Criação de tigres, o modelo educacional competitivo da China
O pensamento confucionista continua impregnando a cultura oriental. Não importa que seus ensinamentos e legado já tenham mais de dois mil anos. Suas contribuições estão enraizadas na filosofia, cultura e pensamento de seu povo como uma semente difícil de arrancar. Isso pode ter vantagens em múltiplas áreas da vida, mas também alguma limitação que deve ser repensada, meditada ou reformulada.
O conceito de “criação de tigres” ganhou alguma popularidade há alguns anos, graças à publicação de um livro. Amy Chua, professora de direito da Universidade de Yale, é autora do polêmico trabalho Tiger Mother, Lion Children; nas páginas desse interessante ensaio, ela questiona a permissividade e as baixas exigências do modelo educacional ocidental.
Em seu lugar, propõe um modelo que, há anos, faz a China dar ao mundo jovens brilhantes e preparados em diferentes áreas da ciência, do esporte e da arte. Ela mesma educou suas filhas com excelência e disciplina seguindo o método chinês. No entanto, como apontou em uma parte do livro, sua filha de 13 anos se rebelou contra ela em um determinado momento. Algo que a obrigou a refletir sobre sua figura de mãe.
Filosofias educacionais de tamanho único, como aquelas baseadas em técnicas confucionistas, são baseadas na pressão e no autoritarismo. Os pais tornam-se esses instigadores ferozes, buscando moldar seus filhos para sobreviver em um ambiente altamente hostil e competitivo.
Esse é um modelo que pode nos atrair do ponto de vista social, psicológico e antropológico. Mas, como bem podemos imaginar, a marca desse ideal educacional deixa sérias consequências nos jovens estudantes…
A filosofia confucionista vê as crianças como feras que devem ser dominadas e educadas para que sejam leais à família e tragam sucesso ao lar.
Criação de tigres: pais rígidos, filhos infelizes
Todos os anos, o gaokao, o feroz exame de admissão à universidade, é realizado na China. O país está quase paralisado por dois dias porque mais de 10 milhões de jovens arriscam seu destino. Na atmosfera, ansiedade, angústia e nervosismo são quase palpáveis. Esses meninos e meninas aspiram, nada mais e nada menos, do que ascender a uma certa escala social.
O resultado desse teste determinará que aqueles que obtiverem as notas mais altas terão acesso às melhores universidades do país e, posteriormente, uma permissão para morar em uma das cidades mais elitistas da China. Os restantes optarão por um centro de nível inferior e um futuro ligado a qualquer núcleo provincial. Porém, além do sucesso ou fracasso acadêmico, está, sobretudo, honrar ou decepcionar a família.
Muitos dos pais assumem a filosofia de criar tigres desde o nascimento de seus filhos. O objetivo não é outro senão promover o comprometimento da prole no esforço para alcançar realizações acadêmicas. Alcançar o ensino superior de qualidade é um símbolo de status e de meta desejada pelos pais. Falhar com eles é pouco mais do que um ataque moral à unidade familiar.
Em muitos países orientais, como a China, a educação é a porta de entrada para o sucesso para melhorar o status socioeconômico
Filhos que aspiram a ser leões na selva da competitividade
A imagem filosófica da criação de tigres tem sua origem nos textos de Confúcio. O pensador chinês exaltava as estruturas familiares hierárquicas, aquelas em que os pais agiam como tigres que educam/domam seus filhos. Valores como lealdade, devoção à família, esforço no trabalho e honestidade foram os pilares que construíram essa formação.
Hoje, esses princípios foram adaptados à cultura predominante do Leste Asiático, como a China. Os pais aspiram a educar filhos-leão que sejam capazes de atravessar a selva da competitividade. Seu sucesso acadêmico é o único meio de alcançar uma boa posição socioeconômica em uma sociedade de classes.
As estratégias aplicadas pela criação de tigres são baseadas nos seguintes princípios:
- Uma educação rigorosa e severa baseada no sacrifício. As crianças dificilmente aproveitam sua infância e na adolescência sua oportunidade de socializar e se conectar com seus pares é restrita.
- A família coloca obstáculos e restrições para que seus filhos não tenham relacionamentos românticos antes da hora. O objetivo é concentrá-los apenas em seus estudos e em seu acesso a uma universidade de prestígio.
- As expectativas que os pais tigre depositam em seus filhos são inconcebíveis. Um fracasso por parte do jovem significa mergulhar a família na vergonha.
- A criança carece de autonomia e seu desenvolvimento psicossocial carece de habilidades básicas. São crianças educadas sob um modelo de autoritarismo em que as punições são frequentes. O desprezo, a ameaça constante e a falta de apego emocional são substratos frequentes na criação de tigres.
A educação na China é esse elevador social que permitirá aos jovens ter uma vida de maior qualidade e honrar sua família. Essa pressão psicológica é um fator que nem todos podem suportar.
A criação de tigres, uma fonte de depressão e ansiedade
A taxa de suicídio na China é de 10,02 por 100.000 habitantes. Esses dados estão acima da média mundial. É verdade que por trás desses números há uma considerável heterogeneidade oculta. No entanto, não podemos ignorar o fato de que parte das pessoas que optam por tirar a própria vida são jovens.
Estudos como os realizados na Universidade Central do Sul, em Hunan, na China, indicam algo relevante. A depressão entre os estudantes universitários chineses é extremamente alta. O acesso ao ensino superior não garante, longe disso, a satisfação de ter honrado a família e obtido esse objetivo almejado. A pressão contínua; na verdade, nunca acaba.
A criação de tigres que procura transformar descendentes em “leões maravilhosos” nem sempre leva ao sucesso e à satisfação. Estamos diante de meninos e meninas traumatizados, com problemas inerentes de estresse e ansiedade. São jovens alinhados por suas famílias e com poucas habilidades psicossociais. Tudo isso forma uma bomba-relógio para a saúde mental.
Os modelos educacionais rígidos, carregados de ideologia, tiram do indivíduo a liberdade e a oportunidade de se tornar o que se quer e deseja. Seja leão, gazela, golfinho ou águia dourada.
Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.
- Chu, Amy (2011) Madre tigre, hijos leones: Una forma diferente de educar a las fieras de la casa. Roca
- Lei XY, Xiao LM, Liu YN, Li YM. Prevalence of Depression among Chinese University Students: A Meta-Analysis. PLoS One. 2016 Apr 12;11(4):e0153454. doi: 10.1371/journal.pone.0153454. PMID: 27070790; PMCID: PMC4829172.