O transtorno de conversão e a "belle indifference"

O transtorno de conversão nos mostra a conexão entre mente e corpo. No entanto, o que mais chama a atenção sobre esse distúrbio é a preocupação escassa do paciente com os sintomas que experimenta.
O transtorno de conversão e a "belle indifference"
Alicia Escaño Hidalgo

Escrito e verificado por a psicóloga Alicia Escaño Hidalgo.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Às vezes, o cérebro pode provocar incríveis reações a nível psicológico, quase saídas de um filme de ficção científica. O transtorno de conversão, ou como foi renomeado no DSM-5, transtorno de sintomas neurológicos funcionais, é um exemplo disso.

O transtorno de conversão é um exemplo perfeito de como corpo e mente estão fortemente conectados. É um distúrbio funcional, mas que se manifesta a nível físico, como se se tratasse de uma doença orgânica, embora não haja nada que a justifique.

Os conhecidos hoje como transtornos por sintomas somáticos provêm de um conjunto de transtornos derivados do conceito de neurose histérica. Foi Briquet, no século XIX, o primeiro a colocar alguma ordem na classificação da histeria, limitando-se a uma classificação empírica dos sintomas.

Atualmente, conhecemos a conversão como uma sintomatologia na qual as funções corporais, seja de maneira completa ou por áreas das mesmas, deixam de funcionar ou são seriamente impedidas. Isso acontece sem a existência de dano somático e não constitui parte de um transtorno fictício.

É importante não confundir os transtornos somatoformes, como a conversão, com as doenças psicossomáticas. Nestas últimas, encontramos uma base ou processo fisiopatológico conhecido, no qual os fatores psicológicos estão relacionados ao início ou ao curso do transtorno.

Charcot descobriu que um grande número de mulheres apresentava uma série de sintomas sem base orgânica demonstrável. Assim, ele atribuiu todos esses sintomas a uma natureza de origem psicológica, chamando-os de conversão histérica.

Características clínicas do transtorno de conversão

Características clínicas do transtorno de conversão

Como já dissemos, o transtorno por conversão é basicamente caracterizado pela perda de alguma função corporal. Nesse sentido, podemos encontrar pacientes que de repente ficam cegos em um olho, afônicos, com paralisia de algum membro ou inclusive com dores de cabeça intensas.

Essas dores passaram a ter o nome de “clavus hystericus”. Após um exame médico, não é possível encontrar absolutamente nada para explicar o quadro. Então, o que está acontecendo?

Assim como acontece com seu companheiro de classificação, o transtorno de somatização, a conversão geralmente ocorre em personalidades histriônicas. Uma personalidade histriônica é aquela com uma acentuada tendência à sugestionabilidade, à superficialidade, à labilidade emocional, à dependência e ao egocentrismo. No entanto, esse tipo de personalidade continua sendo muito mais definido no distúrbio de somatização.

O que é muito característico do transtorno de conversão é a chamada belle indifference. Trata-se da preocupação escassa que o paciente sente em relação aos sintomas que está experimentando.

Imagine que um dia você acorda com um braço paralisado. O mais provável é que você se preocupe muito, examine a si mesmo, visite o médico e fique um pouco preocupado com o que pode estar acontecendo.

Isso é normal. No entanto, isso não ocorre em pacientes com transtorno de conversão, que não se mostram perturbados diante de seu aparente problema. Algo semelhante ao que acontece na síndrome de Anton, em que o paciente fica cego, mas afirma ver perfeitamente. Ainda não sabemos ao certo por que ocorre essa belle indifference, mas a verdade é que é bem impressionante. 

Outra característica clara do transtorno de conversão é a relação com fatores psicológicos e, acima de tudo, com o estresse. Existe uma relação temporal clara entre o evento estressante que o paciente enfrentou e o início dos sintomas.

Os sintomas variam significativamente, por isso constituem um quadro bem heterogêneo. Os mais comuns são a cegueira, a surdez, a paralisia, a afonia e a perda de sensibilidade total ou parcial, sem qualquer suporte na evidência médica.

O início do transtorno é comum na adolescência e no início da idade adulta (10 a 35 anos). Também pode ocorrer na fase infantil e, especificamente nas pessoas com menos de 10 anos, os sintomas são limitados a alterações da marcha e convulsões.

É mais frequente no sexo feminino. Pacientes com baixo nível socioeconômico, menor sofisticação psicológica ou menor escolaridade, assim como mulheres com menos de 40 anos que vêm de áreas rurais, apresentam um pior prognóstico. A depressão é um distúrbio que tem uma grande comorbidade, embora geralmente seja mascarada.

A remissão geralmente ocorre de forma espontânea em poucos dias, com ou sem tratamento, embora, evidentemente, o tratamento acelere o processo. Se a pessoa voltar a enfrentar um estressor, o mais normal é que a sintomatologia reapareça. Por isso, pode-se tratar de um distúrbio crônico.

Mulher com dor de cabeça

Explicação da conversão e tratamento

O DSM explica o que o sintoma próprio do transtorno de conversão gira em torno de dois mecanismos: o ganho primário, isto é, manter um conflito ou uma necessidade interna fora da consciência, e o ganho secundário, evitar uma atividade prejudicial ou obter o apoio que de outra forma não conseguiria.

Em relação ao ganho primário, esse transtorno é frequentemente associado a experiências traumáticas, estresse excessivo, abusos sexuais e físicos.

Parece que, na maioria dos casos, o estresse excessivo é o gatilho que desencadeia o distúrbio. Às vezes, as doenças estão intimamente relacionadas ao problema a que estiveram expostas. Por exemplo, há pacientes que sentem dor em uma parte do corpo que viram ser machucada em outra pessoa em um acidente.

Em relação ao ganho secundário, pode-se dizer que, como ocorre em muitos outros transtornos, o paciente, embora inconscientemente, pode obter um reforço com seu problema. A atenção, o cuidado ou o abandono de atividades como o trabalho, para algumas pessoas pode ser um ganho que perpetua o problema. Isso acontece porque, em outras circunstâncias, essa atenção não teria sido recebida. Portanto, é apenas mais uma maneira de exigir afeição.

Quanto ao tratamento, embora o problema costume desaparecer espontaneamente, nunca é demais acelerar o processo com a terapia psicológica. Desta maneira, tenta-se resolver a causa estressante que originou a questão.

Os indicadores de bom prognóstico são: fator estressante identificável, bom funcionamento pré-mórbido, início súbito, ausência de outros transtornos mentais ou físicos, ausência de processos legais e curta duração dos sintomas.

Da terapia cognitivo-comportamental, utiliza-se o treinamento para reduzir a ansiedade e lidar com o estresse, auxiliado por técnicas como hipnose ou relaxamento. A terapia psicodinâmica também proporciona melhorias a esse respeito e visa resolver os conflitos intrapsíquicos subjacentes.


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  • Belloch, A., Sandín, B. y Ramos, F (2008). Manual de psicopatología. Volúmenes I y II. McGraw-Hill.Madrid
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