico dessa síndrome são a neurologia e a neuropsicologia. As suspeitas costumam ficar evidentes ao propor tarefas que impliquem o reconhecimento dos dedos.

Para a neurologia, o diagnóstico começa com exames exploratórios e é confirmado por meio de tomografias e ressonâncias magnéticas que permitem visualizar o tecido danificado. Além disso, a neuropsicologia se encarrega de avaliar e analisar as capacidades cognitivas deterioradas por meio de uma observação clínica.

Palmas das mãos de uma mulher

Tratamento da síndrome de Gerstmann

Os tratamentos também se dividem e diferenciam dependendo do especialista responsável. Em resumo, sempre é necessária uma abordagem combinada entre a neurologia e a psicologia.

  • Tratamento neurológico. A abordagem se baseia no tratamento do dano orgânico por meio de procedimentos padronizados. O tratamento vai depender do fato de a causa ter sido vascular ou relacionada a um tumor cerebral.
  • Tratamento neuropsicológico. Esta abordagem se baseia em trabalhar as funções cognitivas afetadas pela lesão. Além disso, dada a variabilidade dos sintomas, o tratamento deve ser individualizado e multidisciplinar.
  • Psicoeducação. A informação e a conscientização a respeito da síndrome são muito importantes para trabalhar os aspectos emocionais subjacentes.

Finalmente, ambos os tratamentos devem estar focados na recuperação funcional do paciente, com objetivos que busquem um funcionamento ótimo e desestimulem o isolamento.

A princípio, apesar de a síndrome de Gerstmann ser rara na população, chamou a atenção de pesquisadores e especialistas devido às suas características.

O interesse reside no fato de que o correto funcionamento do cérebro também depende do correto funcionamento vascular. Por isso, todas as atividades que configurem um fator de risco para o sistema circulatório também são um perigo para o sistema nervoso.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.