A forma como o cérebro combina lembranças para resolver problemas
O cérebro abriga nossa mente e nossas lembranças, e confiamos em suas capacidades de processamento de informação quando nos propomos a aprender algo novo. Mas você sabia que o cérebro combina lembranças para resolver problemas?
Os seres humanos têm a capacidade de combinar suas lembranças de maneira criativa para resolver problemas e obter novos conhecimentos. Esse processo depende, em boa medida, das lembranças de acontecimentos específicos. Essas lembranças são conhecidas como memória episódica.
Embora a memória episódica tenha sido amplamente estudada, as teorias atuais não explicam facilmente como as pessoas conseguem usar suas memórias episódicas para chegar a ideias inovadoras. Uma nova pesquisa apresentou uma nova forma de entender a maneira como o cérebro combina lembranças individualmente para resolver problemas.
O estudo, publicado na revista Neuron, foi realizado por uma equipe de neurocientistas e pesquisadores de inteligência artificial da DeepMind, da Universidade Otto von Guericke Magdeburg e do Centro Alemão de Doenças Neurodegenerativas (DZNE).
Novo mecanismo cerebral para recuperar lembranças
Os pesquisadores propõem o seguinte exemplo para explicar como se ativa a recuperação de lembranças. Imagine que você vê uma mulher dirigindo um carro em uma rua qualquer. No dia seguinte, você vê um homem dirigindo o mesmo carro na mesma rua. Esta última imagem pode desencadear a lembrança da mulher que você viu no dia anterior. Consequentemente, você pode refletir que se trata de um casal que vive junto, dado que usam o mesmo carro.
Os pesquisadores propõem um novo mecanismo cerebral que permitiria recuperar as lembranças para ativar a recuperação de outras lembranças relacionadas. Esse mecanismo permite a recuperação de múltiplas memórias vinculadas, que posteriormente permitem ao cérebro criar novos tipos de ideias como essas.
Em comum com as teorias padrão da memória episódica, os autores postulam que as memórias individuais são armazenadas como vestígios de memória separadas em uma região do cérebro chamada hipocampo.
Segundo Raphael Koster, pesquisador da DeepMind e coautor do estudo, as lembranças episódicas podem nos indicar se já conhecíamos alguém ou onde estacionamos nosso carro, por exemplo. “O sistema do hipocampo é compatível com esse tipo de memória, que é crucial para a aprendizagem rápida”, explica.
Diferentemente das teorias padrão, a nova teoria explora uma conexão anatômica negligenciada que sai do hipocampo em direção ao córtex entorrinal vizinho, mas volta a entrar logo em seguida. Os pesquisadores acreditam que essa conexão recorrente é o que permite que as lembranças recuperadas do hipocampo desencadeiem a recuperação de outras lembranças relacionadas.
Como o cérebro combina lembranças para resolver problemas
Os pesquisadores elaboraram uma forma de provar essa teoria por meio de imagens de ressonância magnética funcional de alta resolução. O estudo foi realizado com 26 homens e mulheres jovens enquanto efetuavam uma tarefa que lhes exigia obter informações sobre acontecimentos separados.
Aos voluntários, foram apresentados pares de fotografias: uma de um rosto e outra de um objeto ou um lugar. Cada objeto e cada lugar individual aparecia em dois pares de fotos separadas, cada uma delas associada a um rosto diferente. Isso significa que cada par de fotos estava vinculado a outro par através do objeto ou da imagem do lugar compartilhado.
Em uma segunda fase do experimento, os pesquisadores testaram se os participantes conseguiam inferir a conexão indireta entre os dois rostos vinculados. Isso foi feito mostrando um rosto e pedindo-lhes para escolher entre outros dois rostos. Uma das opções, a correta, fazia par com o mesmo objeto ou imagem do lugar, e a outra não.
Os pesquisadores previram que o rosto apresentado desencadearia a recuperação da memória do objeto ou do lugar com o qual fazia par e, portanto, provocaria uma atividade cerebral que passaria do hipocampo ao córtex entorrinal. Além disso, os pesquisadores também esperavam encontrar evidências de que essa atividade cerebral voltaria depois ao hipocampo para ativar a recuperação do rosto correto.
Usando técnicas especializadas desenvolvidas por eles mesmos, os pesquisadores conseguiram separar as partes do córtex entorrinal que proporcionam informações ao hipocampo. Isso lhes permitiu medir com precisão os padrões de ativação na entrada e saída do hipocampo separadamente.
Os pesquisadores programaram um algoritmo informático para distinguir entre a ativação de cenas e objetos dentro dessas regiões de entrada e saída. O algoritmo foi aplicado somente quando eram mostrados rostos na tela. Se o algoritmo indicasse a presença de informação sobre a cena ou o objeto nesses testes, só poderia ser controlado por memórias recuperadas da cena vinculada ou fotos de objetos.
Segundo a explicação dos pesquisadores, esses dados mostraram que quando o hipocampo recupera uma lembrança, a ativação não passa para o resto do cérebro, mas retorna ao hipocampo. Esse mecanismo seria o que desencadearia a recuperação de outras lembranças relacionadas.
Os pesquisadores acreditam nos resultados do algoritmo como uma síntese de teorias novas e antigas. “Os resultados podem ser considerados o melhor de ambos os mundos: preserva-se a capacidade de se lembrar de experiências individuais, mantendo-as separadas, enquanto, ao mesmo tempo, permite-se que as lembranças relacionadas sejam combinadas no ponto de recuperação”, afirma Dharshan Kumaran, coautor do estudo.
De acordo com Kumaran, essa habilidade é útil, por exemplo, para entender como as diferentes partes de uma história se encaixam, algo que não é possível se apenas se recupera uma lembrança da memória.
Os autores acreditam que os resultados desse estudo podem ajudar a inteligência artificial a aprender mais rapidamente no futuro. Martin Chadwick, coautor do estudo, explica que, embora existam muitos domínios nos quais a inteligência artificial é superior, os humanos ainda têm uma vantagem quando as tarefas dependem do uso flexível da memória episódica. Nesse sentido, Chadwick afirma: “se conseguirmos entender os mecanismos que permitem que as pessoas façam isso, a esperança é poder replicá-los dentro de nossos sistemas de inteligência artificial, proporcionando a capacidade de resolver alguns problemas em muito menos tempo”.
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- Koster, R., Chadwick, M., Chen, Y., Berron, D., Banino, A. y Düzel, E. et al. (2018). Big-Loop Recurrence within the Hippocampal System Supports Integration of Information across Episodes. Neuron, 99(6), 1342-1354.e6. doi: 10.1016/j.neuron.2018.08.009