Autotranscendência: o valor de ir além de si mesmo
A autotranscendência é um conceito que está intimamente ligado à espiritualidade e ganhou popularidade nas últimas décadas. Embora seja considerada uma característica complexa da nossa personalidade e cada um de nós possa ter uma concepção diferente de acordo com os seus valores, é verdade que uma ideia geral sobre esse termo está subjacente.
Em essência, a autotranscendência significa transcender o eu (elevar-se acima do eu). Isto é, ir além da própria identidade e compreender que somos uma pequena parte de um todo maior e agir de acordo com isso. Um fenômeno complexo que está em sintonia com a visão de si mesmo como parte integrante do universo.
“É essa liberdade espiritual que não pode ser tirada de nós, o que faz com que a vida tenha um significado e um propósito”.
– Viktor Frankl –
Autotranscendência e espiritualidade
A autotranscendência e a espiritualidade estão intimamente ligadas. De fato, uma das qualidades inerentes da autotranscendência é a expansão da consciência para além do eu, isto é, para algo mais elevado, mais complexo e infinito que geralmente é de natureza divina ou espiritual.
Algumas pessoas alcançam a autotranscendência através de sua fé em Deus, enquanto outras podem alcançá-la através do reconhecimento de algum tipo de espiritualidade ou ideia sobre a alma. De um modo ou de outro, esses tipos de crenças e concepções ajudam as pessoas a encontrar o significado que as levará a transcender.
Segundo o psiquiatra austríaco Viktor Frankl, a transcendência está enraizada em nossa espiritualidade. Por sua vez, a espiritualidade é a parte da humanidade que nos separa de todas as outras espécies. Não se pode tornar uma pessoa plenamente realizada e “completa” até que ela seja capaz de se autopromover, de compreender o seu lugar na ordem superior das coisas.
Assim, vale ressaltar que, embora os pesquisadores de hoje, em geral, não concordem com a ideia de que a espiritualidade é uma necessidade para alcançar a autotranscendência, para muitos ela é um dos seus aspectos mais significativos.
Abraham Maslow
Durante muitos anos, a autorrealização dominou a famosa hierarquia de necessidades de Maslow. De fato, em seus primeiros trabalhos, Maslow considerou que a autorrealização era o ápice do desenvolvimento humano, sendo a sua maior necessidade.
De fato, a autorrealização é uma meta elevada, digna do desenvolvimento, e não deve ser deixada de lado. No entanto, o objetivo real, o “próximo nível” de desenvolvimento, deve ser a autotranscendência: um objetivo que se concentra nos outros, em vez de se concentrar em si mesmo. Dessa forma, se refere a objetivos mais elevados do que aqueles que se concentram no interesse próprio.
Segundo o psicólogo Abraham Maslow, “transcendência se refere aos níveis mais altos e mais inclusivos ou holísticos da consciência humana; comportando-se e relacionando-se, como fins e não como meios, para si mesmo, para os outros, para os seres humanos em geral, para outras espécies, a natureza e o cosmos”.
Nesse sentido, a autotranscendência fornece ao indivíduo o que Maslow chamou de experiências de pico. Normalmente, são aquelas em que as preocupações pessoais são transcendidas para observar o que acontece de uma perspectiva mais ampla e mais elevada. São experiências que muitas vezes geram fortes emoções positivas, como alegria ou paz, e um senso de consciência bem desenvolvido.
É importante mencionar que a incorporação do conceito de autotranscendência por Maslow à pirâmide nem sempre é denominada quando a sua teoria é citada. No entanto, pouco a pouco, começa a ser considerada pela comunidade de pesquisadores.
A teoria de autotranscendência de Reed
Pamela Reed define a autotranscendência como a expansão dos limites autoconceituais de forma multidimensional. Segundo essa teoria, as pessoas podem ser consideradas sistemas abertos cujo único obstáculo entre eles e a autotranscendência é o limite que impõem a si mesmos.
É claro que os seres humanos precisam de alguns limites conceituais, mas a expansão desses limites para o exterior provoca um estado de maior conexão com o meio ambiente. Além disso, promovem um senso de totalidade, que de outra forma não poderia ser obtido.
A teoria de Reed postula que a autotranscendência é um estágio natural e desejado do desenvolvimento humano. É um estágio que as pessoas devem alcançar para se sentirem satisfeitas e terem um senso de propósito. Assim, uma das principais maneiras pelas quais a autotranscendência pode afetar a experiência do fim da vida é através da espiritualidade.
Autotranscendência e personalidade: Cloninger
Como vimos, a autotranscendência é um traço de personalidade associado à experiência de ideias espirituais. Como tal, a autotranscendência é uma das dimensões da personalidade avaliadas no inventário de personagens de Cloninger.
No modelo de personalidade de 7 dimensões de Cloninger, existem quatro dimensões de temperamento que têm uma base biológica forte e três dimensões de caráter aprendido que se acredita que estão baseadas em conceitos. A autotranscendência é um traço de personalidade relacionado à experiência dos aspectos espirituais do eu. Segundo Cloninger, pode ser descrito como aceitação, identificação ou união espiritual com a natureza e sua origem.
Como alcançar a autotranscendência
Alcançar a autotranscendência não é um caminho fácil, pois representa o estado mais elevado do desenvolvimento humano, que vai além da autorrealizaçãde que Maslow aborda. No entanto, existem algumas coisas que podemos fazer para impulsionar o seu desenvolvimento. Nesse sentido, Stephanie Flood propõe cinco maneiras criativas de alcançar a autotranscendência inspirada pelo budismo:
- Explore técnicas básicas de meditação (mesmo se você for um meditador experiente).
- Capacite-se com conhecimento e sabedoria para criar consciência.
- Não tenha medo da viagem, espiritualmente ou fisicamente, para encontrar uma ideia.
- Encontre as suas próprias técnicas espirituais que abordem o propósito mais elevado e o ‘eu’ ideal.
- Aumente as vibrações, vivendo em um ambiente positivo e propício à transcendência.
Por outro lado, não podemos ignorar os valores que Viktor Frankl apontou para experimentar a autotranscendência na vida cotidiana. Esses valores, que podem ser implementados por pessoas de diferentes culturas, são os seguintes:
- Valor criativo: devolver algo ao mundo. Esse valor implica envolver-se deliberadamente no trabalho produtivo de maneira criativa. Significa trazer talentos únicos e ideias criativas para qualquer trabalho que façamos para produzir algum valor ou bem para a sociedade e fazer a diferença no mundo.
- Valor experiencial: receber algo do mundo com gratidão. O valor experiencial envolve a apreciação dos relacionamentos amorosos e da beleza ao nosso redor.
- Valor da atitude: tome uma posição diante do destino. O valor da atitude implica o poder desafiador do espírito humano em enfrentar a adversidade com coragem ou força moral. A atitude estoica de manter a dignidade e a integridade contra o perigo e as dificuldades é a última linha de defesa a extrair uma sensação de liberdade e significado.
Conclusão
O psicólogo chinês Paul Wong explica que quando saímos do nosso próprio interesse para servir a algo maior que nós mesmos, estamos praticando a autotranscendência. Nós nos tornamos o nosso melhor eu apenas quando nos tornamos desinteressados e orientados a cuidar dos outros.
Assim, independentemente de nossas crenças religiosas, a autotranscendência representa um modo de vida espiritual. Isso satisfaz as nossas necessidades espirituais mais profundas de conectividade e transcendência.