Técnica das grades de repertório: em que consiste e como é aplicada?
Na terapia, existem diversas correntes psicológicas possíveis para abordar um problema. Porém, em todos os casos, é necessária uma avaliação inicial para definir as áreas a serem trabalhadas. Para atingir este objetivo, é possível utilizar diferentes métodos; entre eles, a técnica das grades de repertório.
Esta técnica pode ser entendida como uma entrevista semiestruturada que permite compreender a organização interna da pessoa. Ou seja, ela nos aproxima da maneira particular do indivíduo para compreender a sua realidade e interpretar as suas experiências. Somente entendendo o seu ponto de vista é que poderemos oferecer soluções adequadas às suas demandas. É por isso que esta técnica é tão valiosa.
Em que consiste a técnica das grades de repertório?
A técnica das grades de repertório é um instrumento de avaliação psicológica criado por George Kelly em 1995. Faz parte da teoria dos construtos pessoais, uma abordagem que afirma que as pessoas dão sentido ao seu entorno e às suas experiências por meio de diversas construções pessoais. Ou seja, a realidade é subjetiva e cada indivíduo cria os seus próprios significados.
São precisamente estes significados (ou esta forma pessoal de organizar o conhecimento) que se pretende descobrir através da técnica das grades de repertório. Assim, as suas principais características são as seguintes:
- Tem como objetivo explicitar o sistema de crenças próprio da pessoa.
- É uma técnica voltada para o indivíduo, pois é construída com base nas palavras ou ideias do entrevistado e não com base em construtos teóricos do entrevistador.
- É uma técnica subjetiva e qualitativa, pois não busca comparar ou mensurar as respostas da pessoa, mas sim chegar a uma compreensão profunda do seu mundo interno.
Como a técnica das grades de repertório é aplicada?
Ao aplicar essa técnica de avaliação, o entrevistador e o entrevistado trabalham juntos para criar uma matriz que representará, de forma gráfica, as principais crenças da pessoa. Assim, trata-se de um processo com três partes.
Elementos
Em primeiro lugar, em uma folha de papel em branco, colocam-se da esquerda para a direita os nomes de algumas das pessoas mais importantes da vida do entrevistado. Podem ser familiares, amigos, colegas de trabalho, chefes ou até mesmo pessoas famosas que sirvam como inspiração.
Também é interessante acrescentar pessoas que não fazem mais parte do presente (tais como ex-parceiros ou antigos professores) ou que representem um significado negativo. Além disso, também é importante incluir alguns elementos da própria identidade do entrevistado. Por exemplo:
- O eu atual (quem eu sou neste momento).
- O eu ideal (quem eu gostaria de ser).
- Eu mesmo, antes de apresentar o sintoma.
- Eu quando tenho o sintoma.
Construtos
Em segundo lugar, de cima para baixo, do lado esquerdo da folha, temos que listar atributos que podem ser significativos para a pessoa. Esses construtos devem ser bipolares (macio-áspero, claro-escuro, bom-mau), mas também dimensionais, pois abrangem um grande número de possibilidades entre os dois polos. Além disso, eles surgem a partir da experiência. Ou seja, ao observar uma pessoa que fala muito e outra que mal se expressa, por exemplo, pode surgir o construto falante-calado.
Cada um de nós possui alguns construtos nucleares que são os primeiros aos quais recorremos para dar forma e significado às nossas experiências. E são estes os que são refletidos nas grades de repertório. Para isso, relacionam- se os elementos (pessoas) designados no primeiro passo, confrontando-os de dois em dois. Por exemplo:
- O que a sua mãe e o seu pai têm em comum? Se a resposta fosse “ambos são muito generosos”, seria preciso perguntar: qual é o antônimo de generoso? Desta forma obteríamos, por exemplo, o construto generoso-egoísta.
- Qual seria uma semelhança entre o seu melhor amigo e o seu antigo professor? Da mesma forma que na sequência de questões acima, poderia-se obter, por exemplo, o construto inteligente-bobo.
Assim, continuaremos confrontando os diferentes elementos e colocando, de cima para baixo, os construtos que forem surgindo.
Grade
Para esta última etapa, temos que classificar cada um dos elementos em relação aos diferentes construtos. Para isso, usaremos uma escala que pode ir, por exemplo, de 1 a 7.
Assim, devemos nos perguntar qual pontuação cada pessoa obteria nos atributos que listamos. Começaremos com a primeira e colocaremos as diferentes pontuações abaixo do seu nome. Então, faremos o mesmo com todas as outras pessoas.
Por fim, obteremos uma matriz (uma espécie de tabela) que representará, de forma gráfica:
- Quem são as pessoas mais relevantes na vida do entrevistado
- Quais são os principais construtos usados para interpretar e entender o mundo
- Que posição cada uma dessas pessoas ocupa nessas categorias principais de significado
Que tipo de informação podemos obter por meio da técnica das grades de repertório?
Uma vez que a grade for concluída, poderemos acessar informações valiosas sobre a forma como o entrevistado organiza as suas experiências. É possível obter alguns dados diretamente da matriz desenhada no papel. Mas, para uma análise mais profunda, podemos contar com a ajuda de algum programa de computador que nos permita identificar e, sobretudo, representar as relações que temos interesse em trabalhar.
Em uma análise qualitativa podemos ver, por exemplo:
- Que tipo de atributos predominam? Algumas pessoas tendem a escolher com mais frequência construtos relacionados ao intelecto (tais como inteligente-bobo), enquanto para outras seriam mais frequentes as relações pessoais (generoso-egoísta) e, para outras, a afetividade (empático-insensível). Isso nos dá uma ideia de quais áreas são mais relevantes para essa pessoa.
- Em que posições estão os elementos? Pode ser que, com um simples olhar, possamos perceber que todas as pessoas têm uma pontuação alta ou baixa em uma determinada dimensão. Por exemplo, talvez a maioria dos elementos esteja perto do pólo “insensível”. Assim, isso nos levaria a nos perguntar por que o paciente/cliente se associa a esse tipo de pessoa ou por que as percebe dessa maneira.
- Existem associações marcantes? Por exemplo, talvez o ex-parceiro possa se situar (por causa das suas pontuações) em uma posição muito próxima à do pai. Ou talvez o eu ideal esteja muito próximo do melhor amigo. A partir dessas descobertas, podemos nos fazer perguntas interessantes e extrair objetivos para trabalhar.
- Conseguimos identificar possíveis conflitos ou dilemas? Isso ocorre quando um construto desejado (como poderia ser o de “boa pessoa”) fica graficamente muito próximo de outro que causa rejeição (por exemplo, “ser submisso”).
Uma técnica para explorar as crenças
Assim, conforme você pode ver, a técnica das grades de repertório é um instrumento para explorar o mundo interno e as crenças funcionais mais arraigadas. Pode ser muito útil durante o processo de psicoterapia para identificar transtornos e conflitos, para ver de onde eles surgem e intervir para resolvê-los. Mas, além disso, essa técnica também tem outras utilidades.
Por exemplo, ela pode ser usada durante um processo de tomada de decisão ou em um trabalho terapêutico de mudança, ainda que não haja nenhum tipo de patologia. Este pode ser, por exemplo, o caso de uma pessoa que deseja polir ou modificar alguns aspectos de sua personalidade, mas que apresenta resistência nesse sentido.
Também é comumente usada como técnica de orientação vocacional. Neste caso, listando as diferentes áreas como elementos, é possível identificar as preferências acadêmicas e vocacionais da pessoa e suas aspirações, a fim de decidir sobre o seu desenvolvimento profissional.
Em suma, esta é uma ferramenta que fornece informações muito completas e que pode ser utilizadas para diversos fins. Apesar da complexidade de sua aplicação e interpretação, ela pode ser muito útil para as avaliações psicoterapêuticas.
Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.
- Fernández, M. T., Tuset, A. M., & Cuervo, M. (2017). La técnica de la rejilla en la evaluación de las aspiraciones y constructos vocacionales. Psicología Educativa, 23(1), 53-62.
- Feixas i Viplana, G., de la Fuente, M., & Soldevilla, J. M. (2003). La técnica de rejilla como instrumento de evaluación y formulación de hipótesis clínicas. Revista de psicopatología y psicología clínica, 8(2), 153-171.
- Feixas i Viaplana, G., & Alvarez, E. (2003). La técnica de la rejilla en la orientación personal: Estudio de un caso. Psicología em Revista, 2003, vol. 10, num. 14, p. 65-81.
- Sechrest, L. (2017). The Psychology of Personal Constructs: George Kelly. In Concepts of Personality (pp. 206-233). Routledge.