Luto pelo distanciamento familiar: a dor dos laços rompidos

Às vezes somos forçados a enfrentar um luto por pessoas que ainda estão vivas. Isso acontece, por exemplo, quando um filho, um irmão ou nossos pais decidem se afastar e deixar de ter contato conosco.
Luto pelo distanciamento familiar: a dor dos laços rompidos
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

O que acontece se em um determinado momento um filho adulto se afasta de nós? Essa é uma realidade com a qual muitas pessoas precisam lidar. Estes são sofrimentos silenciados, às vezes ambivalentes, desconcertantes e muito difíceis de lidar. O luto pelo afastamento familiar é um processo complicado, tanto se a ruptura do vínculo for justificada quanto se surgir como resultado de algo inesperado.

Durante os últimos anos, muito se escreveu sobre o quanto é recomendável se distanciar de figuras próximas que nos prejudicam. É verdade que, às vezes, é necessário dar esse passo para salvaguardar a nossa saúde mental. No entanto, neste jogo de xadrez que muitas vezes reflete a família, há movimentos e dinâmicas que nem sempre são fáceis de entender ou até mesmo de justificar. Afinal, nem sempre há bandidos e mocinhos.

Há filhos que iniciam um relacionamento amoroso e param de falar com a família. As questões financeiras também são um eterno combustível para a fogueira das disputas e distâncias amargas. Da mesma forma, também há casos de pessoas que, por causa de um problema mental, como o transtorno de personalidade limítrofe (TPL), por exemplo, podem tomar decisões impulsivas incongruentes.

Trata-se de experiências de grande complexidade que não estão livres de dor. Por isso, em muitos casos, podemos nos ver obrigados a passar por um luto do qual não se fala muito… Um luto pelos entes queridos que, ainda que estejam vivos, deixamos de ver.

“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”

-Liev Tolstoi-

Família feliz longe do luto pelo distanciamento familiar
Há cada vez mais famílias que acabam se afastando. Especialmente quanto aos laços entre pais e filhos.

O que é o luto pelo distanciamento familiar?

O distanciamento de algum familiar é cada vez mais frequente, mas é também uma realidade silenciada e até mesmo um tabu. Afinal, para todos os efeitos, a família ainda continua sendo essa instituição sagrada em que, aparentemente, nunca há atritos e tudo é perfeito. No entanto, é nos países ocidentais que mais há distância entre pais e filhos.

Karl Andrew Pillemer é um sociólogo e gerontólogo que estudou esse fenômeno em profundidade. Em seu livro Fault Lines: Fractured Families and How to Mend Them, ele documenta a alta prevalência dessa ruptura de vínculos entre os membros de um grupo familiar.

Estima-se, por exemplo, que quase 27% dos norte-americanos cortaram relações com um pai, filho, irmão, etc. E que esse distanciamento dói, causa estresse crônico e um sofrimento que não é abordado psicologicamente.

O luto pelo afastamento familiar define o desconforto emocional que se experimenta quando um ente querido se afasta ou quando nós nos afastamos. Porque muitas vezes, ainda que esse ato seja justificado, ele não deixa de provocar uma certa contradição, um certo vazio e também emoções conflitantes que não sabemos muito bem como definir.

Quais são as estratégias para lidar com esse tipo de ruptura do vínculo com um ente querido?

Os motivos que levam à ruptura de um vínculo são múltiplos e altamente complexos. Às vezes, a origem está nas divergências. Por exemplo, pais que não aceitam os parceiros de seus filhos. Filhos que fogem dos pais após uma série de experiências traumáticas. Existem também os conflitos financeiros e, certamente, os mentais.

Grande parte do luto pelo distanciamento familiar se deve ao atrito vivenciado com um familiar que sofre de problemas de saúde mental. Uma pessoa com um certo transtorno psicológico ou com algum tipo de vício pode dificultar completamente a convivência.

Como lidar com essas situações? Vamos analisar.

Além do estigma: aceitar que essas situações são comuns

Assumimos que romper o vínculo com a família é um estigma. Assim, vemos com maus olhos um filho que não fala com os pais. Criticamos os irmãos que não querem saber um do outro há 10 anos. Diante dessas situações, no entanto, devemos entender que este é um fenômeno comum e de grande extensão.

O problema que temos é que as divergências e desavenças familiares não são suficientemente discutidas. Além disso, também precisamos de melhores profissionais especializados para ajudar as pessoas nessas experiências. Muitos querem se reconciliar, porém carecem de estratégias válidas para isso.

A importância da comunicação para esclarecer o problema e tomar uma decisão

Grande parte da dificuldade ao enfrentar o luto pelo distanciamento familiar está nos problemas de comunicação. Trabalhos como os realizados na Universidade Estadual de Utah insistem em algo fundamental. Diante deste tipo de situação, é fundamental saber se comunicar de forma assertiva, clara e respeitosa.

Tanto se houver necessidade de se reconciliar quanto de suspender as relações definitivamente, é preciso expressar-se e dar argumentos. Só assim facilitamos a possível reaproximação ou a capacidade de lidar com o luto pelo rompimento do vínculo. Muitas vezes, entretanto, pais, irmãos ou filhos se deparam com a ausência inesperada de um ente querido e isso é algo traumático.

Portanto, o mais decisivo é sempre deixar as coisas claras. Viver com uma constante incerteza sobre o estado da relação pode ser devastador e gerar situações muito catastróficas.

Filha adulta discutindo representando quando narcisistas interpretam as vítimas
Os distanciamentos causam “danos colaterais”. Ou seja, forçam os membros da família a tomar partido de um ou de outro.

Compreensão das emoções decorrentes do rompimento do vínculo

O luto pelo distanciamento familiar pode despertar emoções ambivalentes que vão desde a tristeza até a raiva. Assim, sente-se dor por essa situação, mas também perplexidade e até mesmo vergonha. Vergonha social, por exemplo, por ter um filho que não fala conosco. Por ter irmãos com quem não temos nenhum relacionamento.

Cada pessoa vivenciará essa situação de forma única e toda realidade é respeitável.

Não devemos reprimir todas essas emoções, pois se há algo comum no rompimento dos laços familiares é “não querer pensar no assunto”. No entanto, esse vazio está cheio de desconforto, lacunas, nós sem desfazer, palavras ditas e não ditas… Estas são dimensões que precisam ser abordadas.

Assim, vamos mergulhar em cada emoção sentida, em cada pensamento doloroso… Conversar com figuras de apoio válidas sobre tudo o que sentimos será de grande ajuda para nós.

Os distanciamentos muitas vezes derivam em uma forma de estresse crônico. Esses laços de apego rompidos são feridas latentes que geralmente são carregadas durante a vida toda.

O luto pelo distanciamento familiar exige reformular nossos vínculos e tentar viver o presente

A família não é uma instituição sagrada que supera tudo e que sempre se mantém à tona. Às vezes, ela pode se desintegrar. Às vezes, ela até mesmo se reformula de outra forma, com outros membros mais significativos. Seja como for, o luto pelo distanciamento familiar nos obriga a refletir sobre os nossos vínculos e sobre como dar forma a uma nova etapa.

É comum que muitas dessas pessoas afastadas de um familiar vivam essa realidade com tristeza e desejo de reconexão. Elas gostariam de voltar atrás e resolver certas coisas. No entanto, isso nem sempre é possível. O luto nos força a curar as feridas do passado e focar no presente.

Assim, se tivermos um filho, irmão, pai ou mãe que não quer nos ver, aceitemos a sua decisão. Vamos nos concentrar naqueles que estão perto de nós, amando e cuidando desses laços que são gratificantes e recíprocos, sejam eles familiares ou não. Sentir saudades é permitido, ansiar por situações positivas do passado também.

Por outro lado, se nós é que decidimos nos distanciar, devemos nos lembrar das razões que nos levaram a isso. Afinal, há decisões dolorosas que devem ser tomadas para o nosso bem-estar. Sentir uma certa tristeza pelo que não pôde ser também é algo lógico e respeitável.

Para concluir: Atualmente, há cada vez mais pessoas que carregam nas costas o peso de uma bagagem cheia de mal-entendidos e desconfortos por causa do distanciamento familiar. Precisamos abordar essa realidade de forma especializada para redirecionar quem sofre com esse vínculo rompido para um espaço de maior tranquilidade e aceitação.


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  • Scharp KM. “You’re Not Welcome Here”: A Grounded Theory of Family Distancing. Communication Research. 2019;46(4):427-455. doi:10.1177/0093650217715542.
  • Pillemer, Karl (2020) Fault Lines: Fractured Families and How to Mend Them.  Avery

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