Viver para os outros sem deixar de pensar em si mesmo

Viver para os outros sem deixar de pensar em si mesmo
Álvaro Cabezuelo

Escrito e verificado por o psicólogo Álvaro Cabezuelo.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Se quiséssemos contar os pensamentos que passam pela nossa cabeça ao longo de um dia, seria complicado. Porém, é algo lógico pensar que, entre 70.000 pensamentos diários, a maior proporção, a parte vencedora, será tomada por nossas necessidades.

Nossas próprias alegrias, nossos próprios gostos, nossos próprios problemas (não vamos esquecê-los). Enfim, pensaremos mais em nós mesmos do que em qualquer outra coisa. Faz sentido pensar assim, pelo menos.

Em segundo lugar, possivelmente, uma parcela importante de pensamentos se volta para nossos entes queridos. Parceiro, família, filhos, amigos. Tarefas pendentes para eles, conflitos e ruminações exclusivas para cada pessoa.

E, sem dúvida, ainda sobra “uma pequena parte” para pensar em assuntos inúteis, mundanos e cotidianos, tais como: “esse cabelo ficou horrível nela” ou “esse maldito programa de televisão está me deixando nervoso, vou trocar de canal de uma vez”. Coisas cotidianas…

Menina preocupada pensando na cidade

Quando dedicamos mais tempo aos outros do que a nós mesmos

Está provado que o tempo que nossa mente dedica ao resto do mundo, às vezes acaba sendo excessivo em relação ao tempo que poderíamos precisar.

Digamos que, às vezes, nosso cérebro, nossa mente ou nossa própria vontade são surpreendidos por não ter espaço, sendo este ocupado por coisas que nos são alheias e que podem até mesmo escapar do nosso controle.

“Será que o que eu disse fez ele se sentir mal?”, “A culpa é minha, eu deveria ter agido diferente”, ou a melhor: “Sou egoísta, foi só essa vez que me pediu ajuda…”.

Frases totalmente negativas que nos fazem sentir mal, pois nos fazem “ver” que fomos ruins, ou pelo menos não bons o suficiente para outra pessoa. Pensamentos não dedicados a nós mesmos, em nossa defesa, mas sim aos outros.

É incrível a capacidade que nós, seres humanos, temos para enunciar frases como essas citadas dentro das nossas mentes, as quais repercutem em nível emocional.

Pensar demais nos outros tem repercussões emocionais

Pode-se pensar que, da mesma forma, elas são completamente inevitáveis. Existem milhões de argumentos que validam nos sentirmos assim. Mas quantos existem para nos defender?

As mensagens educativas da nossa infância

A realidade é que, ao longo da vida, somos continuamente expostos a mensagens educativas do tipo: “você deve compartilhar” ou “faça o bem aos outros” ou “faça tudo o que puder para fazer os outros felizes”…

Estas são mensagens educativas porque recebemos essas mensagens durante a infância. Parece que, quando somos crianças, precisamos desses tipos de mensagens para criar os nossos próprios valores mais adiante. Porém, na verdade, elas trazem várias limitações para a pessoa adulta:

-Em primeiro lugar, trata-se de ordens. Não são simples frases:  Eu sei, é preciso… Não são sugestões. Portanto, é como se fôssemos forçados a ser de uma determinada maneira.

Eduque seu filho com sugestões”, alguns podem pensar. Não somos mais crianças. Podemos modificar, refletir sobre essas ordens. Discuti-las.

Quem deve decidir fazer o “bem” ou não, senão nós mesmos? Quem decide se deve ou não compartilhar nossos recursos, senão nós mesmos?

-Em segundo lugar, são ordens dicotômicas. Ou seja, “você tem que compartilhar ” (pois, caso contrário, você não será uma pessoa boa). “Faça o bem aos outros” (ou você também não será uma pessoa boa, será alguém malvado) e “faça tudo o que puder para fazer os outros felizes” (senão você será egoísta).

Elas não dão espaço para sermos “um pouco egoístas”. Tudo ou nada. Bom ou ruim. Talvez a questão seja: não há áreas cinzentas?

-E, por fim, a subjetividade. Ninguém jamais escreveu o que exatamente significa ser “bom”, “egoísta” ou “altruísta”.

https://lamenteesmaravillosa.com/building-our-identity/

Onde está escrita a regra para que possamos nos considerar egoístas? Quantas vezes temos que cuidar de nós mesmos e não dos outros? É ruim ser egoísta?

Os romanos usavam a palavra egoísmo para expressar a “prática do eu”.

Pense em você, seja a sua prioridade

No fim das contas, cada um tem a sua própria versão dos termos, e todos tentamos nos ver de tal forma que sejamos pessoas boas.

Racionalizamos, argumentamos, ou então assumimos o papel de malvados e nos punimos, esperando fazer penitência por esse enorme mal que cometemos. E isso é lógico. Afinal, somos os protagonistas de nossas histórias.

De vez em quando, involuntariamente, ficamos presos em uma lógica que não faz nada além de nos prejudicar. E nos vemos dando tempo, recursos e força para pessoas que parecem não ter outro propósito na vida a não ser nos esmagar.

E nós não conseguimos parar. Tememos as consequências negativas. Temos pavor de nos afastarmos do suposto caminho que nos foi traçado.

Refletir e racionalizar sobre esses pensamentos e essas mensagens, com calma e tranquilidade, pode ser o exercício pelo qual a nossa condição humana mais agradecerá.

Esse pequeno espaço de tempo no qual, após reflexão, percebemos que “Talvez eu não seja tão ruim. Talvez eu precise de tempo para mim. Talvez eu não queira compartilhar com ninguém agora. Talvez eu deva ser egoísta.”

Talvez ser egoísta seja justificado. Talvez ser egoísta signifique apenas nos amar um pouco.


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