Desconstrução em terapia narrativa: em que consiste?

Você se sente preso em seus problemas? Desconstruir o que nos preocupa é como desmontar peça por peça cada elemento que o compõe para analisar suas partes. Só então você descobrirá que nem tudo é tão insolúvel quanto você pensa.
Desconstrução em terapia narrativa: em que consiste?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 28 maio, 2023

Se há algo que sempre nos definiu como seres humanos é contar-nos histórias. Nossos ancestrais faziam isso quando se reuniam diante de uma fogueira e transmitiam seus mitos, suas lendas e as histórias de outros ancestrais. Esse legado oral alimentou nossos laços e nos uniu como uma comunidade social.

Agora, a verdade é que as pessoas também contam histórias para nós mesmos. Fazemos isso para dar sentido a cada uma de nossas experiências e também para construir nosso lugar no mundo. Cada uma dessas narrativas internas cria um sentido sobre a nossa realidade e é aí que, às vezes, surgem o problema, a distorção e até a infelicidade.

Parte dessa conversa interna que temos com nós mesmos pode ser dominada pelo peso dos preconceitos e pela influência dos medos. Quase sem perceber, podemos estar criando uma espécie de história de vida em que deixamos de ser o herói principal, para nos tornarmos um triste coadjuvante. Aquele que se deixa levar, que não reage e sente que não tem controle de nada.

Uma maneira de abordar esses tipos de abordagens mentais é por meio da terapia narrativa. Este modelo terapêutico integra uma estratégia de grande valia que vale a pena aprofundar: a desconstrução.

Segundo a terapia narrativa, a pessoa não é o problema, o problema é o problema, a pessoa é a pessoa.

Homem iluminando a mente para representar a desconstrução
A desconstrução nos permite analisar nossos pensamentos um por um para transformá-los em abordagens mais positivas.

Terapia Narrativa: o que é?

A terapia narrativa facilita que as pessoas se tornem protagonistas de suas próprias vidas, detectando oportunidades de crescimento e dando-lhes um significado mais saudável de sua existência. Esse tipo de recurso psicológico foi desenvolvido pelos terapeutas neozelandeses Michael White e David Epston na década de 1980, e atualmente é aplicado em diversos campos psicossociais.

Sua principal característica é enfatizar que não há nada quebrado ou defeituoso no ser humano. A pessoa nunca será o problema, você tem que separar o problema da pessoa para que ela possa analisá-lo, destrinchá-lo e resolvê-lo. Estamos diante de um modelo terapêutico potencializador, capaz de nos fazer enxergar que, mesmo que estejamos presos a uma história dolorosa, podemos escrever outras, mais positivas e esperançosas.

Uma investigação realizada pelos médicos Daniel D. Hutto e S. Gallagher destaca que esta prática terapêutica apresenta um potencial significativo na área da autogestão do bem-estar. Embora seja uma terapia relativamente nova, suas técnicas são uma fonte de inspiração em campos que vão além da psicologia, como o serviço social ou a medicina.

Vejamos abaixo os pilares que a sustentam.

Conversas para reescrever a vida

Michael White e David Epston escreveram o livro Narrative Means for Therapeutic Purposes, de 1990, que se tornou um best-seller. Neste trabalho eles nos ensinam que o primeiro passo do paciente deve ser narrar sua história de vida para se tornar um observador externo dela.

A partir dessa posição mais distante e com a ajuda do profissional, você deve analisar os problemas que reforçam seu desconforto. Ao colocá-los fora de si mesmo, você será capaz de identificar esquemas debilitantes, preconceitos e crenças irracionais que distorcem muitas de suas narrativas internas. Este processo será feito libertando-o de toda a culpa, oferecendo-lhe ferramentas para se tornar um especialista.

Este modelo, baseado na conversa terapêutica, irá gradualmente ajudar a moldar narrativas e guiões mais saudáveis, em que a pessoa adquire um maior sentido de controle sobre a sua vida. Implica “reautorizá-lo” novamente para que se torne o único ator de seu presente e de seu futuro.

A terapia narrativa nos conecta com nossos valores e propósitos para que possamos reescrever nossa vida, guiando-a para a esperança.

Paciente em terapia aplicando Desconstrução
A terapia narrativa nos ensina que a maneira como interpretamos o que nos acontece é o que dá sentido às nossas vidas. Fazer isso de maneira saudável irá mediar nosso bem-estar mental.

Desconstrução para resolver seus problemas e desafios

A desconstrução é uma das técnicas mais marcantes da terapia narrativa. É usado quando detectamos que a pessoa apresenta um problema vital que está condicionando seu bem-estar. Às vezes, assumimos papéis muito debilitantes porque integramos uma série de ideias irracionais que agravam, complicam e tornam mais incómodo qualquer desafio e dificuldade.

Desconstruir um problema nos facilita quebrar ou dividir em parcelas menores aquela entidade adversa que nos tira a calma. No momento em que quebrarmos em pedaços mais elementares o que nos perturba, perceberemos o que o reforça, qual é a raiz e por onde devemos começar a enfrentá-lo.

Vamos agora entender quais são suas etapas para colocar esse recurso em prática:

1. Conte sua história e descreva o problema

O primeiro passo é descrever detalhadamente aquele fato problemático que nos causa estresse, ansiedade e desconforto. Façamo-lo com sinceridade, podendo expor também as emoções e pensamentos que acompanham aquelas experiências desafiadoras que não conseguimos enfrentar.

2. Divida-o em partes menores

A desconstrução nos transforma em analistas de nossas próprias histórias, em detetives tentando entender as partes que compõem cada história, cada testemunho. Por isso, e para dividir seu problema vital em elementos menores, guie-se por estas diretrizes:

  • O que desencadeou essa situação?
  • Qual é o seu papel nessa experiência? Você é responsável ou vítima?
  • Como você se sentiu e como se sente agora?
  • O que você acha dessa experiência?
  • Que recursos você acha que tem para lidar com essa situação?
  • Como você acha que seus medos estão afetando ao resolver este problema?

3. Desconstrua com pensamentos alternativos

Para curar uma narrativa mental debilitante, você não precisa excluí-la, mas reescrevê-la de uma maneira mais brilhante e esperançosa. Tal habilidade mental não é realizada dizendo a uma pessoa o que fazer. Deve ser ela quem aplica a desconstrução para reformular outros roteiros mentais mais saudáveis.

Estas perguntas podem ajudá-lo:

  • Você poderia ver essa situação de outra perspectiva?
  • O que aconteceria se você parasse de se culpar por essa experiência?
  • Que contradições você encontra em sua história?
  • Onde você abordaria esse desafio agora que conhece suas partes?

Para concluir, cada um de nós passou por encruzilhadas vitais muito complexas. Caso ainda não os tenhamos superado e persistam aqueles nós existenciais, a desconstrução pode nos ajudar. Não é nem mais nem menos que desmontar as diferentes partes de um problema para delimitar suas ambigüidades e reformulá-lo de outra forma. Por que não tentar?


Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.


  • Beaudoin M, Moersch M, Evare BS. The effectiveness of narrative therapy with children’s social and emotional skill development: An empirical study of 813 problem-solving stories. Journal of Systemic Therapies. 2016;(35)3: 42-59. doi:10.1521/jsyt.2016.35.3.42
  • Ghavibazou E, Hosseinian S, Abdollahi A. Effectiveness of narrative therapy on communication patterns for women experiencing low marital satisfaction. Australian & New Zealand Journal of Family Therapy. 2020;41(2):195-207.doi:10.1002/anzf.1405
  • Etchison, Mary & Kleist, David. (2000). Review of Narrative Therapy: Research and Utility. The Family Journal. 8. 61-66. 10.1177/1066480700081009.
  • Wallis J, Burns J, Capdevila R. What is narrative therapy and what is it not?: The usefulness of Q methodology to explore accounts of White and Epston’s (1990) approach to narrative therapy. Clin Psychol Psychother. 2011;18(6):486-97. doi:10.1002/cpp.723

Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.