"Tenho tudo, deveria ser feliz", sentimento que se origina na infância

"Tenho tudo, mas não sou feliz, nada me satisfaz." Esse sentimento muitas vezes se origina na infância e, se não o elaborarmos adequadamente, prejudicará nosso desenvolvimento vital.
"Tenho tudo, deveria ser feliz", sentimento que se origina na infância

Última atualização: 04 setembro, 2022

Tenho tudo, mas me sinto uma pessoa miserável. Por que não posso ser feliz? De onde vem essa insatisfação? Qual é a origem dessa tristeza? Apesar de ter muitas pessoas ao meu lado, por que sinto a solidão com tanta intensidade? O que me impede de cauterizar meus medos?

Essas perguntas são comuns em pessoas que vêm à consulta porque não conseguem se livrar da culpa, da solidão ou da insatisfação. O que essas pessoas não sabem é que esses sentimentos têm, na maioria das vezes, sua origem na infância.

É confuso para quem tem entes queridos e pessoas próximas, e também para quem tem emprego, família e estabilidade. No entanto, são verbalizações muito mais comuns do que pensamos. Vamos ver o que está por trás deles.

“A aceitação social, sentir-se amado, tem muito poder porque mantém os sentimentos de solidão afastados.”

-Role Maio-

Mulher preocupada pensando
Há sentimentos de culpa que carregamos desde a infância.

O que está por trás desse sentimento de culpa?

Geralmente estamos falando de pessoas que têm uma vida funcional e são competentes nas diferentes áreas de sua vida. O problema é que eles sentem que têm tudo, mas ao mesmo tempo carregam um sofrimento que não conseguem entender ou conceituar.

Nesse contexto, pode ser difícil até mesmo se reconhecer nesse sofrimento. “Se não me falta nada, por que sinto esse desconforto?”. Muitas vezes ocorre uma confusão em pessoas que na infância ou adolescência viram grande parte de suas necessidades físicas atendidas, mas não as emocionais.

Da mesma forma, puderam conviver com discursos desse tipo por meio de suas principais figuras de apego – em regra, os pais-. Dessa forma, diante de pedidos de atenção emocional ou em situações de proximidade, poderiam receber respostas do tipo “estou trabalhando o dia todo para que não lhe falte nada, não seja tão egoísta”.

Conforme desenvolvido pelos pais da teoria do apego (Ainsworth, 1969; Bowlby, 1990), quando crianças acabamos imitando o estilo de apego ou vínculo de nossos pais. Portanto, aprendemos por aprendizagem vicária ou imitativa o que olhar ou o que dar importância quando integramos o que observamos ou o que nosso ambiente instila em nós.

Dentro dessa dinâmica, na infância, essas pessoas aprendem a se desconectar das necessidades afetivas, buscando o bem-estar psicológico por meio da produtividade material, tóxica ou do que as gratifica socialmente por algum motivo.

Mulher fazendo terapia
O sintoma pelo qual essas pessoas costumam ir à consulta psicológica costuma estar associado à dificuldade de estabelecer vínculo, identificar e expressar seus sentimentos e necessidades ou fugir da raiva ou do ressentimento.

Eu tenho tudo, mas…

Eu tenho tudo, mas… O que é ter tudo? Essa é a primeira parte a verificar. Afirmamos que temos tudo para tentar diminuir a intensidade da dor; porém, a natureza é sábia e não gera sentimentos do nada ou sem função. Quando o desconforto reina em nossas vidas, precisamos trabalhar nele e resolver o que nos deixa ansiosos ou incomodados.

A solidão emocional precisa ser observada. Esclarecer esses sentimentos nos permitirá compreender e reorientar nossas vidas para os valores que desejamos. Para isso, a pessoa deve dar o passo de abrir a mente e entender que uma dedicação excessiva ao trabalho ou a necessidade de atingir alguns objetivos não podem completar sua vida.

Se olharmos para trás e olharmos com cuidado, podemos examinar se nossa história familiar ou social valorizou o sucesso acadêmico ou profissional acima de tudo. Se foi moldado dessa maneira, provavelmente diminuiu a atenção às necessidades complexas de ser valorizado por algo diferente de nossas conquistas ou nossa dedicação aos outros.

Às vezes, para criar ou recuperar um padrão de vida saudável, precisamos recorrer a profissionais de saúde mental que possam nos orientar. Identificar a necessidade de ser apoiado quando percorremos caminhos hostis em nossa jornada é essencial. Não esqueçamos que o relacionamento com os outros começa com um relacionamento saudável na primeira pessoa.


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  • Ainsworth, M.D. (1969). Object relations, dependency, and attachment: a theoretical review of the infant-mother relationship. Child Development, 40, 969-1025.
  • Bowlby, J. (1990). El vínculo afectivo (2ª ed.). Buenos Aires: Paidós.

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