A metáfora do ouriço: quando nossos medos se transformam em espinhos

As relações humanas são tão complicadas. Há quem precise de carinho, mas ao mesmo tempo tenha medo de traições e decepções. Por isso, escolhe viver sozinha. São como ouriços com as costas cheias de espinhos, desejam acolhimento, mas afugentam quem pode oferecê-lo.
A metáfora do ouriço: quando nossos medos se transformam em espinhos
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 18 maio, 2023

Amar é maravilhoso, mas para muitos também é uma experiência cheia de medo. Medo do abandono. Medo de traição. Medo de se sentir vulnerável, de se abrir emocionalmente para alguém e depois fracassar. Sabemos que as relações exigem correr riscos, mas a verdade é que há quem veja mais ameaças e territórios minados do que benefícios.

Muitas dessas maneiras de entender relacionamentos ou amizades são orquestradas por uma personalidade ansiosa-evitante. São homens e mulheres que na verdade desejam uma interação social, bem como amar e serem amados. No entanto, eles temem colocar seu bem-estar nas mãos de outros, o que explica por que se refugiam na solidão e preferem ambientes onde tudo esteja sob seu controle.

São seres nos quais parecem crescer espinhos invisíveis em suas costas. Com seu comportamento e atitude, eles afastam qualquer um que deseje se aproximar deles. Machucam com suas reações, muitas vezes soturnas e outras dominadas por uma timidez corrosiva. Podemos pensar que eles são um tanto anti-sociais e que seu comportamento lembra um pouco a síndrome de Hikikomori.

No entanto, há uma imagem que explica muito bem esse perfil de personalidade e é a dos dois ouriços. É uma metáfora que Arthur Schopenhauer enunciou em sua obra Parerga e paralipomena (1851).

A conexão humana é uma necessidade básica no ser humano, mas às vezes nossos medos e ansiedades prejudicam a nós mesmos e aos outros.

homem pensando em metáfora de ouriço
Nossos medos e mecanismos de defesa nos impedem de alcançar relacionamentos íntimos satisfatórios.

Em que consiste a metáfora do ouriço?

A metáfora do ouriço ou o dilema do porco-espinho é uma interessante parábola que nos convida à reflexão. Arthur Schopenhauer a descreveu assim:

“Era um dia frio de inverno quando vários ouriços se amontoaram para evitar que congelassem. Eles queriam manter um ao outro aquecido o suficiente para sobreviver. No entanto, depois de um tempo, eles perceberam que havia um problema: eles estavam se machucando com seus espinhos. Tal era a dor que eles escolheram se distanciar, mas quando o fizeram, o vento do inverno começou a congelar seus pequenos corpos. Ambas as ações foram dolorosas, tanto a aproximidade quanto o afastamento. No final, eles encontraram aquele ponto ideal onde podiam sentir o calor de seus corpos sem a ameaça dos espinhos em sua pele.”

Schopenhauer delineou com esse dilema uma realidade não menos espinhosa. O ser humano precisa de solidão e amor ao mesmo tempo. Quando nos reunimos, surgem as características e dimensões mais desconfortáveis, aquelas que nos impedem, por exemplo, de viver em casal. Então nos distanciamos, e nessa distância mais uma vez aparecem o frio e o abismo do vazio.

Entre a solidão letal e os laços que machucam

Os pequenos porcos-espinhos têm que lidar, por um lado, com os efeitos perigosos do inverno rigoroso e, por outro, com a dor dos espinhos dos outros ao tentar viver perto uns dos outros. As pessoas também são frequentemente confrontadas com a metáfora do ouriço.

A solidão é letal, mas às vezes, vivendo com alguém, também nos machucamos. O que fazer então? Algumas pessoas escolhem a primeira opção. Recordemos os exemplos dados no início. Pessoas com síndrome de Hikikomori demonstram esse fenômeno psicopatológico e sociológico marcante em que se isolam em seus quartos por meses, evitando todas as obrigações sociais.

O transtorno de personalidade esquiva, por exemplo, também mostra, segundo um estudo realizado na Universidade de Newcastle, esse medo de interação social e rejeição. Schopenhauer chega a dizer em certo momento do livro Parerga e paralipomena (1851) que há quem tenha muito calor interno e que, por isso, prefira se afastar da sociedade para evitar dar ou receber desconforto.

Não se engane, porque essa ideia não é verdadeira. O ser humano precisa de intimidade e conexão social para sobreviver, para garantir o bem-estar psicológico adequado. O isolamento nos adoece, a solidão causa mortes prematuras. A chave seria estabelecer uma proximidade ideal.

Diz-se que Sigmund Freud manteve a figura de um porco-espinho em sua mesa por causa de seu fascínio pela parábola de Schopenhauer sobre o dilema dos ouriços.

casal representando a metáfora do ouriço
Somente quando abandonarmos nossos medos seremos capazes de nos amar sem nos machucar ou levantar nossas partes afiadas.

A metáfora do ouriço: criaturas espinhosas conseguem ficar juntinhas

Em nossa tentativa de alcançar uma conexão íntima com alguém, podemos desencadear processos realmente complicados. Às vezes, quanto mais nos aproximamos, mais fazemos o outro fugir. Às vezes, a vulnerabilidade ou o eterno medo de ser ferido também nos fazem afastar quem mais amamos.

Deixemos claro que quanto mais temerosos ficamos, mais paliçadas e autodefesas erguemos. Nossos espinhos saem e acabamos nos machucando mutuamente. Fazemos isso para proteger esse eu aterrorizado que, mesmo temendo a solidão, também não sabe se deixar amar. O que fazer então?

Há algo que devemos saber. A metáfora do ouriço não é inteiramente verdadeira. É muito eficaz como parábola e como exercício de reflexão. Mas, na realidade, os ouriços não espetam a menos que se sintam ameaçados. Seus espinhos são como pêlos grossos que só ficam tensos quando se sentem zangados ou ameaçados.

A chave está na confiança, no estabelecimento de uma distância ideal entre a liberdade pessoal e a intimidade afetiva. Somente quando desligarmos nossos medos e entendermos que amar sem reservas implica confiança, alcançaremos a felicidade. De alguma forma, não nos servirá de nada buscar a proximidade dos outros se não conseguirmos primeiro, como os ouriços, apaziguar nossas partes afiadas.


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  • Schopenhauer, Arthur (1851-01-01), “Parerga and Paralipomena: Short Philosophical Essays, Volume 2″Arthur Schopenhauer: Parerga and Paralipomena: Short Philosophical Essays, Oxford University Press, vol. 2, pp. 651–652

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