Delírio de cristal: a crença de ser tão frágil quanto o vidro

Poderia uma pessoa se quebrar em mil pedaços? Quem sofre do delírio de cristal tem medo justamente disso.
Delírio de cristal: a crença de ser tão frágil quanto o vidro
Francisco Pérez

Escrito e verificado por o psicólogo Francisco Pérez.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

Existem pessoas que acreditam que podem se quebrar em mil pedaços se sofrerem algum golpe. Estamos falando do delírio de cristal. As pessoas que sofrem desse delírio acreditam que são tão frágeis quanto o vidro, mas na realidade não são.

O delírio de cristal é uma síndrome psicológica que provoca uma dissociação psicológica entre a imaginação – a crença – e a realidade. Quem sofre dele está convencido de que seu corpo é tão vulnerável quanto o vidro. Nesse sentido, cuidado para não confundir esse transtorno psicológico com a doença dos ossos de vidro ou osteogênese imperfeita.

O que entendemos por delírio?

Durante o século XVII, o conceito de loucura se baseava principalmente nos delírios, de modo que “estar louco” era igual a “ter delírios” e vice-versa. Hoje em dia, se pedíssemos a uma pessoa qualquer que descrevesse sua imagem típica de um “louco“, é muito provável que nos dissessem que é uma pessoa que afirma que os marcianos o perseguem, ou então que acredita que ele próprio é Jesus.

Etimologicamente a palavra delírio deriva do termo latino delirare, que significa sair da linha. Aplicado ao pensamento, seria algo como “pensar saindo da linha da normalidade”. Dito de uma maneira mais simples, delirar significa desvairar, ter a razão perturbada. Na linguagem habitual e no senso comum é praticamente sinônimo de loucura, não ter razão, perda da realidade.

Mulher preocupada

A definição mais conhecida e citada é a que Jaspers oferece em seu livro Psicopatologia Geral (1975). Para ele, os delírios são crenças falsas, que se caracterizam por um sujeito que as mantém com grande convicção, de maneira que não é influenciável nem pela experiência nem por conclusões irrefutáveis. Além disso, o conteúdo geralmente é impossível.

O delírio de cristal como transtorno psicológico da Idade Média

Ao que parece, este transtorno se tornou popular quando Carlos VI passou por essa situação. Ele sofreu desse transtorno durante seu reinado, muitos séculos atrás. Na verdade, Carlos VI passou para a história como um rei que sofria de esquizofrenia, personalidade histriônica e porfiria. Segundo se conta, durante um surto psicótico ele chegou a assassinar um membro de seu séquito.

Carlos VI proibiu que seus súditos o tocassem por medo de se desintegrar como um frágil pedaço de vidro. Para evitar que o que temia acontecesse, ele se mantinha enrolado em cobertores grossos e passava horas trancado em suas dependências. Dessa forma, ele evitava que qualquer pessoa pudesse tocá-lo e quebrá-lo em mil pedaços.

Atualmente, o psiquiatra holandês Andy Lamejin também constatou a existência desse transtorno em um paciente. Parece que não é só uma coisa do passado, não é mesmo? Recentemente, um paciente desse médico se apresentou em uma consulta acometido de sensações similares ao delírio de cristal.

Esse paciente dizia que se sentia como se fosse feito de vidro e fosse transparente, de forma que ninguém podia vê-lo. Segundo comentava esse paciente, ele acreditava que possuía um interruptor em seu cérebro que lhe permitia mudar entre esse estado e um estado normal. Segundo ele, poderia tornar-se invisível ou deixar de ser invisível de maneira voluntária.

Viver obcecado por não quebrar

Segundo fontes documentais, já existiram pacientes que amarravam almofadas nos glúteos para evitar que quebrassem quando tinham que sentar em algum lugar. Também se sabe que outras pessoas faziam suas necessidades de pé para evitar ter que se sentar e assim quebrar os ossos.

Outro delírio parecido é o delírio da garrafa. São pacientes que acreditam viver dentro de uma garrafa de vidro e vivem obcecados em não quebrar a garrafa. Todas suas forças são gastas para não sair dessa suposta garrafa, e assim quebrá-la em mil pedaços de vidro.

Essa doença pode ser transmitida entre pacientes psicóticos mediante o fenômeno da imitação. Os doentes mentais buscavam um motivo para poder justificar sua sensação de fragilidade. Essas historias, que chegavam da casa real francesa, ajudaram a popularizar essa síndrome.

Mulher se olhando em espelho quebrado

Qual é a causa do delírio de cristal?

Uma das causas que é tomada como a principal hipótese é de que o delírio de cristal pode ser causado por um mecanismo de defesa. Esse mecanismo de defesa surgiria em pessoas que estão submetidas a um grande nível de pressão. Além disso, essas pessoas também sentiriam a imperiosa necessidade de mostrar uma imagem social muito determinada. Dessa forma, os sintomas seriam uma resposta ao medo de projetar sua vulnerabilidade.

Outras das hipóteses está associada ao surgimento e evolução do cristal. Não é de se estranhar que os primeiros casos de delírio de cristal surgiram ao mesmo tempo em que esse material foi feito. Seja como for, estamos diante de um transtorno mental grave.

Seu tratamento passaria pela prescrição de remédios antipsicóticos, como o haloperidol, e o apoio psicoterapêutico.  De qualquer forma, temos uma mensagem tranquilizadora: hoje em dia é muito raro que casos dessa síndrome aconteçam por aí.


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  • Jaspers (1975). Psicopatología General


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