Adolescentes com almas feridas e automutilações, por que fazem isso e como podemos ajudar?

Atualmente, vem ocorrendo vários casos de automutilação na população adolescentes. O que há por trás desse aumento? Como intervir para ajudá-los? Durante a leitura, indagaremos isso.
Adolescentes com almas feridas e automutilações, por que fazem isso e como podemos ajudar?
Gorka Jiménez Pajares

Escrito e verificado por o psicólogo Gorka Jiménez Pajares.

Última atualização: 17 abril, 2023

São cada vez mais os adolescentes que, para enfrentar as vicissitudes da vida, recorrem à automutilação. Ao autoinfligir-se danos físicos (por exemplo, através de pequenos cortes), eles conseguem diminuir a dor psicológica que sentem e, consequentemente, a angústia é reduzida. A automutilação pode ser um comportamento que exerce um intenso efeito narcótico nessas pessoas.

Uma automutilação é ‘uma lesão causada voluntariamente pela própria pessoa. É voluntário e o objetivo está longe de ser suicida.’ Essa diferenciação em relação ao comportamento suicida é muito importante, pois o objetivo da autoagressão está longe de ser acabar com a própria vida. Paradoxalmente, o que o adolescente busca ao se automutilar é fazer com que “a vida doa menos”.

“As cicatrizes que você não pode ver são as que mais doem.”

-Michelle Hodkin-

Automutilação: um barco salva-vidas perigoso

Como resultado do número crescente de casos de jovens que relatam comportamentos autolesivos, esse fato é considerado um problema de saúde pública global (Zaragozano, 2017). Entre as automutilações mais comuns encontramos cortes e feridas na pele, infligir queimaduras, arrancar cabelos, arranhar-se ou ingerir substâncias tóxicas.

Às vezes, o comportamento autolesivo gira em torno de entidades clínicas bem definidas, como depressão, anorexia ou transtorno de personalidade limítrofe (TPL). No entanto, em outros casos, comportamentos autolesivos ocorrem sem uma causa clínica aparente. Além disso, à medida que o adolescente envelhece, esses comportamentos parecem aumentar. Eles também são mais comuns entre as mulheres.

“Enquanto os cortes na pele predominam no sexo feminino, as queimaduras autoinfligidas ocorrem no sexo masculino.”

-J. Fleta Zaragozano-

Cortes na pele são lesões autoprovocadas frequentes no sexo feminino
Automutilações frequentes incluem cortes na pele, arranhões e queimaduras.

Quais motivações estão por trás da automutilação?

Como comentamos no início do artigo, o objetivo da automutilação física é de natureza eminentemente psicológica. Ao autoinfligir danos físicos, os adolescentes expressam sua dor psicológica. Nesse sentido, a automutilação poderia ser configurada como uma “forma não verbal de expressão do sofrimento” (Zaragozano, 2017).

Foram encontrados até 6 tipos de motivação que poderiam explicar por que um sujeito se automutila. De forma pedagógica vamos explicá-los com um caso clínico.
  • Para buscar apoio social de familiares ou amigos; em suma, quem é significativo para o adolescente. Por exemplo, Andrea é uma paciente de 21 anos que, ao se automutilar, costuma mencionar que “se você for embora e me deixar, vou me machucar”.
  • Como forma de punição. Andrea verbaliza que “eu me corto porque sou nojenta, sou incapaz de conseguir coisas boas nessa vida, não mereço ter a família que tenho. Eles se comportam tão bem comigo! E veja como eu os retribuo por seu apoio. Eu me cortei porque sou uma filha má. Como podemos ver, os pensamentos de Andrea são extraordinariamente disfuncionais e causam desconforto.
  • Com o objetivo de diminuir a dor psicológica. O paciente também menciona com frequência que “às vezes a única maneira de ‘parar de sentir’ tanta angústia é mutilando-me. Dessa forma, posso me concentrar na dor do corte em vez da angústia. É uma dor mais tangível e real.
  • Como comportamento parassuicida. Vale ressaltar que esse comportamento está longe de perseguir o objetivo do suicídio. Pode ser descrito como ‘um flerte com um verdadeiro comportamento suicida’. Andrea verbaliza que «me cortei muito perto da última cicatriz. Toda vez eu tento ir fundo, mas não ouso! Eu sou incapaz de acabar com a minha vida.” Ou seja, a pessoa tem motivos para continuar vivendo, apesar da dor.
  • Porque eles se sentem extremamente “vazios”. Essa emoção foi extensivamente descrita no contexto do TPB. A automutilação seria uma forma de “preencher o vazio” com algo, mesmo que esse algo seja doloroso. Andrea menciona em alguma ocasião que “às vezes me sinto tão sozinha e vazia que me automutilo. Isso me faz sentir um pouco mais viva. Isso me faz sentir algo diferente do vazio.”

Importância de uma avaliação rigorosa contra automutilações

Toda automutilação é significativa do ponto de vista clínico. Nesse sentido, os comportamentos autolesivos devem receber uma atenção muito calma e reflexiva, independentemente da motivação por trás deles.

A linha entre o comportamento parassuicida e o suicídio consumado é tênue e, como consequência, pode terminar em tragédia. Por isso, deve-se fazer uma avaliação rigorosa do paciente e encontrar a intervenção que melhor se adapte às suas características.

“Parece que não estou no controle de nada, mas estou no controle do meu corpo.”

-Karen Carpenter-

A terapia familiar representa uma intervenção eficaz contra comportamentos autolesivos
O apoio familiar é essencial para resolver conflitos e tratar comportamentos autolesivos.

Intervenções eficazes

Existem até cinco tipos de intervenção que se mostraram eficazes no tratamento da automutilação (e entidades clínicas acompanhantes, se houver). Nesse sentido, propõe-se o seguinte (Zaragozano, 2017):

  • As intervenções baseadas na resolução de problemas procuram resolver um déficit que muitas vezes os adolescentes apresentam: a resolução eficaz de conflitos. Para isso, o adolescente é treinado para identificar e caracterizar os problemas, gerar soluções para eles, implementá-las e avaliar seu impacto.
  • A terapia cognitivo-comportamental (TCC) é uma intervenção altamente eficaz nesse cenário. Seu objetivo é modificar a maneira como os adolescentes percebem os eventos vitais, para que as interpretações que eles fazem sejam mais saudáveis e se tornem motores de bem-estar.
  • O treinamento de habilidades sociais busca mudar a forma como o adolescente se relaciona com o meio. O objetivo é se comunicar de forma eficaz e assertiva e não através da automutilação.
  • A terapia familiar pode potencialmente ser uma intervenção com benefícios extraordinários. O objetivo que persegue é facilitar a resolução dos conflitos que surgem e têm impacto nas interações familiares, através da melhoria da comunicação.

Em casos de automutilação no entorno, é hora de ajudar sem ser excessivamente intrusivo

Gostaríamos de enfatizar que, caso o leitor tenha observado automutilações em um familiar ou amigo, tenha tato ao se comunicar com a pessoa. É importante fazer com que ela veja que “você está disponível” caso ela precise. Sem ser excessivamente intrusivo, pois poderia aumentar o nível de angústia.

Nesse sentido, uma boa recomendação seria que a pessoa que se automutila contate seu profissional de confiança, pois ele poderia auxiliá-la.

“Socorro, fiz de novo. Eu estive aqui muitas vezes antes. Hoje eu me machuquei de novo. E o pior é que não há mais ninguém para culpar.

-Sía Furler-


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