Temos o amor que achamos que merecemos?
Muitos de nós temos o amor que achamos que merecemos. Talvez seja por isso que acabamos presos em relacionamentos que machucam, em laços que ofuscam todas as formas de felicidade. Na verdade, é difícil entender por que damos veracidade a esse tipo de narrativa mental, na qual assumimos que é melhor suportar o intolerável desde que não fiquemos sozinhos…
Mais de uma pessoa dirá que a causa desta realidade é a baixa autoestima. No entanto, existem dinâmicas ainda mais complexas e profundas. Muitas vezes, desde a infância, integramos uma série de esquemas psicoafetivos que determinam completamente a forma como concebemos o amor. É preciso deixar claro: poucos saberão se amar se nunca foram amados; especialmente durante a infância.
É muito difícil exigir um amor saudável se isso for algo que nunca recebemos antes. De fato, o ser humano é uma criatura capaz de cair em uma relação prejudicial após a outra sem saber realmente o motivo. Relações nas quais se recebem apenas migalhas emocionais.
Além disso, podemos ter mais de um amigo preso em uma relação de dependência e infelicidade. Porém, não importa quantas vezes digamos que “você merece coisa melhor”. Se a pessoa tiver mais medo da solidão do que de uma convivência de altos e baixos e de afetos que magoam, será muito difícil convencê-la disso. Entretanto, isso não significa que devemos desistir. Mais cedo ou mais tarde, a pessoa acabará abrindo os olhos…
Assim como te amaram, você entenderá o amor.
O perigoso sentimento de carência no amor
Quanto amor você acha que merece? Que tipo de estima você está disposto a receber? Muitas vezes, devemos refletir sobre essas ideias antes de iniciar um novo relacionamento. Porque é muito possível que a nossa mente esteja sujeita ao que poderíamos definir como um sentimento de carência. Ou seja, supondo que, para aliviar a nossa solidão, basta ter qualquer pessoa ao nosso lado.
No entanto, a felicidade não é ter outra pessoa ao lado do sofá, da cama e da mesa onde comemos. Para isso, é mais edificante compartilhar o tempo com os amigos ou adotar um animal de estimação. Certamente, receberíamos um afeto muito mais válido e autêntico.
Todo relacionamento amoroso saudável e feliz é construído com um amor que edifica, nutre e valida. Não podemos nos contentar com menos.
Entretanto, é isso o que fazemos. Aceitamos os restos de afetos envenenados e repetimos padrões relacionais muitas vezes fundamentados na codependência e no sofrimento. Pois, em boa parte dos casos, aceitamos o amor que achamos que merecemos em função de como nos sentimos. Assim, se o nosso coração está cheio de vazio, tristeza e ansiedade, é muito fácil aceitar o que vier para aliviar essas feridas internas.
Ao iniciar um relacionamento, somos condicionados por dezenas de variáveis inconscientes que nunca paramos para detectar.
Padrões negativos em que caímos quando aceitamos menos do que merecemos
Temos o amor que achamos que merecemos? Independentemente do que pensamos, é bom (e necessário) que nos façamos essa pergunta toda vez que iniciarmos um relacionamento amoroso.
Essa pergunta nos permitirá refletir sobre dimensões que, talvez, estejamos negligenciando. Afinal, é muito fácil cair em padrões relacionais negativos e supor que essas são dinâmicas normais entre todos os casais quando, na verdade, não é bem assim.
Estes seriam apenas alguns exemplos:
- Acreditar que você deve mudar seus valores, costumes, sonhos e hobbies para se adaptar ao seu parceiro.
- Perceber que o seu parceiro te critica ou pune por muitas das coisas que você faz ou diz.
- Colocar as necessidades da outra pessoa continuamente antes das suas.
- Esconder dos seus amigos e familiares que o seu parceiro grita com você, que ele te trata mal e que te envergonha. Pior ainda, você mesmo também tenta não dar importância excessiva a essas dinâmicas.
- Seu parceiro falhou com você muitas vezes, mas você continua perdoando e dando novas oportunidades.
- Você sabe que não está feliz, mas diz a si mesmo quase todos os dias que os relacionamentos são assim, que você tem que aguentar. Mais cedo ou mais tarde, o relacionamento vai melhorar e todo sacrifício terá valido a pena. O que nunca acontece.
Qual é a origem dessa percepção?
Temos o amor que achamos que merecemos porque agimos de acordo com as nossas experiências anteriores. Essa é a chave: nossas jornadas prévias, nossas primeiras experiências e a qualidade dos laços que teceram a nossa existência.
Porque não devemos nos enganar: ao iniciar um relacionamento, ativam-se inúmeros mecanismos inconscientes que determinam boa parte das armadilhas em que caímos. Assim, vamos analisar qual é a origem que pode estar por detrás desta percepção.
O tipo de apego com o qual fomos criados
Assim como te amaram, você vai amar. Pode parecer algo muito categórico, mas, de fato, essa regra se cumpre em quase 80% dos casos. Pesquisadores da Universidade de Minnesota destacam a relação entre o tipo de apego com o qual fomos criados e a qualidade dos relacionamentos na idade adulta.
Dessa forma, as pessoas que estabeleceram um tipo de apego ansioso-ambivalente em relação aos pais desenvolvem um medo constante de serem abandonadas ou de não serem amadas por seus parceiros.
Experiências de vida
Em grande medida, todos nós somos o resultado de nossas experiências. Algumas nos condicionam mais do que outras e, às vezes, podemos carregar mais de um trauma ou experiência que ainda não superamos. Perder um pai, uma mãe, ter sofrido maus-tratos, abusos, bullying na escola e até mesmo ter presenciado um relacionamento ruim entre nossos pais…
Tudo isso pode distorcer a ideia que temos do amor e do que merecemos.
Autoconceito e autoestima
Podem parecer ser a mesma coisa, mas, na verdade, não são. O autoconceito (a imagem que temos de nós mesmos) e a autoestima (a forma como nos avaliamos) também definem o amor que acreditamos merecer. Um esquema negativo em relação à própria pessoa, rejeitando o próprio corpo, menosprezando o próprio valor e habilidades, geralmente está por trás desses relacionamentos infelizes e fracassados.
Para concluir, é importante lembrar mais uma vez um aspecto. Apaixonar-se é um ato instintivo e ilógico, isso é fato. No entanto, embora não possamos controlar por quem nos apaixonamos, devemos sim avaliar o tipo de amor que merecemos. Vamos evitar nos tornar os nossos próprios inimigos ao tolerar o intolerável.
Assim, vamos promover o amor-próprio para colocar limites em relação ao que nunca devemos experimentar: o sofrimento. Se não estão te amando como você merece, talvez a causa esteja em você, pois você também não se ama como precisa. Tome uma atitude.
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- Sarah R. Brauner-Otto, William G. Axinn, Dirgha J. Ghimire. Parents’ Marital Quality and Children’s Transition to Adulthood. Demography, 2020; DOI: 10.1007/s13524-019-00851-w
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