Estou indo por ali. Vou viver, respirar e me sentir viva
“Ah é, então você foi lá e decidiu aquilo que é bom para você, só para você?” Quando eu pensei em abrir a boca e dizer “sim, isso mesmo”, senti a maldita culpa que me acompanha feito uma pessoa de energia ruim buzinando na minha orelha o tempo todo sobre como eu estou errada nas minhas decisões. Mas do outro lado segue comigo também uma amiga que nunca solta a minha mão, não importa o que aconteça. Quando fraquejo ela toma conta do meu corpo e assim, cheia de coragem eu sucintamente soltei: “Sim, isso mesmo”.
Meu coração batia acelerado ouvindo minhas próprias palavras que foram tachadas de egoísmo. Classificada de louca, egoísta, completamente pirada e desalinhada, perdida, precisando de ajuda, de orientação, talvez terapia ou ir para a Igreja, talvez algum medicamento que contenha esse meu comportamento questionável de decidir viver a própria vida, optando por aquilo que é bom para mim, apertei a mão da coragem e fiquei firme ali.
A gente precisa de coragem para viver
E por viver não pense que estou falando de fazer uma tatuagem, viajar para um destino improvável, escolher o curso da faculdade (ou largar), escolher o parceiro (ou o deixar). Viver, diz o dicionário, representa existir, respirar, se sentir vivo.
Repita comigo: existir, respirar, se sentir vivo. Existir, respirar, se sentir vivo. Existir, respirar, se sentir vivo! Isso é que é viver. Simples, mas carregado de uma pesada complexidade que agregamos a esse verbo tão simples.
O que te faz existir, respirar, se sentir vivo? Não importa o que seja, isso é que é viver.
Você pode decidir passar o resto dos seus dias vendendo artesanato na calçada da praça da igreja, pode decidir ser um médico renomado, um cientista mundialmente conhecido, um alguém no meio da multidão. Pode querer ter seis filhos, um só, ou nenhum e sair viajando pelo mundo. Você pode ser o que quiser ser para se sentir vivo, respirar e existir para você mesmo.
“Eu te entendo, mas espera mais um pouquinho”, “sei como é, mas antes faz isso e aquilo”, “você diz isso hoje, mas amanhã vai mudar de ideia”, “pensa nos seus filhos”, “pensa nos seus pais”, “você vai ter coragem?”, “preserva sua imagem”, “as pessoas vão falar”, “isso não tem nada a ver com você”, “estou te falando porque eu te amo”, “isso não tem futuro”.
Poxa… eu poderia fazer uma lista quase infinita do que as pessoas nos dizem para nos ensinar a viver. E são pessoas que nos amam, sabe? A maioria delas. Outras são as que têm inveja ou que vivem mediocremente presas à sua zona de conforto. Mas em geral quem “se intromete” na sua vida já anunciando que não quer se meter, vem cheio de reais boas intenções. Ignora que a “loucura” é subsequente a uma longa espera pela decisão em viver.
Coragem. Se você quer viver, mesmo, vai precisar de coragem. Dioturnamente!
O filho que nunca deu trabalho, que foi um exemplo, estudioso, caseiro, provavelmente foi aquele filho que fez o que os pais esperavam dele. Porque os pais, conscientemente ou não, inculcaram no filho regras de conduta para que ele fosse uma boa pessoa (de acordo com os padrões dos pais, que vieram dos pais dos pais deles). E eu não estou recriminando, de forma nenhuma, só constatando que os filhos que fizeram história (na sua maioria) foram rebeldes. Saíram de casa, revolucionaram a garagem, disseram não, bateram a porta do quarto e tomaram um porre.
Quem vive é louco, revoltado, desajustado. Vive quem ousa viver. A maioria de nós apenas existe, mas a vida em sua plenitude é experimentada por poucos.
Talvez lendo isso nesse momento esteja pensando “não é bem assim”, “e quando você envelhecer” e toda essa coisa que a gente pensa e coloca como desculpa para não viver. Porque temos que pensar nos outros, porque seremos julgados, porque mais tarde vamos nos arrepender, e são tão tantos porquês e ses que vamos simplesmente deixando de viver e apenas existindo, ocupando um lugar no espaço.
Você receia estar em uma religião ou filosofia de vida que te faz bem, desiste de um relacionamento porque a pessoa não está nos padrões do que esperam para você, cursa aquela faculdade que “todo mundo” fala que é a sua cara, não toma atitudes egoístas porque se importa com os demais e… Isso não é um crime. Mas não viver é o quê? Desperdício de oportunidade.
As pessoas opinam sobre a nossa vida e, mais tarde, deixamos de ser um assunto interessante, viramos passado. Nossa vida também terá passado… As pessoas nos julgam e nos condenam, nem sempre porque são más, mas porque nos indicam caminhos que são bons para elas, de acordo com o que fariam na vida delas, com o histórico de vida, bagagem, experiências e educação que elas receberam e que funcionam muito bem para a vida delas. Mas o que é que funciona para a sua vida? O que te faz existir, respirar, se sentir vivo? Não importa o que seja, isso é que é viver.
Não existe uma maneira de estarmos livres de julgamento. Não existe maneira de não decepcionarmos algumas pessoas, ou de agradarmos a todas. Não existe maneira de fazermos todas as pessoas ao nosso redor felizes. Mesmo aquelas pessoas boas e iluminadas, que enchem de luz o caminho por onde passam, são alvos de conversas secretas onde o interlocutor vai dizer como faria isso ou aquilo se fosse ela.
Existir, respirar, se sentir vivo. Por que temos tanta dificuldade em permitir que as pessoas que amamos existam, respirem e se sintam vivas fazendo aquilo que as preencha de fato? No fundo esperamos que as pessoas sejam como é bom para nós. Talvez seja essa a causa dos conflitos nos relacionamentos, em todos os relacionamentos.
Nos magoamos e nos decepcionamos porque não vemos na personalidade, nas características físicas, no caráter e no comportamento da outra pessoa aquilo que PARA NÓS, seria o ideal.
O estilo de roupa, o corte e cor de cabelo, a forma de falar, de andar, de comer… Tudo o que esperamos, cobramos e julgamos nas outras pessoas, diz respeito ao modo como nós encaramos a vida. Criticar o outro é desrespeito com a vida e com o próximo.
Em contrapartida, quem decide viver, a despeito da opinião alheia, precisa, por fim, de coragem. Agarrar a mão dessa senhora ousada (acho até que a coragem é uma velhinha de piercing, tatuagem, cabelo branco e que faz idiotices pela rua, fica de porre, ri alto) e seguir seu caminho. Enfrentar as críticas, julgamentos, erguer a cabeça e dizer “que se dane”, ou se preferir, “foda-se”, e viver. Existir. Respirar. Se sentir vivo.
Dizem que sou arretada, porreta, corajosa, doida, sem juízo, sonhadora, egoísta, enrolada, que não penso, que penso demais, madura, infantil, perdida, sensata, responsável, irresponsável, causo orgulho e decepção, inspiro e provoco asco, sou burra e inteligente. Sou exemplo do que fazer e do que não fazer. E não é que sou mesmo?
Não é que não me importe a opinião alheia, ou de repente causar algum tipo de sentimento ruim em alguém que eu ame. Me importa tanto que estou nessa altura da vida, pela primeira vez, procurando no dicionário a definição de VIVER.
Desconfio que até outro dia eu apenas existi, para viver aquilo que esse ou aquele esperavam de mim. Não quero mais viver em um respirador, conduzida em uma cadeira de rodas pelos caminhos que definirem terem a melhor paisagem para mim. E não quero fazer isso por ninguém. Nem quero ser paisagem.
De tudo o que dizem que sou, e que sou mesmo, porque o que eu sou vai depender da ótica de quem está olhando, eu digo que sou um ser vivo. E vou existir e respirar para me se sentir assim. Sem respirador ou cadeira de rodas.
De tudo o que você espera de mim, espero que sua maior expectativa seja pela minha felicidade. Que você me olhe sem julgamentos e conselhos do que seria bom para a sua vida, sua maneira de enxergar e construir o seu futuro, no qual só você poderá habitar e se pergunte (não a mim) se eu estou feliz. Que seja essa sua única preocupação.
Estou indo por ali. Vou viver, respirar e me sentir viva. Se perguntarem por mim, diga que estou vivendo e deixei de apenas existir. Não sei se volto para o jantar.