Amor no piloto automático

Apaixonar-se é fácil, cuidar do amor todos os dias, não tanto. Porque há quem dê como certo o afeto, o cuidado como desnecessário e o diálogo constante como algo excessivamente cansativo. Os relacionamentos no piloto automático chegaram a um beco sem saída.
Amor no piloto automático
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 19 novembro, 2022

Você usa o carro para ir trabalhar? Se sim, tente responder a seguinte pergunta… Como foi o seu trajeto para casa ontem? Muito provavelmente você não se lembra. Você não poderia dizer exatamente quantas vezes você mudou de faixa ou quantos semáforos viu. Você não se lembra porque dirigir, como muitas outras atividades, é feito no “piloto automático mental”.

Nosso cérebro, por assim dizer, facilita nossas vidas, e o faz automatizando comportamentos rotineiros. Dessa forma poupamos energia, tanto física como mental. Afinal, o mais importante para esse órgão sofisticado, mas ao mesmo tempo elementar, é que sobrevivamos, não que estejamos à espera de tomar decisões e raciocinar a cada segundo.

Portanto, quem assume o controle por muitas horas de nossas vidas é o inconsciente. Levantar, tomar banho, vestir-se, tomar café da manhã, ir trabalhar, completar certas tarefas, voltar para casa… Nossas vidas são muitas vezes tão rotineiras que nosso piloto automático psicológico está no controle de nossas vidas diárias.

Passamos boa parte do nosso tempo desconectados da realidade imediata, deixando-nos levar por meros automatismos. Agora… O que acontece no campo emocional? O amor também pode cair no domínio do inconsciente?

A resposta é sim. Vamos nos aprofundar nesse tópico.

Os relacionamentos entram no piloto automático quando não prestamos mais atenção um no outro.

Cérebro com lâmpada para representar o amor no piloto automático
Nossa mente inconsciente age como um piloto automático, responsabilizando-se das tarefas rotineiras.

O amor no piloto automático e por que muitos relacionamentos “se acidentam”

Vamos admitir, nada nos custa menos do que se apaixonar por uma pessoa. Há momentos em que certas presenças entram em nossa vida, virando-a de cabeça para baixo e enchendo-a de uma ilusão inesperada e de uma paixão quase irracional. E nos deixamos ir, porque o afeto é assim. Efervescente, intenso como o nome jpa o diz, mágico e claro, maravilhoso.

Agora, o que acontece quando passamos da fase da paixão para o relacionamento formal e diário? O que acontece com o casal que está em um relacionamento há 3, 4 ou 9 anos? Corre-se o risco de entrar na fase dos automatismos. O amor no piloto automático aparece quando a relação se deixa levar pelo cotidiano, deixando tudo acontecer por conta própria, sem dedicação mútua.

Vejamos algumas características que compõem esse tipo de situação.

Se um casal toma seu relacionamento como garantido e assume que nada vai mudar, eles podem ser vítimas da monotonia que entorpece a mente e a ilusão. Devemos entender que todos somos pessoas em constante mudança e que o amor pode desaparecer a qualquer momento se não for cuidado.

Conversas desconexas: você ouviu o que eu disse?

As conversas desconectadas do interlocutor são um exemplo claro de amor no piloto automático. Há aqueles que apenas ouvem o parceiro enquanto ele fala, mas sem prestar atenção ou entender a mensagem. Perder o fio da conversa e se desconectar completamente do que a pessoa amada nos diz é algo tão irritante quanto prejudicial.

Deixar a mente vagar por outros temas e pensamentos, negligenciando o momento presente com o parceiro é mais um automatismo relacional. São aquelas situações que terminam com discussões e tensões. O remetente, ou seja, o parceiro que estava falando, pode se irritar ao perceber que a outra pessoa não presta atenção ou não o ouve com interesse.

Também pode ser o caso de você estar comunicando algo importante que a outra parte não presta atenção e que posteriormente causa problemas e mal-entendidos.

Conexão emocional deficiente: você está aqui, mas eu não sinto

Como nos explica um estudo da Universidade de Washington, uma parte considerável do nosso dia a dia envolve a participação em contextos estáveis: trabalho, casa, passeios, compras, etc. Nesses contextos, nosso cérebro aciona esse piloto automático capaz de responder a demandas muito simples, e ao mesmo tempo rotineiras.

A vida a dois pode levar justamente a um contexto marcado por rotinas. Quando isso acontece, e boa parte das ações se tornam repetitivas, o cérebro deixa de responder emocionalmente. Isso faz com que essas duas pessoas sejam como duas pedras frias arrastadas por um rio, deixando a correnteza erodir o afeto, a ilusão e a diversão…

O amor no piloto automático se move por inércia, dando como certo o afeto e até o compromisso mútuo. No entanto, se há algo nesse tipo de relacionamento, é que, em meio a esse movimento artificial, o casal deixa de se conectar emocionalmente um com o outro. Eles podem viver juntos e de repente se sentir como dois estranhos.

O amor automatizado: quando a monotonia sufoca

Muitos casais chegam a um ponto em que assumem erroneamente que alcançar a estabilidade do relacionamento significa não ter que investir mais esforço e energia, que tudo está feito e alcançado. Pensar que um relacionamento estável não exige mais investimentos do que os já realizados, nos faz ficar presos em rituais e rotinas. A comunicação torna-se ritualizada (como foi o dia? Então, você prepara o jantar? Certo), as rotinas tornam-se automatizadas e até o sexo torna-se previsível.

Pouco a pouco, esse afeto fica sujeito a esse piloto automático mental que torna tudo previsível e até monótono. A vida não tem mais novidades no território sentimental e quase sem perceber criamos um apego insano com essa pessoa. Gostamos que ela esteja presente em nossas vidas, queremos ela ao nosso lado, mas nossas emoções estão estagnadas. Há algo que falha e nos sufoca ao mesmo tempo.

Jovem casal que superou o amor no piloto automático
Não importa o quão ocupados estejamos: passar tempo com seu parceiro é fundamental para fortalecer o relacionamento.

Como desligar o piloto automático em um relacionamento?

Se você acha que seu relacionamento é dominado pelo afeto no piloto automático, você precisa voltar ao banco do motorista. Você precisa assumir o controle e agir antes que essa relação desmorone e se rompa completamente.

Se o tédio, a rotina e os automatismos os dominarem, vocês terão chegado a um estágio marcado pela decepção e pela falta de intimidade emocional. O que fazer nessas circunstâncias? Estas seriam algumas dicas para pensar.

  • Não importa o quão ocupado você esteja, encontre tempo para estar juntos. Dedicar tempo é dar presença ao outro, fazendo-o ver que é valioso para nós.
  • Fale sobre seus sonhos e objetivos a curto e longo prazo. O que vocês querem como pessoas, o que vocês querem como casal para o futuro? Desperte sua ilusão como casal ao fazer planos.
  • Quebre a rotina dando surpresas um ao outro, agende compromissos, escapadinhas para cada semana, experimente novas experiências juntos.
  • Reformule a ideia do que é o amor. O carinho não pode ser dado como certo, as pessoas estão em constante crescimento, nossas necessidades mudam e devemos contribuir um com o outro, não só segurança, mas também carinho, atenção, desafios, novos conhecimentos, experiências, etc.

Ser um casal é continuar a crescer juntos sem estagnar, sem dar como certo um relacionamento só porque nos amamos. Amor não é tudo, dedicação constante, sim. Vamos pensar sobre isso.


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