A diferença entre ter e possuir
Na vida cotidiana, os conceitos de ter e possuir são usados de forma intercambiável, embora haja uma diferença. A certa altura, eles parecem sinônimos, mas a filosofia, mais uma vez, diz algo sobre isso e faz uma distinção entre os dois termos.
Considerando os objetos e corpos de um lado e a existência de outro, este artigo abordará a dissimilaridade em questão. Iremos além, estabelecendo essa desigualdade na sociedade de consumo e no direito jurídico. Vamos nos aprofundar nisso.
Ter, segundo a filosofia
Coloquialmente, dizemos que temos algo quando estamos de posse de um objeto. No entanto, a filosofia faz uma separação entre esses dois termos. A diferença se estabelece em sentido corporal e existencial.
Um artigo publicado pela Universidade de Navarra apresentou as conclusões de um estudo filosófico sobre o ter. Parte de considerar o filósofo e dramaturgo francês Gabriel Marcel, que defende que o ter está associado à encarnação. Isso significa que a existência é corpórea; dizer que “meu corpo” e “eu” são a mesma coisa. O ser e o corpo estão, dessa forma, unidos. Portanto, ter é dispor de corporeidade.
Por outro lado, o filósofo espanhol Leonardo Polo define o ser humano como aquele que é capaz de ter. Ou seja, o ter aparece aqui como uma capacidade onde a corporalidade é importante. Dessa forma, ter corpóreo é a forma mais básica de ter.
Como podemos perceber, o ter, do ponto de vista filosófico, está vinculado aos corpos e aos objetos. Mas e a posse? Não são iguais? Polo, nesse sentido, já mantém uma distinção entre ter e possuir. Para ele, a posse é uma forma de conhecer as coisas. Em outras palavras, estabelece um vínculo entre possuir e saber.
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O possuir, de uma perspectiva filosófica
O conhecimento é um dos temas abordados no diálogo de Platão denominado Teeteto, no qual há uma conversa entre Sócrates e Teeteto sobre a questão de qual é a natureza do conhecimento ou da ciência. O importante, para o sujeito deste artigo, é que este texto aponta a diferença entre ter e possuir.
Nesse sentido, segundo a Revista de la Asociación Española de Neuropsiquiatría, ter está associado ao momento presente, agora. Tenho um objeto ou, neste caso, um conhecimento se o tenho agora, neste preciso momento.
Por outro lado, possuir é interpretado como uma potencialidade. Ou seja, temos coisas que estão à nossa disposição prontas para serem usadas quando precisarmos. Por exemplo, podemos possuir um laptop, mas não o temos conosco neste exato momento. Portanto, a posse é uma potencialidade, está aí, mas não está presente no agora.
Diferença entre ter e possuir na sociedade de consumo
O filósofo alemão Erich Fromm, em seu livro Ter ou ser (1976) , faz uma explicação sobre dois modos de existência: um de ser e outro de ter. Assim, associa o modo de ter em relação à propriedade e posse. O mundo está aí à minha disposição, pronto para se tornar minha propriedade, de acordo com as leis escritas.
Esse ter está relacionado ao possuir, pois a posse é considerada por Fromm como um direito sagrado do ser humano nas sociedades industriais e de consumo. Vem do conceito de propriedade privada: o que me pertence por direito é minha propriedade e, portanto, é minha posse, observa uma publicação da Economipedia.
Com isso, o filósofo quer demonstrar e alertar que nas sociedades atuais o ser humano se torna um objeto. Deixa de lado sua existência mais profunda e espiritual, para buscar continuamente a aquisição de propriedades, objetos prontos para serem consumidos por nós.
E aí vem o alerta ético: embora possamos possuir objetos, não é possível considerar as pessoas como se fossem nossa propriedade. Esse respeito pela dimensão existencial do ser humano é a única coisa que podemos salvar em nossas sociedades atuais. Mesmo assim, cabe perguntar de onde vem essa noção de propriedade.
O direito de propriedade
Por que agora nos envolvemos em questões de direito? Primeiro, porque filosofia e direito estão intimamente relacionados. De fato, grande parte da teoria da jurisprudência tira suas contribuições da filosofia do direito. Em segundo lugar, porque o conceito de propriedade é filosoficamente baseado na lei natural.
É aquela que não está escrita em nenhum papel, mas tem força de lei. Portanto, pode ser imposta ao homem na medida em que é reconhecida pela razão humana. Essa lei natural é imposta e respeitada pela liberdade dos indivíduos.
Dessa forma, um artigo publicado pela Universidade de La Plata sustenta que o direito de propriedade e, portanto, de possuir, baseia-se na faculdade inerente ao ser humano de defender e exigir o que é seu. A posse, então, origina-se de uma capacidade humana que a lei natural protege. Essa lei torna-se então um direito legal.
Nessa perspectiva, o possuir é parte constitutiva do ser humano. E é uma lei natural imposta e reconhecida pela própria razão. Nesse sentido, a posse tem uma conotação existencial muito distante da corporeidade do ter.
Qual é a diferença entre ter e possuir?
A nível filosófico, compreender a diferença entre ter e possuir implica reconhecer a nossa relação com o mundo e conosco próprios. Convida-nos a adotar uma atitude de desapego em relação aos bens materiais, valorizando mais a experiência e o crescimento pessoal que deles derivam.
Podemos ver a diferença entre ter e possuir como uma oportunidade de cultivar uma vida mais significativa. Dessa forma, promovemos um equilíbrio saudável entre as necessidades materiais e o nosso bem-estar espiritual.
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