Donald Ewen Cameron e a psiquiatria como manipulação

Donald Ewen Cameron é conhecido em alguns setores como "o pai da tortura". Os seus estudos e conclusões serviram às mais ferozes ditaduras do mundo para infligir sofrimento aos seus oponentes. Os seus métodos são assustadores, mas Cameron parece ter saído impune. Em que consistiam as atrocidades de Cameron? O que aconteceu com as suas vítimas?
Donald Ewen Cameron e a psiquiatria como manipulação
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 06 julho, 2021

Há uma grande contradição em torno do nome e da biografia de Donald Ewen Cameron. Por um lado, ele é lembrado como um dos psiquiatras mais importantes da história. Ele foi nada mais nada menos que o primeiro presidente da Associação Mundial de Psiquiatria e também da Associação Americana de Psiquiatria e da Associação Canadense de Psiquiatria.

Por outro lado, ele foi o protagonista de um dos episódios mais sombrios da psiquiatria. Em muitos círculos, ele é lembrado como “o pai da tortura”. Esse apelido lhe foi dado por ter estado por trás de alguns dos experimentos mentais mais bárbaros de que há notícia.

“As atrocidades não são menos graves porque ocorrem em laboratórios e são chamadas de pesquisas biomédicas”.
– George Bernard Shaw –

Na verdade, um grupo de pessoas no Canadá está atualmente promovendo uma revisão dos eventos nos quais Donald Ewen Cameron esteve envolvido. A maioria deles são familiares das vítimas deste psiquiatra e o que desejam é que o que aconteceu se torne público e, por fim, que seja sancionado histórica e moralmente.

Neste artigo, propomos uma breve revisão de sua vida e dessas ações que foram (e continuam a ser) fortemente censuradas.

Lavagem cerebral

A biografia de Donald Ewen Cameron

A biografia de Donald Ewen Cameron tem início com o seu nascimento em Bridge of Allen, uma pequena cidade da Escócia, em 24 de dezembro de 1901. Estudou Medicina na Universidade de Glasgow, obteve o seu diploma em 1924 e, posteriormente, se especializou em Psicologia.

Em 1926 ele emigrou para os Estados Unidos graças a uma bolsa de pesquisa em psiquiatria oferecida pela Phillips Clinic, com sede em Baltimore. Posteriormente, atuou em diversas instituições nos Estados Unidos, Canadá e Europa, tornando-se uma figura de destaque no campo da psiquiatria.

Donald Ewen Cameron fez várias publicações nesses anos, todas ela de caráter acadêmico e sem grandes inovações. No entanto, em 1937, ele publicou um artigo particularmente impressionante sobre a epilepsia.

Naquela época, os epilépticos eram considerados doentes mentais. Em seu texto, Cameron falava sobre tratamentos que, segundo ele, geravam melhorias. Esses tratamentos incluíam práticas para desidratar completamente os pacientes e infectá-los com malária, além da aplicação indiscriminada de insulina, eletrochoques e lobotomias. Dessa forma, Cameron deixou de lado os seus textos puramente acadêmicos para entrar em um caminho repleto de polêmicas.

Um homem da CIA

Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, o OSS (Office of Strategic Services) dos EUA recrutou Donald Ewen Cameron; a organização foi a precursora da CIA. Em 1943 Cameron se estabeleceu no Canadá para criar o departamento de psiquiatria da Universidade McGill em Montreal; ele também se tornou o diretor do Allan Memorial Institute.

Nesta última instituição, foram realizados vários experimentos mentais macabros entre 1950 e 1965. Eles foram dirigidos por Donald Ewen Cameron e a maioria dessas investigações foram realizadas clandestinamente e financiadas pela CIA e pelo governo canadense.

Cameron implementou um tratamento de ‘desprogramação’ do cérebro. Para o seu desenvolvimento, contou com diversos pacientes de saúde mental que incluíam crianças, mulheres com depressão pós-parto e esquizofrênicos, entre outros.

O tratamento incluía três fases: na primeira, o coma era induzido por um período de até três meses ou mais; a segunda fase consistia na aplicação de eletrochoques que causavam uma amnésia severa; finalmente, durante a terceira fase, o paciente era isolado em uma cela e lhe administravam altas doses de LSD.

Nesse ponto, o paciente estava pronto para que a sua mente fosse “reprogramada”. Muitos deles se comportavam como bebês, a ponto de chupar o dedo como fazem as crianças. O tratamento deixava os pacientes absolutamente indefesos e incapazes de decidir. Por essas razões, Cameron tem sido visto como “o pai da tortura”, um homem inescrupuloso capaz de levar as suas pesquisas ao limite, deixando de lado toda ética e moral.

Mente fragmentada

Um crime contra a humanidade sem consequências?

Não se sabe quantas pessoas foram desprogramadas no total. No Canadá, as vítimas são contadas em um mínimo de 100, mas o número exato não é conhecido. Muitos dos pacientes submetidos a esses tratamentos morreram ou nunca se recuperaram, ficando totalmente anulados e incapazes.

Sabe-se que o governo norte-americano indenizou nove pacientes com danos permanentes. No Canadá, 77 vítimas receberam compensação financeira pela tortura e pelo menos 12 outros pacientes receberam compensação extrajudicial, mas com cláusulas de sigilo.

A verdade é que em maio de 2018, pela primeira vez, os familiares das vítimas se reuniram. Juntos, eles decidiram entrar com um processo contra o governo canadense. O seu principal objetivo é que o Estado admita publicamente a sua participação nesses eventos, peça desculpas por isso e se comprometa a evitar que algo assim volte a acontecer.

Entretanto, Donald Ewen Cameron morreu em 1967 com o seu prestígio intacto. A sua morte ocorreu enquanto escalava uma montanha. Assim que soube que ele havia morrido, a sua família queimou todos os arquivos que ele mantinha em seu poder.


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  • Pavón-Cuéllar, D. (2017). Psicología y Destrucción del Psiquismo: La Utilización Profesional del Conocimiento Psicológico para la Tortura de Presos Políticos. Psicologia Ciência e Profissão, 37, 11-27.

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