Ter um relacionamento saudável após ter sofrido abuso: é possível?

Sofrer abuso deixa marcas importantes na capacidade de se relacionar. Se uma vítima de abuso busca construir um relacionamento saudável, ela enfrentará uma série de desafios que discutiremos a seguir.
Ter um relacionamento saudável após ter sofrido abuso: é possível?
Elena Sanz

Escrito e verificado por a psicóloga Elena Sanz.

Última atualização: 01 janeiro, 2023

Cada experiência que vivemos ao longo da vida nos marca, mas se falarmos de abuso e trauma, o impacto é ainda maior. Ser vítima de violência, física ou psicológica, deixa uma marca na função cerebral e modula a forma como nos relacionamos com os outros. Por esse motivo, é comum que muitas pessoas tenham dificuldade em se recuperar desses eventos e se relacionar adequadamente. Manter um relacionamento saudável após ter sofrido abuso não é tão simples quanto parece e apresenta vários desafios.

É comum ver pessoas que engatam uma relação prejudicial atrás da outra, que parecem seguir um padrão totalmente nocivo na escolha de um parceiro, mas que perdura no tempo. Quem não vive a situação em sua própria carne pode se perguntar como é possível alguém entrar em um inferno que já conhece; se a pessoa é extremamente azarada ou se não aprende com seus erros. Mas a realidade é muito mais complexa e dolorosa.

mulher triste se perguntando
O abuso na infância pode limitar os relacionamentos na idade adulta.

Ter sofrido abuso deixa marcas indeléveis

Para entender o tema que estamos tratando, é importante lembrar o quanto somos vulneráveis na infância. Nessa fase, a estrutura cerebral toma forma e são lançadas as bases do que será o funcionamento mental da pessoa. Para um desenvolvimento adequado é preciso atenção, carinho e cuidado; em suma, uma segurança de que foram privados aqueles que sofreram abusos.

Verificou-se que o abuso pode afetar o desenvolvimento do cérebro e alterar a arquitetura do cérebro. Por meio da ressonância magnética, observou-se que o cérebro de quem sofreu abuso na infância apresenta diferenças em nove regiões corticais, em comparação àqueles que não o vivenciaram. Isso tem as seguintes consequências:

  • Dificuldades em autorregular as próprias emoções e comportamentos e em controlar os impulsos.
  • Déficits socioperceptivos.
  • Problemas para manter um equilíbrio saudável entre introversão e extroversão.
  • Funções executivas comprometidas.
  • Aumento do risco de usar drogas ou sofrer de uma variedade de distúrbios psicológicos na idade adulta.

Mas, além disso, sofrer abuso altera a resposta neurobiológica ao estresse e leva a pessoa a ter limitações nos relacionamentos. E isso acontece se o abuso ocorreu na infância ou se foi vivenciado mais tarde, por exemplo, dentro de um relacionamento.

Manter um relacionamento saudável após ter sofrido abuso

Claro, nenhuma experiência é uma condenação e uma sentença imutável. O trauma pode ser trabalhado para ajudar a pessoa a se livrar do desconforto e recuperar sua qualidade de vida. A passagem do tempo, a intervenção adequada e o apoio do entorno podem mitigar as consequências dessas experiências abusivas.

No entanto, as vítimas podem continuar a ter problemas de relacionamento mais tarde e se ver revivendo o abuso agora em outro cenário. Nesse sentido, algumas pesquisas constataram que crianças que sofreram abuso familiar antes dos 12 anos têm maior risco de sofrer intimidação e agressão por parte de seus pares na adolescência.

Por outro lado, verificou-se que crianças que sofrem abuso ou negligência, quando atingem a idade adulta, correm maior risco de sofrer violência por parte do parceiro, bem como perpetrá-la. E isso acontece por vários motivos:

Apego inseguro

Se o abuso é vivenciado na infância, desenvolve-se um estilo de apego inseguro, pois as figuras de referência da criança não ofereciam amor e segurança. Um apego evitativo ou ambivalente pode ser estabelecido (dependendo do caso), mas nas situações mais graves, em que o trauma é vivenciado, pode ser gerado um apego desorganizado.

Isso afeta negativamente a visão que a criança tem de si mesma, sua capacidade de confiar nos outros e a maneira como ela aprendeu a lidar com suas emoções. A carência nesse aspecto, sem dúvida, condiciona a capacidade de criar vínculos saudáveis na idade adulta.

Autoestima prejudicada

Se o abuso é sofrido na infância ou se ocorre no contexto de um relacionamento, as consequências psicológicas são importantes. Sofrer humilhações, manipulações e agressões prejudica profundamente a autoestima das vítimas e gera graves problemas de confiança nelas. Envolver-se em um novo relacionamento, carregando essa bolsa emocional, é desafiador e as dificuldades vão surgir.

O abuso corre na família

Finalmente, ocorre um fenômeno que é o que cria mais dificuldades ao tentar ter um relacionamento saudável após ter sofrido abuso. E é que o caos, o imprevisível e estresse constante que se tornou familiar para essa pessoa; é o habitat em que aprendeu a funcionar e, de alguma forma, continuará buscando.

Essa não é uma decisão consciente, porque ninguém escolheria uma situação dolorosa e prejudicial para si. No entanto, em nível inconsciente, a corrente do que se conhece é seguida e a pessoa acaba envolvida em dinâmicas semelhantes às que experimentou antes.

Nesse sentido, diferenças de gênero foram encontradas. E é que os homens parecem mais propensos a adotar o papel de perpetradores da violência em seus relacionamentos, enquanto as mulheres tendem a se apegar aos homens que as vitimizam novamente. No entanto, isso não ocorre em todos os casos.

Mulher chorando
As pessoas que foram vítimas de abuso psicológico na infância acabam envolvidas em dinâmicas semelhantes.

Curar para construir um relacionamento saudável após ter sofrido abuso

Em suma, as vítimas de abuso em qualquer uma de suas formas correm maior risco de serem revitimizadas no futuro, podendo se sentir desconfortáveis em relacionamentos e dinâmicas saudáveis, justamente por não estarem acostumadas a elas.

Por esse motivo, é fundamental buscar ajuda profissional e realizar uma intervenção psicológica. Isso será especialmente destinado a curar traumas e feridas emocionais e incentivar a aquisição de estratégias adequadas para construir um relacionamento saudável.


Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.


  • Amén, M. y Vera, B. (2022). La ansiedad en los padres de niños/as con trastorno del espectro autista.PSIDIAL: Psicología y Diálogo de Saberes,1(Edición especial septiembre 2022)31-44.
  • Benedini, K. M., Fagan, A. A., & Gibson, C. L. (2016). The cycle of victimization: The relationship between childhood maltreatment and adolescent peer victimization. Child Abuse & Neglect59, 111-121.
  • Widom, C. S., Czaja, S., & Dutton, M. A. (2014). Child abuse and neglect and intimate partner violence victimization and perpetration: A prospective investigation. Child abuse & neglect38(4), 650-663.
  • El maltrato infantil modifica la arquitectura de la red cortical y puede aumentar el riesgo de consumo de drogas. (2020, 16 septiembre). National Institute on Drug Abuse. https://nida.nih.gov/es/news-events/nida-notes/2019/02/el-maltrato-infantil-modifica-la-arquitectura-de-la-red-cortical-y-puede-aumentar-el-riesgo-de-consumo-de-drogas-

Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.