A falsidade dos testes "o que você vê primeiro" da internet

Os testes "o que você vê primeiro" não são o que parecem. Muitos prometem revelar aspectos da nossa personalidade de acordo com o que identificarmos, mas qual é a verdade nisso?
A falsidade dos testes "o que você vê primeiro" da internet
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 29 dezembro, 2021

Eles são virais. São uma tática de clickbait na qual muitos de nós já caímos mais de uma vez. Os testes da internet “o que você vê primeiro” nos atraem ao nos convencer de que eles podem revelar traços da nossa personalidade. Ficamos impressionados com aquelas ilusões de ótica que nos desafiam e nos atraem pela singularidade de suas formas sugestivas.

No entanto, o que existe de verdadeiro nesses supostos testes? Eles podem nos explicar – de forma válida e confiável – que tipo de pessoa somos ou que característica nos define com base no que vimos na imagem? Muitos dirão que elas devem ter algo de importante em relação à psicologia – aparentemente – e se valer das técnicas projetivas conhecidas, muito semelhantes a essas criações gráficas tão populares.

É importante nos aprofundarmos um pouco mais neste tópico para esclarecer as ideias e conceitos presentes nele.

Alguns veem nas imagens “o que você vê primeiro” uma semelhança com o teste da mancha de tinta de Rorschach. No entanto essas são abordagens muito diferentes.

Teste "o que você vê primeiro".

Os testes “o que você vê primeiro” da internet não são o que parecem

Os testes “o que você vê primeiro” usam uma estratégia infalível: o ser humano se sente atraído por saber coisas sobre si mesmo. Gostamos que os outros tentem nos dizer como somos ou o que nos define. Isso explica por que vários sites na internet chamam a nossa atenção ao dizer coisas como “o que você identificou primeiro nesta imagem revela aspectos da sua personalidade com 100% de precisão”.

E de fato nós caímos, e clicamos no link. Se torna óbvio, portanto, que existe uma estratégia comercial por trás disso. No entanto, é importante nos aprofundarmos em outra coisa: a confiabilidade desses testes e a compreensão de por que eles são tão populares. A resposta a esta última questão pode estar nos famosos cartões de tinta criados por Hermann Rorschach.

O teste de Rorschach é o teste psicológico mais popular do mundo. Ele inspirou figuras como Andy Warhol e até hoje continua atraindo as pessoas de forma indiscutível. Tanto que elas supõem que essas figuras enigmáticas revelem desde diagnósticos mentais a traços de personalidade ocultos.

Isso é o que é assumido em relação aos testes “o que você vê primeiro”, que eles são uma comparação desse recurso projetado por Rorschach em 1920. No entanto, a realidade é bem diferente.

Os testes de projeção não dizem quem você é

Para começar, o objetivo de Rorschach era conceber um método diagnóstico para a esquizofrenia. Atualmente estudos como os realizados na Universidade de Toledo indicam algo interessante sobre a confiabilidade e validade do mesmo. O teste de Rorschach é confiável para detectar a psicose, mas não pode ser usado para avaliar aspectos emocionais, de personalidade, etc.

Portanto, quem relaciona os testes “o que você vê primeiro” com o teste de Rorschach está errado: eles não têm nada a ver um com o outro. Além disso também não podemos associá-los a testes projetivos clássicos como o teste da árvore ou o da pessoa na chuva.

Estes últimos de fato podem fornecer pistas sobre a personalidade ou emoções de uma pessoa, mas são usados como um conjunto mais amplo de instrumentos para fornecer diagnósticos mais precisos. Além disso, essa avaliação é realizada por profissionais treinados nesses tipos de recursos psicológicos, e quase sempre aplicados na área da psicologia infantil. Um teste de internet nunca pode ser válido, crível ou confiável.

Teste "o que você vê primeiro".

Os testes “o que você vê primeiro” são ilusões de ótica

Em 350 aC Aristóteles percebeu que, ao olhar para uma cachoeira por vários minutos, com o tempo as rochas pareceram se mover. Foi então que ele ressaltou que nós não podemos confiar nos nossos sentidos, porque eles podem nos enganar facilmente. De fato, as ilusões de ótica muitas vezes se tornam virais na internet por desafiar os nossos sentidos e parecer contradizer o nosso cérebro, como descobriu o famoso filósofo de Estagira.

Isso é o que os testes “o que você vê primeiro” fazem. Eles não são testes de personalidade, mas sim ilusões de ótica nas quais o olho não consegue oferecer informações confiáveis ao cérebro, que por sua vez não as interpreta corretamente. Estudos como os realizados na Universidade de Kyushu, indicam que a falha estaria na nossa retina e na incapacidade dela em perceber com precisão o conjunto de formas, cores, etc.

Nesse tipo de imagem várias formas se sobrepõem, colocando o nosso cérebro em conflito. Ele não consegue processá-las corretamente, e é por isso que nossos sentidos (a retina) enviam fragmentos soltos para que ele possa processar e interpretar. Com esses supostos testes de internet o que acontece é que muitas vezes acabamos vendo duas ou três imagens sobrepostas ao mesmo tempo. Até que pouco a pouco, vamos separando cada uma…

Uma tática virtual para capturar cliques

Os testes “o que você vê primeiro” são um jogo, uma tática virtual para capturar cliques e gerar interação na internet. Eles são atraentes, é verdade, e pode até ser divertido tentar definir como somos com base na figura que o nosso cérebro viu primeiro na imagem.

No entanto, esses recursos nunca poderão dizer como é a nossa personalidade. Eles não serão capazes de revelar se somos ousados ou temerosos, bons amigos ou almas livres que sonham em conquistar os próprios sonhos apenas por termos visto um tigre antes de um macaco em uma imagem.

É importante ter isso em mente e nos limitar a apenas curtir o simples desafio visual.


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