Os estranhos labirintos do pudor

Embora o pudor esteja relacionado com a inibição e a vergonha, estes conceitos são diferentes. A pessoa pudica procura manter uma fronteira entre a vida privada e a vida pública. Uma coisa é querer esconder e outra é não querer compartilhar. Talvez esta seja a principal diferença.
Os estranhos labirintos do pudor
Sergio De Dios González

Escrito e verificado por o psicólogo Sergio De Dios González.

Última atualização: 08 outubro, 2019

O pudor é uma questão controversa sobre a qual existem múltiplas interpretações, tanto no âmbito científico quanto a nível popular.

Há quem o veja como algo positivo, necessário para marcar e proteger certas fronteiras sociais. Outros, por outro lado, pensam que é uma variante da timidez ou da inibição, que subtrai muito mais do que acrescenta.

Também são frequentes os discursos que apontam que o pudor foi perdido e lamentam que isso tenha acontecido. Para outros, libertar-se do pudor é deixar para trás um lastro que limita as experiências plenas.

A nível científico, o pudor é considerado uma característica que foi introduzida, inicialmente, pela religião. Sua primeira manifestação está no Gênesis da Bíblia, quando Adão e Eva sentem vergonha por sua nudez pela primeira vez após o pecado original.

Depois, há uma série de alusões ao pudor, sempre associadas à nudez e ao sexo.

“O pudor é uma virtude estética”.
-Jean Dolent-

Expulsão do paraíso
Expulsão do paraíso, Michelangelo

O pudor e a religião

A princípio, o significado de pudor seria religioso e estaria diretamente associado à intimidade sexual. Basicamente, todos os teólogos cristãos condenam a desvergonha, embora não atribuam ao pudor o caráter de virtude.

Por outro lado, na religião muçulmana o pudor seria um dos grandes atributos das mulheres.

A Bíblia condena o testemunho da nudez do pai ou da mãe, assim como dos irmãos, dos filhos, dos tios e dos parentes por afinidade, como noras, sogros e cunhados. Não fala especificamente sobre a nudez entre estranhos. Parece estar decididamente focada na prevenção do incesto.

A igreja considera positivos aspectos como a modéstia, o recato, a prudência e todos os valores relacionados ao pudor.

O pudor e a psicologia humanista

A psicologia humanista, juntamente com vários filósofos personalistas, têm uma concepção mais ampla do pudor. Não o associam apenas à nudez, mas à intimidade em geral.

Portanto, ser pudico significa ter uma certa apreensão quanto à intimidade pessoal, em todas as suas ordens. Em outras palavras, não permitir que qualquer pessoa entre nesse terreno.

Do mesmo modo, associam o pudor a barreiras sociais e culturais. Estas são resultado da educação e, em muitos casos, têm a ver com respeito, tanto por si mesmo quanto pelos demais. Dizer, fazer ou mostrar pode ser uma maneira de romper certos limites e levar à desvalorização ou à impertinência.

Isso seria uma extensão dos conceitos de vida privada e vida pública. Alguns aspectos são reservados para a primeira, enquanto outros correspondem a uma esfera mais ampla.

Manter a separação entre um âmbito e outro seria saudável, pois implica a construção de diferentes níveis de confiança. Quanto maior a confiança, menor o pudor e vice-versa. Seria uma forma de proteger o individual.

O pudor e a psicologia humanística

A visão da psicanálise

A psicanálise não está tão distante da psicologia humanista no que diz respeito a este assunto. Nesta abordagem, faz-se uma distinção clara entre o que é vergonha e o que é pudor.

Em ambos os casos há um sentimento de inibição diante do outro. No entanto, na vergonha existe um sentimento de “sentir-se descoberto”, enquanto no pudor há uma transgressão da intimidade.

A vergonha surge quando alguma faceta ou elemento que queremos que seja mantido em segredo é exposto. Sentimos vergonha quando, por exemplo, estamos falando em público de uma maneira muito formal e, de repente, esquecemos alguma informação.

Queríamos passar uma imagem de conhecedores e o esquecimento revela que talvez não saibamos muito. Assim, ficamos expostos.

O sentimento de pudor, por outro lado, surge quando alguém entra em nosso terreno sem a nossa permissão. Por exemplo, quando uma pessoa está trocando de roupa e percebe que alguém está olhando, ou quando alguém diz que sabe algo sobre a sua vida privada que você considera íntimo e não deseja compartilhar.

Essa transgressão gera um sentimento de descrédito, mais do que de vergonha. Torna-se visível uma faceta, ou um fato, que não queremos expor a todos. Não provoca vergonha, mas indignação, porque implica passar por cima da própria vontade.


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  • Scheler, M., & Ferran, Í. V. (2004). Sobre el pudor y el sentimiento de vergüenza. Sígueme.

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