O experimento de Arzy: os fantasmas estão no cérebro
O experimento de Arzy focou em demonstrar o que pouquíssimos se atreveram a fazer. Por muitos anos, todos os fenômenos de alteração da percepção, como ver sombras ou sentir uma presença, haviam sido relegados ao paranormal.
Graças ao avanço das técnicas de exploração cerebral, hoje em dia esses fenômenos podem ser melhor estudados a partir de uma perspectiva científica.
Sentir a presença de uma pessoa que na verdade não está ali, achar que está na companhia de alguém ou ver um rosto em um papel de parede são fenômenos que todos já sentimos.
Pelo menos uma vez já duvidamos do que nossos sentidos percebem e nem por isso perdemos o juízo. O cérebro é um organizador dos sentidos tão complexo que qualquer alteração pode levar a erros perceptivos.
O experimento de Arzy
Shahar Arzy é um professor do laboratório cognitivo de neurociência da Escola Politécnica de Lausanne, na Suíça.
Em seu trabalho como pesquisador, demonstrou de forma experimental a correspondência fisiológica entre estados alucinatórios e áreas de integração multissensorial.
A sensação de que alguém está por perto quando na verdade não há ninguém foi descrita tanto em pacientes psiquiátricos quanto em indivíduos saudáveis.
Como o experimento foi aplicado?
O experimento de Arzy conseguiu induzir a sensação de uma sombra alheia ao paciente, utilizando estimulação elétrica focal.
O experimento foi realizado em um indivíduo sem antecedentes psiquiátricos, que foi estimulado na junção temporoparietal esquerda (TPJ). Cada vez que essa região era estimulada, o indivíduo começava a experimentar a sensação de ter uma sombra atrás de si.
Variantes do experimento
O experimento foi repetido com o indivíduo em diferentes posições, e em cada uma delas a sombra adquiria uma posição idêntica à do indivíduo. Isso corrobora que essa sombra, muito possivelmente, era uma projeção de seu próprio corpo.
Tal fenômeno se deve à desintegração multissensorial ou sensório-motora, produzida pela estimulação na área TPJ, anteriormente vinculada com o autoprocessamento e a distinção entre o eu e o não-eu.
Papel da junção temporoparietal
A junção temporoparietal, como seu nome indica, é a área do córtex cerebral onde se juntam o lobo parietal e temporal. O lobo parietal está estreitamente relacionado com o mapeamento somatossensorial e motor do corpo.
Por sua vez, o lobo temporal é responsável por processar a linguagem e as conexões com áreas subcorticais de processamento emocional.
Mas a junção temporoparietal, além de ser um centro de integração multissensorial, também se relaciona com os processos cognitivos de autoprocessamento.
A junção temporoparietal e as experiências fora do corpo
O experimento de Arzy se baseia na ativação intensa dessa região do cérebro por processar elementos como:
- Imagens mentais próprias.
- Perspectiva e localização visuo-espacial.
- Distinção entre eu e o outro.
- Integração vestibular e multissensorial.
Dentro do experimento, quando se estimulava a junção temporoparietal, o indivíduo não reconhecia a sombra gerada como uma projeção própria, mas como algo alheio. Tal fenômeno se baseia no papel do lobo temporal no sentido linguístico do eu.
A sensação de presença
A primeira pergunta que surge ao ler sobre o experimento de Arzy é: como podemos não ser conscientes de tais processos de dissociação? Será que deveríamos?
A experiência indica que esses fenômenos se mostram como alheios aos indivíduos. O principal motivo é a fragilidade do “sentido do eu” por parte do cérebro.
Qualquer alteração estrutural, elétrica ou funcional pode desencadear erros perceptivos. Então, o sentido do eu, entendido como a capacidade de diferenciar entre a percepção do meu próprio corpo e o resto dos objetos, não é tão estável quanto acreditamos ser.
O papel da amígdala
A amígdala é outra estrutura cerebral subcortical que faz parte do sistema límbico. Essa estrutura nervosa é fundamental para o processamento emocional das experiências.
Em princípio, as alterações provocadas pela estimulação da TPJ são estranhas para o nosso cérebro. Por isso, reagimos com medo.
Não estamos acostumados à situação de reconhecer nosso próprio corpo como alheio. É por isso que a amígdala dá uma resposta emocional negativa, que em muitos casos agrava as alucinações.
Que tipo de experiência pode gerar a desintegração sensorial?
As experiências podem ser tão variadas quanto estranhas e, do ponto de vista clínico, ressaltam as chamadas experiências fora do corpo. As mais comuns podem ser:
- Sensação de flutuar.
- Observar o próprio corpo de fora.
- Sentir uma presença.
- Pensamentos e sonhos extremamente lúcidos.
São experiências patológicas?
Como bem demonstra o experimento de Arzy, esses fenômenos dissociativos podem ocorrer em indivíduos normais sem antecedentes psiquiátricos.
Igualmente, há uma série de patologias nas quais os indivíduos estão muito expostos a sofrer mudanças cerebrais que provoquem essa alteração. Entre elas, podemos mencionar:
- Paralisia do sono. Vinculadas às alucinações hipnagógicas e hipnopômpicas, acontecem quando os indivíduos recuperam a consciência antes de recuperar o controle do corpo. Ao querer reagir e não poder devido à paralisia muscular, a percepção do movimento é alterada.
- Epilepsia e enxaquecas fortes. A alteração do funcionamento elétrico do cérebro provoca um efeito similar ao da condição experimental de Arzy.
- Doenças neurodegenerativas. As alucinações são muito comuns e se devem à degeneração do tecido nervoso que resulta em erros de integração sensorial. Em geral, os idosos costumam identificar a presença estranha como um familiar ou um amigo do qual sentem saudades.
Por outro lado, a dessincronização na integração sensorial também pode ocorrer em circunstâncias não patológicas:
- Excesso de estresse.
- Privação de sono.
- Privação sensorial.
Conclusão: nosso cérebro é fantástico!
O experimento de Arzy é um desses estudos que surpreendem até o leitor mais cético. A capacidade de reconhecer nosso próprio corpo é muito mais complexa e frágil do que poderíamos pensar.
Além disso, a revolução desses experimentos consiste no fato de que muitos fenômenos que antes eram considerados paranormais hoje estão nas mãos da ciência.
Ver uma sombra ao caminhar ou confundir um manequim com uma pessoa são pequenas alucinações, pequenos erros de percepção não patológicos. Entender sua natureza sempre poderá ajudar a nos entendermos melhor como seres humanos.