Teoria da dissociação estrutural: quando a personalidade se divide após o trauma
A mente humana é complexa, e a sua adaptabilidade pode ser surpreendente. Quando o indivíduo sofre um trauma grave, vários mecanismos de defesa são colocados em prática para lidar com o estresse emocional. Um deles é a dissociação, que permite que a consciência se divida para continuar funcionando apesar das graves circunstâncias vividas. É isso que explica a interessante teoria da dissociação estrutural.
Quando falamos de personalidade dissociada, geralmente pensamos no que antes era chamado de “transtorno de personalidade múltipla“. Embora este seja o representante de uma das formas mais complexas de dissociação, existem outras condições que também a apresentam, como o transtorno de estresse pós-traumático e transtorno de personalidade limítrofe. Até mesmo indivíduos saudáveis são capazes de se dissociar em determinados momentos. Vamos examinar isso mais de perto.
Em que consiste a dissociação?
A dissociação é um processo no qual elementos que normalmente estão associados se desconectam. Isso pode afetar a percepção, as emoções ou a identidade e se apresentar de diferentes maneiras.
Em um grau não patológico, todos nós podemos experimentar a dissociação em diferentes circunstâncias, como:
- Quando você está dirigindo, absorto em seus pensamentos, e chega ao seu destino sem se lembrar de nada sobre a viagem. Você sabe que já faz um tempo que começou a jornada, mas a sua mente descartou tudo que aconteceu no meio.
- Enquanto você está fazendo uma atividade absorvente (por exemplo, pintar ou ler), alguém pode falar com você e você ouvirá, mas não processará a informação.
- Ao receber notícias chocantes que geram uma intensa ansiedade, você pode se sentir desconectado das suas emoções ou do ambiente.
A dissociação em um grau patológico aparece como um mecanismo de defesa contra o trauma. Embora tenha a função de ajudar na sobrevivência e no funcionamento, pode ser a fonte de uma série de problemas.
A teoria da dissociação estrutural
A teoria da dissociação estrutural, postulada pelo psicólogo Onno van der Hart, tenta explicar a dissociação da personalidade após um evento traumático.
Este modelo defende a existência de dois sistemas de personalidade presentes em todos os indivíduos, que estão integrados nas pessoas saudáveis:
- O sistema de ação orientado para a sobrevivência: incentiva a abordagem de estímulos agradáveis, prazerosos e necessários. Por exemplo, nos motiva a comer, socializar, nos divertir, nos limpar ou trabalhar.
- O sistema de ação orientado para a defesa: nos protege de ameaças e situações perigosas e desagradáveis. Por exemplo, nos motiva a confrontar aqueles que nos atacam, a fugir de um ladrão ou a procurar ajuda quando precisamos.
As duas partes da personalidade
Quando ocorre uma experiência traumática, esses dois sistemas se dissociam e a personalidade começa a funcionar de maneira dividida. Desta forma, surgem duas partes diferentes da personalidade:
- A Parte Aparentemente Normal (PAN): é responsável por tentar levar uma vida o mais normal e funcional possível. Para conseguir isso, ela se separa do trauma e de tudo relacionado a ele. Você pode não ter acesso ou se conectar emocionalmente com essas memórias (falar sobre o trauma sem sentir a dor). Também é comum que ela evite “de forma fóbica” qualquer estímulo, local ou situação que possa lembrá-lo do ocorrido.
- A Parte Emocional (PE): detém a carga emocional negativa e que permaneceu ancorada no momento do trauma. Por isso surgem flashbacks e a reexperimentação, e o objetivo principal é ficar atento a possíveis novos perigos. Portanto, essa parte não funciona na vida cotidiana.
Níveis de dissociação de acordo com a teoria da dissociação estrutural
Dependendo da gravidade do trauma, do momento da vida em que é vivenciado e de outros fatores, podem ocorrer diferentes níveis de dissociação:
- A dissociação estrutural primária é caracterizada pela presença de um único PAN e um único PE. É típica do transtorno de estresse pós-traumático e outros transtornos dissociativos simples.
- Na dissociação estrutural secundária, um único PAN e vários PEs são responsáveis por diferentes funções. Por exemplo, um PE pode promover a luta e, outro, a submissão. Este estado ocorre no transtorno de estresse pós-traumático complexo ou transtorno de personalidade borderline resultante de trauma.
- Finalmente, na dissociação estrutural terciária, existem vários PANs e vários PEs. É o grau máximo de dissociação e é típico do transtorno dissociativo de identidade (anteriormente conhecido como transtorno de personalidade múltipla).
A dissociação é a consequência
Em última análise, esse modelo teórico ajuda a compreender os mecanismos complexos que a mente coloca em movimento para lidar com o trauma.
Isso nos lembra que a dissociação não é o problema, mas a consequência que surge como uma defesa contra a dor extrema. Portanto, o processamento desse trauma (causa inicial) deve ser o principal objetivo da intervenção psicológica.
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