Neurônios de Purkinje, as células enigmáticas do cerebelo e do coração

De acordo com um grupo de pesquisadores da Universidade de Harvard, os neurônios de Purkinje podem ter algum tipo de ligação com a aparição do autismo. Isso abre uma porta para possíveis tratamentos no futuro.
Neurônios de Purkinje, as células enigmáticas do cerebelo e do coração
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 29 julho, 2022

Vistos ao microscópio, os neurônios de Purkinje parecem pequenas árvores de Natal. Os especialistas em neurociência os definem como um desafio e um mistério. Sabe-se, por exemplo, que estão no cerebelo e também no coração, e que, de acordo com vários estudos muito recentes, podem ter algum tipo de ligação com o surgimento do transtorno do espectro autista (TEA).

O universo neurológico é quase tão fascinante quanto o próprio cosmos. Vistos através de uma lente, esses tipos de células não são impressionantes apenas por causa da sua forma e tamanho. Os neurônios de Purkinje recebem até dez vezes mais conexões do que qualquer outro tipo de neurônio.

Os cientistas vêm observando esses tipos de estruturas há anos porque, ao contrário de outros neurônios inibitórios, eles também têm a capacidade de “desligar” o funcionamento de outras células fora do cerebelo. A sua atividade eletrofisiológica é tão única que abre a porta para a possibilidade de desenvolver novos tratamentos e abordagens para várias patologias.

No entanto, isso leva tempo. Universidades como a de Tóquio vêm realizando estudos e observações em laboratórios com o peixe-zebra há anos, tentando entender muitas das suas funções, bem como sua possível implicação no desenvolvimento de certos distúrbios neurológicos.

Então, vamos tentar aprender mais sobre os interessantes neurônios de Purkinje.

“Em vez de a realidade ser registrada passivamente pelo cérebro, ele a constrói ativamente.”
-David Eagleman-

O universo neurológico é fascinante

Neurônios de Purkinje: o que são e onde estão?

Os neurônios de Purkinje são um tipo de célula cerebral do tipo GABAérgico (ou seja, têm funções inibidoras). Existem cerca de 30 milhões desses neurônios no cerebelo e outros tantos no músculo cardíaco. Assim, graças ao grande número de fibras de Purkinje existentes no músculo cardíaco, o impulso elétrico também é produzido e transmitido.

Seu descobridor foi Jan Evangelista Purkyně. Ele era um neurologista da Universidade de Breslau, na Prússia, que em 1832 pôde observá-los pela primeira vez usando um tipo de microscópio acromático. Cinco anos depois, ele apresentaria sua descoberta à comunidade científica da ex-Boêmia, hoje República Tcheca.

Anos depois, Camillo Golgi, da Universidade de Pavia, na Itália, examinou as células de Purkinje colorindo-as com nitrato de prata, tentando entender um pouco mais sobre o seu funcionamento. Além dele, Santiago Ramón y Cajal, da Universidade de Barcelona, ​​desenvolveria suas próprias pesquisas. Foi em 1906 que ambos cientistas receberam o Prêmio Nobel de Medicina por sua contribuição para a compreensão da estrutura do sistema nervoso.

Como são?

Como já observamos, as células de Purkinje são neurônios inibitórios. Também sabemos que são muito grandes e recebem um grande número de ligações. O Dr. Thomas Launey, diretor da unidade de pesquisa molecular do Instituto Riken, no Japão, é um dos maiores especialistas nessas estruturas cerebrais.

  • Como ele mesmo explica em diferentes trabalhos, eles têm a forma de uma árvore, com dendritos altamente ramificados e um único axônio para enviar impulsos elétricos.
  • Cada corpo celular tem um diâmetro de cerca de oitenta mícrons. Ele também tem um potencial muito forte para inibir os neurônios excitatórios da medula espinhal.
  • Uma de suas principais características é que ele pode “desligar” outros neurônios que estão fora do córtex do cerebelo.
  • Por outro lado, deve-se notar que existem dois tipos de neurônios de Purkinje: células musgosas (que vêm do tronco encefálico) e células trepadeiras (que surgem do tronco encefálico).
Células do cerebelo

Neurônios de Purkinje e suas funções inibitórias

As células de Purkinje estão envolvidas nos processos motores e também na aprendizagem. Não podemos ignorar o grande número de descobertas que estão sendo feitas nos últimos anos sobre as funções do cerebelo, onde essas células serão, sem dúvida, de grande importância.

  • A maioria das células de Purkinje libera um neurotransmissor denominado GABA (ácido gama-aminobutírico), que exerce ações inibitórias em outros neurônios. Desse modo, os impulsos nervosos são reduzidos para poder regular e coordenar nossos movimentos motores.
  • Essa regulação eletrofisiológica é obtida de duas maneiras. Pode ser feita por meio de seus dendritos (ou picos) simples, que exercem uma atividade elétrica que varia de 17 a 150 Hz. Da mesma forma, também pode ativar um tipo mais intenso de impulso elétrico que teria um potencial entre 1 e 3 Hz.
  • Por fim, é interessante saber que também facilitam a concentração durante os processos de aprendizagem.

Células de Purkinje e autismo

A revista Molecular Psychiatry publicou, no início de 2018, um interessante estudo realizado na Universidade de Medicina de Harvard. De acordo com este trabalho, uma disfunção das células de Purkinje do cerebelo poderia mediar o aparecimento do transtorno do espectro autista (TEA). É mais uma hipótese que tem sido trabalhada muito recentemente.

A origem dessa alteração seria genética e receberia o nome de esclerose tuberosa (CET). Foi visto, por exemplo, que muitos pacientes com autismo têm um nível muito baixo desse tipo de neurônio. Isso resulta em problemas para regular o comportamento, os movimentos, aquela hiperestimulação constante que essas pessoas sentem, bem como os déficits sociais decorrentes.

Atualmente, está sendo feito um trabalho na produção de neurônios de Purkinje a partir de células-tronco. Também está sendo desenvolvido um tipo de proteína que pode ajudar as crianças a reativar a funcionalidade e a produção desse importante, porém decisivo, tipo de estrutura. Estaremos, portanto, aguardando mais dados e informações sobre um assunto que, sem dúvida, abre múltiplas possibilidades.


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  • Herzfeld, D. J., Kojima, Y., Soetedjo, R., & Shadmehr, R. (2015). Encoding of action by the Purkinje cells of the cerebellum. Nature526(7573), 439–441. https://doi.org/10.1038/nature15693

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