Tratamento psicológico para o autismo

Existem muitos tratamentos para o autismo que não possuem respaldo científico. Neste artigo, explicamos quais são os tratamentos psicológicos mais embasados e as suas principais características.
Tratamento psicológico para o autismo
Cristina Roda Rivera

Escrito e verificado por a psicóloga Cristina Roda Rivera.

Última atualização: 05 janeiro, 2023

Atualmente, existem vários tratamentos direcionados tanto para crianças quanto para adultos diagnosticados com um transtorno do espectro autista. Alguns deles contam com uma base científica sólida e oferecem resultados; outros, nem tanto, ou funcionam apenas com pessoas que se encaixam em um perfil muito específico. Por outro lado, o que sabemos é que o tratamento psicológico eficaz para o autismo é baseado em evidências, além de ser integrativo e holístico.

O autismo foi formalmente reconhecido no início dos anos 40 pelo psiquiatra austríaco Leo Kanner. Kanner já estudava características que costumam ocorrer no autismo, como isolamento, problemas de linguagem, comunicação limitada ou obsessão pela invariância do ambiente.

A exata definição do autismo ainda é controversa. Há alguns anos, o termo “Transtornos do Espectro do Autismo (TEA)” foi incorporado para classificar um grupo mais amplo de transtornos que compartilham características clínicas que definem o autismo “clássico”.

O autismo afeta de 10 a 15 pessoas em cada 10.000. Quando você inclui nessa estatística os subtipos mais leves e a síndrome de Asperger, a prevalência aumenta para 57 em cada 10.000 pessoas.

Quanto ao sexo, 4 em cada 5 pessoas afetadas são do sexo masculino, embora as mulheres tendam a apresentar uma maior deficiência intelectual. Esta última afeta 75% das pessoas diagnosticadas com autismo; além disso, 50% são mudos ou têm uma deficiência na linguagem.

Tratamentos psicológicos para o autismo

Tratamentos psicológicos para o autismo

Da pluralidade de opções terapêuticas, extrai-se um fato cada vez mais consensual: não existe um único programa de intervenção válido  para todas as pessoas com autismo, assim como não existe uma única abordagem terapêutica válida para o mesmo indivíduo em diferentes momentos de seu desenvolvimento.

O que fica claro é que as intervenções comportamentais são o tratamento psicológico de preferência para o autismo. Todas elas são baseadas na análise aplicada do comportamento para especificar as necessidades dessa pessoa e, então, modificar os comportamentos pertinentes.

As premissas teóricas do tratamento comportamental para o autismo

  • Os princípios da aprendizagem são universais e se aplicam a pessoas com e sem autismo igualmente.
  • Não é necessário conhecer a etiologia do autismo para aplicar técnicas comportamentais (Lovaas, 1993). Esse fato contrasta com as teorias baseadas em supostos mecanismos explicativos do autismo.
  • O autismo é concebido como uma síndrome com carências e excessos de determinados comportamentos. Embora exista uma base neurológica, os comportamentos são suscetíveis a alterações graças à interação com um ambiente programado.

Os objetivos gerais da intervenção são:

  • Desenvolver habilidades comunicativas que lhes permitam entender melhor as outras pessoas, seus relacionamentos e suas ações.
  • Diminuir comportamentos que interfiram ou dificultem a estabilidade emocional e a independência.

Nos últimos anos, surgiram diferentes programas com mais evidências empíricas. Alguns deles são: Análise Comportamental Aplicada (Loovas, 1987; Simth et al., 2000),  Intervenção Comportamental Naturalista (Koegel et al., 1998) e o Modelo Evolucionário Pragmático (Prinzant e Wetherby, 1998).

Tratamento psicológico para o autismo: Análise Comportamental Aplicada (Lovaas)

A Análise Comportamental Aplicada (ABA – Applied Behavior Analysis) usa conhecimentos científicos sobre a aprendizagem. Ela o faz para desenvolver procedimentos de ensino para a aquisição de comportamentos relevantes na esfera social.

A maioria das pessoas pensa que as intervenções comportamentais globais tentam instruir o indivíduo por um conjunto de técnicas por um período de tempo. No entanto, o que elas realmente fazem é promover habilidades específicas através de uma ou algumas técnicas diferentes. Ambos os tipos de intervenções são considerados igualmente eficazes.

Os três princípios básicos do modelo de intervenção ABA são:
  • Análise. O progresso é avaliado a partir do início das intervenções registradas e medidas em seu progresso.
  • Comportamento. Baseado em princípios científicos de comportamento.
  • Aplicado. Princípios aplicados nos comportamentos observados.

Por outro lado, os elementos mais comuns nas intervenções globais são:

  • O ambiente de aprendizagem é controlado e estruturado.
  • Tratamento destinado a todos os domínios de habilidades e individualizado de acordo com déficits e excessos.
  • Utiliza procedimentos de análise comportamental aplicada.
  • Um ou mais terapeutas realizam o tratamento.
  • O tratamento dura de 34 a 40 horas por semana.
  • Os terapeutas selecionam objetivos de curto prazo seguindo o desenvolvimento normal.
  • Os terapeutas definem um plano para generalização e manutenção.
  • O paciente precisa aprender algumas habilidades primeiro para aprender outras depois.
  • Aprender a linguagem é o objetivo prioritário.
  • Aprender por tentativa ou erro provoca um aumento do negativismo, das alterações comportamentais e da desmotivação. Portanto, o tratamento utiliza procedimentos de aprendizagem sem erros.

Resultados das intervenções globais

Diferentes estudos concluíram que a Análise Comportamental Aplicada como tratamento para o autismo mostra resultados nas seguintes áreas:

  • Taxa de desenvolvimento acelerada, com um aumento no QI de até 20 pontos. Permite os pacientes a atingirem níveis normais.
  • Melhora o comportamento adaptativo para um nível normal.
  • Pode eliminar traços autistas, como comportamentos autoestimulados e prejudiciais, estereótipos, etc.
  • A aquisição da linguagem é possível para uma grande maioria de crianças, geralmente por volta dos cinco anos de idade.
  • Melhoria no comportamento e nas habilidades sociais.
  • Os alunos podem frequentar escolas normais.
  • Os resultados se mantêm em anos de acompanhamento.

Variáveis ​​das intervenções globais que afetam sua eficácia

Estudos sobre tratamentos comportamentais mostram que determinadas variáveis ​​podem influenciar a eficácia do tratamento:

  • Quanto mais cedo a intervenção começa (preferencialmente antes dos quatro anos de idade), maiores são as chances de integração em uma escola comum.
  • Quanto mais intenso, mais eficaz. Embora possa haver necessidades diferentes, dependendo da criança.
  • Se houver uma melhora no primeiro ano, também haverá no segundo. Os avanços podem continuar no mesmo ritmo até dois anos depois.
  • A terapia comportamental mostra-se superior a todos os outros tratamentos.
  • A qualidade do treinamento de instrutores, supervisores de professores e pais não parece interferir nos resultados. Em alguns estudos, participaram profissionais que não eram necessariamente especialistas em autismo.
  • A colaboração dos pais favorece uma melhor manutenção e generalização dos resultados.
  • Fundamentar o tratamento no conhecimento das características psicológicas de pessoas com transtorno autista.

Tratamento psicológico para o autismo: intervenções específicas

Muitos estudos utilizaram intervenções comportamentais para alcançar o sucesso desde as condições mais elementares da aprendizagem até comportamentos mais complexos, como a linguagem.

Por outro lado, uma das descobertas mais importantes no contexto da intervenção comportamental no autismo é: quanto menos  comportamentos disruptivos (como autoestimulação), maior a possibilidade de aprendizagem.

Nesse sentido, os pesquisadores chegaram a duas conclusões:

  • Quando uma criança com autismo é proibida de responder um item, suas respostas são distribuídas entre os demais.
  • À medida que os comportamentos disruptivos diminuem, a probabilidade de ocorrer uma aprendizagem discriminativa aumenta.

Pesquisas procuram esclarecer como os comportamentos disruptivos são mantidos: por reforço positivo, reforço negativo ou pela ausência de outro estímulo.

A principal conclusão alcançada pelos estudos é de que, para reduzir comportamentos disruptivos, não é eficiente focar diretamente em cessá-los ou reduzi-los. Uma das estratégias mais efetivas para eliminar esses comportamentos é o reforço diferencial de outros comportamentos.

As intervenções específicas se baseiam em técnicas concretas e focam o ensino de habilidades sociais, linguagem, leitura, habilidades acadêmicas, etc.

Tratamento psicológico para o autismo: Intervenção Comportamental Naturalista (Koegel et al., 1998)

Vários estudos atuais baseados em intervenções comportamentais utilizam uma abordagem mais “naturalista” do desenvolvimento. Isso marca uma grande diferença entre as intervenções mais tradicionais baseadas em ABA (Applied Behavior Analysis).

Por exemplo, as intervenções desenvolvidas mais recentemente para alunos pré-escolares consistem em colocá-los em ambientes naturais e socialmente interativos.

Durante as atividades lúdicas diárias, e desde o início da intervenção, já estão incluídas estratégias nas quais a criança dirige a situação de ensino.

Essas intervenções, baseadas em métodos empiricamente comprovados, derivam dos princípios da aprendizagem comportamental e das ciências do desenvolvimento.

O ensino naturalista surgiu em resposta às dificuldades dos métodos mais tradicionais de intervenção baseados em tentativas discretas para a generalização da aprendizagem.

Todas as abordagens (Incidental Teaching; Pivotal Response Training; Milieu Teaching; Natural Language Teaching, etc.) foram desenvolvidas com a intenção de alcançar um método mais naturalista. Dessa forma, buscam melhorar o desenvolvimento da linguagem e comunicação das crianças autistas.

Essas intervenções são baseadas, em parte, nos princípios e processos interativos que emergem dos modelos de desenvolvimento, do ABA e da importância da interação pai-filho.

Terapeuta e menina com autismo

Tratamento psicológico para o autismo: o Modelo Evolutivo Pragmático (Prinzant e Wetherby, 1998)

Esse modelo se caracteriza por uma abordagem eminentemente pragmática e social de desenvolvimento. Enfatiza a necessidade de focar a linguagem pré-verbal e verbal, assim como as habilidades de comunicação funcional.

Além disso, trabalha para reduzir as dificuldades associadas à imitação, além das peculiaridades do processamento sensorial.

Da mesma forma, evidencia o contexto natural sócio-pragmático, reitera a participação da família e recomenda a inclusão de trabalho em pares.

A construção da intencionalidade, o revezamento, a atenção compartilhada e as habilidades de iniciação comunicativa são os responsáveis por tudo isso. As crianças podem expandir seu repertório de funções com diferentes instrumentos em um contexto natural.


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