Os efeitos de uma ferida que não cicatriza
Separar-se de quem se ama, seja por abandono, divórcio ou morte, gera sofrimento. É uma experiência que pode ser vivida em qualquer idade na vida e em circunstâncias bastante diversas. Às vezes, essa perda deixa atrás de si uma ferida que não cicatriza e, então, a dor se torna uma forma de vida.
Nenhum luto passa ou é superado por acaso. Naturalmente, o tempo ajuda, mas se não for realizada e assumida uma narração pessoal do acontecimento, é muito provável que fiquemos atados a uma ferida que não cicatriza.
Inclusive, é possível que deixemos de sentir a dor, pelo menos de maneira consciente. No entanto, essa mesma dor vai gravitar de distintas formas sobre a nossa existência.
O trabalho do luto tem a ver com uma reestruturação do nosso mundo psicológico, que dá lugar à aceitação dos fatos e a uma transformação em nossa forma de ser e de viver. Somente se essa espécie de metamorfose ocorrer conseguiremos a remissão da intensidade da dor para fechar, por fim, essa ferida que não cicatriza.
“As feridas que não são vistas são as mais profundas”.
-William Shakespeare-
O luto
O luto envolve, por um lado, a tristeza e a saudade pelo que já não está ou não estará mais. Por outro, uma forte confrontação com nós mesmos. No luto, necessariamente há uma tensão entre o passado e o futuro que se concentra de forma extrema no presente.
O luto não faz referência apenas a uma pessoa, mas também é sentido quando ocorre a perda de situações, e até mesmo de objetos. Sofremos pela juventude perdida ou pelo ideal arruinado. Também pelo dinheiro perdido ou por aquilo que nunca vivemos.
Essa dor e esse sofrimento surgem de maneiras diferentes em cada pessoa. Isso depende muito da estrutura psíquica de cada um e das circunstâncias específicas em que a perda ocorreu. Com o tempo, algumas pessoas conseguem aceitar, enquanto outras resistem a fazer isso.
O luto como ferida que não cicatriza
Um luto não resolvido é uma ferida que não cicatriza. Uma dor que se mantém vigente e que não se dissipa com o tempo. Pode ser encoberta ou vetada, mas está ali, como pano de fundo da vida.
Nenhum luto é fácil e isso significa um verdadeiro problema em uma época que rejeita o difícil. Em muitos casos, também não passa rapidamente. Uma verdadeira tragédia na cultura do instantâneo.
Durante um tempo, que depende da perda e da intensidade do luto, não vamos conseguir viver “normalmente”. Ou seja, vão prevalecer a tristeza e o desinteresse. Também é provável que o rendimento profissional ou acadêmico seja prejudicado e será difícil aproveitar a companhia dos outros. Em muitos momentos, esse sofrimento será tudo que temos.
A perda é o primeiro momento do luto e se trata de algo não desejado, pois do contrário não originaria sofrimento. A elaboração do luto consiste em voltar a perder aquilo que se amou, mas dessa vez pelas próprias mãos, ou seja, pelo efeito do trabalho de reestruturação que fazemos sobre nossas ideias e sentimentos. Às vezes, nós nos negamos a realizar esse processo.
Sinais de uma ferida que não cicatriza
Há lutos e lutos. Em termos gerais, costumam durar uma média de seis meses a dois anos. Talvez um dos mais difíceis seja aquele resultante da perda de um filho. Tanto que nem sequer existe uma palavra que designe esse tipo de perda. Há órfãos e viúvos, mas não existe um termo para nomear o pai ou a mãe que perde seu filho.
Uma ferida que não cicatriza fala sobre um trabalho de luto que não foi concluído. Prevalece a resistência em aceitar o que aconteceu. Às vezes, essa resistência toma forma de cinismo ou de evasão. Nesses casos, as pessoas se tornam hipersensíveis a bobagens e não conseguem se conectar consigo mesmas de maneira genuína. Elas se sentem como se vivessem de maneira mecânica.
Em outras ocasiões, essa repressão do luto leva ao surgimento de alguma doença. Desenvolvemos um transtorno da mente mais grave ou doenças físicas. Também podemos acabar ficando amargos e, às vezes, autodestrutivos ou irresponsáveis. Qualquer perda que não conduzir a uma transformação positiva é suspeita, e é assim que deve ser vista.
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Neimeyer, R. A., & Ramírez, Y. G. (2007). Aprender de la pérdida: una guía para afrontar el duelo. Paidós.