A dismorfia das selfies e a falta de filtros na vida real

Há quem tenha se acostumado tanto a admirar sua imagem através de filtros no celular que não suporta mais se olhar no espelho. A dismorfia das selfies veio para ficar.
A dismorfia das selfies e a falta de filtros na vida real
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Não faz muito tempo que alguns sonhavam em se parecer com Angelina Jolie, Brad Pitt ou Johnny Depp. Queríamos ter os lábios de um, as maçãs do rosto de outro, o queixo de um terceiro… Hoje, as coisas mudaram muito, e cada vez mais pessoas sofrem do que se conhece como dismorfia das selfies.

Esse transtorno define uma obsessão: a de querer ser como nossos celulares nos mostram. O universo dos filtros projeta uma imagem melhorada e ideal de nós mesmos, e é isso que procuramos: a nossa melhor versão. Nosso melhor rosto retocado com base nos viciantes algoritmos do Snapchat. Nariz mais fino, olhos maiores, contornos mais ovais, sobrancelhas mais altas…

Existem pessoas que dificilmente olham para o mundo real. Há quem viva boa parte do dia em frente àquela tela que, como um estranho feitiço ou espelho mágico, sempre lhes mostra uma imagem sedutora, perfeita, cativante. Eles tiram entre 25 e 50 selfies por dia e não suportam mais se olhar no espelho do banheiro. Aquela superfície desagradável não esconde olheiras, nem disfarça o queixo duplo.

A tecnologia, útil e maravilhosa enquanto fazemos bom uso dela, mais uma vez esconde práticas que às vezes caem no patológico. Vamos analisar esse distúrbio que ainda não está incluído em nenhum manual de diagnóstico.

Cada vez mais os jovens exigem intervenções de cirurgia estética para se parecerem com a imagem digital que aplicativos como o Snapchat lhes devolvem.

Jovem tirando uma selfie

Dismorfia das selfies: definição e características

Há quem diga que a dismorfia das selfies é uma das coisas mais delirantes que apreciamos nos últimos anos. No entanto, há algo que devemos considerar. O mundo avança e cada época traz suas peculiaridades no campo das ciências comportamentais e da saúde psicológica.

Não muitos anos atrás, jovens foram submetidos a cirurgias em sua necessidade desesperada de se parecerem com a boneca Barbie. Agora, as novas tecnologias e os aplicativos que preenchem nossa realidade de filtros e embelezam tudo nos trazem outros transtornos psicológicos.

Nesse universo paralelo, o cotidiano e o comum não têm lugar. Rostos suaves se tornam extraordinários, como os de um filme da Disney.

De certa forma, já faz tempo que o campo clínico alerta para o impacto da selfie na saúde mental. Trabalhos de pesquisa, como o realizado na Universidade de York em Toronto (Canadá), falam sobre como a necessidade de tirar selfies e publicá-las continuamente está correlacionada com uma baixa autoestima, sentimentos de insegurança e ansiedade social.

Estamos na era da primazia da imagem, é verdade, mas curiosamente o ser humano se sente mais inseguro do que nunca com a sua aparência física.

O universo digital e as imagens artificiais, origem de muitos problemas psicológicos

Nem tudo o que vemos em nossas redes sociais é autêntico. Não apenas as notícias e contas falsas estão se proliferando, as imagens e selfies que muitos usuários postam não correspondem 100% à realidade. Devemos admitir que a maioria de nós já adicionou um filtro a uma foto. Graças a este recurso melhoramos a luz, a nitidez…

Há algo de errado com isso? Obviamente não. O problema surge quando alguém não consegue mais publicar uma foto sua sem primeiro retocá-la. O aspecto patológico da dismorfia das selfies é que uma pessoa não aceita mais sua própria imagem e só é capaz de aceitar a si mesma por meio dessas camadas corretivas, mágicas… e complicadas.

As repercussões dessa realidade são imensas. Essa autopercepção distorcida frequentemente os leva a recorrer à cirurgia estética. Eles precisam retocar o corpo para se ajustar à visão ideal que os filtros oferecem. Outros jovens, por exemplo, podem desenvolver transtornos alimentares.

Como a dismorfia das selfies se manifesta?

O Instituto de Neurociências de Calcutá (Índia) analisou esse fenômeno em 2016 por meio de um estudo. O uso excessivo da selfie está relacionado a uma evidente angústia e antipatia pela própria aparência.

A incidência dessa experiência é tão alta nos jovens que muitas organizações alertam para a necessidade de aumentar a psicoeducação para fazer um uso saudável da tecnologia.

No que diz respeito à dismorfia das selfies, as características que a definem são as seguintes:

  • Percepção de que possuem múltiplos defeitos físicos na face.
  • Eles se veem como seres monstruosos, pessoas com aparência feia.
  • Passam grande parte do dia em seus celulares, negligenciando responsabilidades.
  • Eles não suportam olhar no espelho, a imagem que eles têm da sua aparência física é completamente distorcida.
  • Só encontram bem-estar com as selfies que tiram usando filtros.

A dismorfia das selfies se enquadra no espectro obsessivo-compulsivo, é altamente subdiagnosticada e leva as pessoas a um estado de grande desconforto. A necessidade contínua de tirar fotos por meio de aplicativos para alterar sua imagem real os afasta até mesmo de suas obrigações e da interação real e física com as pessoas.

Selfie comendo

Como tratar este problema?

Recomenda-se que a pessoa com esse tipo de distúrbio não seja submetida a uma cirurgia estética. Em geral, após cada intervenção, aumenta a frustração, a autorrejeição e a necessidade de fazer mais e mais intervenções. Estima-se que a porcentagem de pacientes que procuram clínicas com dismorfia das selfies pode ser de 10%.

É crucial que o atendimento psicológico especializado seja usado primeiro. Abordagens como a terapia cognitivo-comportamental são as mais bem-sucedidas. Em alguns casos, percebe-se, por exemplo, que muitas dessas pessoas apresentam previamente um estado ansioso-depressivo não diagnosticado. Portanto, é decisivo abordar cada situação e cada realidade de forma correta e personalizada.

Vamos ter em mente que este transtorno está se tornando cada vez mais prevalente na atualidade.


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