Epigenética: as tragédias podem ser herdadas?

A psicologia social tem sido capaz de realizar alguns experimentos sobre a hereditariedade do trauma, e os resultados não poderiam ser mais reveladores. Esses estudos, realizados através de gerações, mostram que podemos herdar as tragédias.
Epigenética: as tragédias podem ser herdadas?
Sergio De Dios González

Revisado e aprovado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Escrito por Sonia Budner

Última atualização: 22 dezembro, 2022

É raro encontrar uma geração que não tenha passado por alguma tragédia. Quando não foram guerras, enfrentaram fome, genocídios ou crises econômicas brutais. Conhecemos as consequências físicas e psicológicas, muitas vezes devastadoras, que as pessoas podem desenvolver depois de uma experiência desse tipo, mas será que as tragédias podem ser herdadas?

O que não havia sido contemplado até poucos anos atrás é que esse tipo de experiência parece deixar um resíduo genético naqueles que a sofrem, que pode ser transmitido às gerações subsequentes. Os estudos realizados com animais demonstram isso.

Apesar disso, as pesquisas em humanos apresentam um claro problema ético, o que torna extremamente difícil determinar em que medida e como os humanos herdam geneticamente as tragédias e os sofrimentos de seus pais e avós.

Psicologia social, primeira via de acesso

Foi possível realizar alguns experimentos no campo da psicologia social, e os resultados não poderiam ser mais reveladores. Esses estudos, realizados através de gerações, mostram que podemos herdar as tragédias, assim como acontece com os animais.

A psicologia social não pode determinar qual mecanismo genético, qual tipo de mutação ou gene apresenta alteração, mas descobriu que existem padrões de herança diferenciados por gêneros. Algo que está revolucionando o mundo da psicologia, da sociologia e da pesquisa genética.

Os enigmas do DNA

Finlândia e a Segunda Guerra Mundial

Um estudo realizado pela equipe do Dr. Torsten Santavirta, da Universidade de Uppsala, descobriu que as filhas de crianças que foram evacuadas da Finlândia na Segunda Guerra Mundial apresentavam muito mais problemas de hospitalização por transtornos psicológicos do que outras pessoas cujos pais não foram evacuados.

A pesquisa, além disso, mostrou que este fato não parecia ter afetado os filhos do sexo masculino das crianças evacuadas. Tem-se tentado explicar este dado fascinante pela ideia de que as doenças mentais, em geral, são menos comuns nos homens. Ainda assim, a coincidência é incrível.

“Nossa observação do risco psiquiátrico a longo prazo transmitido à próxima geração é preocupante e ressalta a necessidade de ponderar os riscos potenciais na formulação de políticas para a proteção das crianças”.
-Dr. Torsten Santavirta-

Soldados confederados

Outro estudo realizado com os descendentes de soldados confederados que passaram pelo campo de prisioneiros em Andersonville, na Geórgia, durante a Guerra de Sucessão dos Estados Unidos, produziu dados muito semelhantes aos da Finlândia.

Os filhos dos sobreviventes do campo de prisioneiros viviam muito menos do que os filhos de outros veteranos de guerra que não haviam sido feitos prisioneiros. Foi descoberto que muitos deles haviam morrido muito mais jovens do que seus irmãos mais velhos que haviam nascido antes da guerra. Isto é, antes que seus pais passassem pelo trauma e pudessem transmiti-lo.

“Certamente há uma transferência transgeracional de características em humanos, algo que pode ocorrer por métodos bem conhecidos, como a herança genética ou a herança cultural, como o aprendizado”.
-Neil Youngson, professor da Universidade de New South Wales-

Os netos do Holocausto poderiam herdar a tragédia

Um dos primeiros estudos publicados sobre este tema foi realizado com os sobreviventes de campos de concentração sob o regime nazista. A equipe de pesquisa do Hospital Mount Sinai, em Nova York, estudou a composição genética de um grupo de judeus que havia estado nos campos de concentração e a comparou com a de seus filhos.

O estudo concentrou-se em uma região específica de um gene associado à regulação dos hormônios do estresse e comprovou que tanto os sobreviventes quanto seus filhos haviam tido esse gene afetado devido ao trauma hereditário. Para garantir os resultados, foram realizadas análises genéticas paralelas para descartar a possibilidade de que os filhos, a segunda geração, pudessem ter modificado o gene devido a alguma experiência traumática própria.

Campo de concentração

A inexplicável diferenciação por gênero

Juntamente com todos os itens acima, há outros dados inexplicáveis ​​até agora. Assim como a herança do trauma no caso das crianças evacuadas da Finlândia parece ter sido transmitida apenas para as filhas, no caso dos prisioneiros de guerra os dados são invertidos. Parece que neste caso a herança do trauma foi recebida apenas pelos filhos.

Todas essas investigações estão trazendo à luz um conhecimento que pode ser extremamente importante para o futuro da saúde mental e física do ser humano. Parece que os seres humanos podem herdar as tragédias que aconteceram com seus ancestrais, embora no momento os estudos estejam levantando muito mais perguntas do que respostas.


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