O cérebro das pessoas com enxaqueca funciona de maneira diferente
Em nossa sociedade existem infinitas doenças invisíveis e a enxaqueca é uma delas. Não é uma simples dor de cabeça, principalmente se levarmos em conta que a pessoa que a sofre passa uma parte de sua vida abrindo mão de infinitas coisas. Quando aparece uma crise, é impossível socializar, cuidar das tarefas mais básicas e até realizar o próprio trabalho normalmente.
Poderíamos dizer que o “estigma da enxaqueca” torna a convivência com essa doença ainda mais complicada. Existem trabalhos de neurologia que recolhem a história dessa condição, apontando que já no século XVIII, as pessoas que a sofriam eram vistas como fracas e irresponsáveis ao usá-la como justificativa para fugir dos deveres sociais.
Esta perspectiva discriminatória não desapareceu completamente hoje. A boa notícia é que a ciência está empenhada em entender os mecanismos que a causam. Tanto que as investigações são frequentemente atualizadas para melhor delinear essa realidade incapacitante.
Desta forma, algo que devemos saber sobre a enxaqueca é que o cérebro de quem sofre dela não funciona da mesma forma que a maioria. Só quem convive com essa doença sabe o que é ser cativo de uma forma de dor que vem das profundezas de nossas redes neurais.
Costuma aparecer na adolescência (às vezes até na infância) e desde então, vira aquele hóspede incômodo que pode ficar até três dias seguidos…
Compreender os mecanismos da enxaqueca pode nos permitir encontrar tratamentos mais adequados.
Pessoas com enxaqueca têm certas particularidades em seu cérebro
A enxaqueca é uma doença neurovascular de origem genética que, segundo dados da Sociedade Espanhola de Neurologia (SEN), afeta 12-13% da população. Afeta mais as mulheres e os pacientes podem levar até dois anos para encontrar um tratamento adequado que lhes proporcione uma qualidade de vida adequada. Porque nesses casos, os analgésicos não funcionam.
Em geral, uma dieta adequada e uma série de medicamentos especializados podem dar algum controle sobre essa condição. Não há cura – no momento -, mas sabemos que é um distúrbio causado pela hiperatividade cerebral e isso nos permite ter medicamentos projetados exclusivamente para esse fim.
No entanto, para garantir o bem-estar, é importante que a pessoa que recebe esse diagnóstico conheça a anatomia de sua própria doença. Isso lhe dará uma visão mais ampla e abrangente do que está acontecendo com você. Existem formas cada vez melhores de lidar com a dor e vale a pena descobrir, por exemplo, que quem sofre de enxaqueca apresenta certas peculiaridades neurológicas.
Se você sofre de enxaqueca, não fique no escuro. Procure informações credenciadas, profissionais especializados e grupos de apoio.
Alterações no fluxo sanguíneo e na atividade metabólica do córtex
A Universidade da Califórnia fez muitas pesquisas há alguns anos sobre pessoas com enxaqueca. Existem componentes anatômicos no cérebro desses pacientes que chamam a atenção. Em primeiro lugar, sabemos que há alterações no fluxo sanguíneo e na atividade metabólica do córtex cerebral.
Além disso, aprecia-se uma impressionante excitabilidade cortical, aspecto sem dúvida bem conhecido e que está ligado à hiperatividade cerebral. Isso explica desde as sensações visuais anormais, até aquela sensibilidade no olfato. São pequenas características que demonstram, sem dúvida, a origem neurológica da doença que tanto altera a vida de quem a sofre.
O tronco cerebral em pessoas com enxaqueca funciona de maneira diferente
O tronco cerebral é aquela região de sinalização entre o cérebro e a medula espinhal, regulando as funções involuntárias básicas. Bem, poderíamos dizer que boa parte da fisiopatologia das pessoas com enxaqueca vem dessa área. Foi visto que há uma alteração no tronco cerebral e que isso leva a tonturas, vertigens, náuseas, etc.
A via trigeminal e dor latejante
Atualmente, existem terapias para enxaqueca que visam promover a estimulação do nervo trigêmeo para reduzir os sinais de dor. Agora, mas o que esse nervo tem a ver com essa doença? A verdade é que a influência do sistema trigeminovascular no desenvolvimento desta doença já está demonstrada há algum tempo e está ligada ao gene da calcitonina (CGRP).
Existe um neuropeptídeo que aumenta o fluxo sanguíneo venoso jugular durante um ataque de enxaqueca, daí a dor latejante e excruciante.
A enxaqueca é um distúrbio neurológico comum caracterizado por uma fisiopatologia complexa, que varia de hiperexcitabilidade a certas alterações genéticas.
Células gliais e células vasculares no cérebro com enxaqueca
Existe outra peculiaridade única no cérebro das pessoas com enxaqueca. Os sinais eletrocorticais entre as células gliais e vasculares são prejudicados. Essa excitabilidade neuronal é um aspecto que pode ser observado nas imagens de ressonância magnética e que, por sua vez, tem possibilitado o aprimoramento dos medicamentos para seu tratamento.
Anormalidades na estrutura do cérebro
Como bem sabemos, existem diferentes tipos de enxaqueca. Há com aura e sem aura, há retinianas, hemiplégicas, etc. Em um estudo realizado em colaboração com várias universidades, eles descobriram algo surpreendente. Os diferentes tipos de enxaqueca causam anormalidades da substância branca e da substância cinzenta, lesões todas semelhantes às causadas por um acidente vascular cerebral.
Algumas recomendações
É muito possível que todos esses dados impactem e até gerem confusão. Saber que o próprio cérebro apresenta todas essas pequenas alterações costuma ser assustador. Porém, como já apontamos, a ciência continua avançando e o mais importante é contar com o apoio especializado. Além disso, também é vital encontrar os tratamentos que melhor se adaptam às nossas características.
De nossa parte, se você faz parte deste grupo, recomendamos o seguinte:
- Informe-se sobre a doença de fontes e organizações autorizadas e especializadas.
- Procure os profissionais de saúde mais adequados. Aqueles que te passam mais confiança e empatia.
- Procure grupos de apoio e pessoas que estão passando pela mesma coisa.
- Cuide da sua alimentação, evitando principalmente os produtos que contenham histamina.
- Aprenda técnicas para regular o estresse.
- Integre técnicas de relaxamento em sua vida.
- Faça alguma atividade física.
- Cuide dos seus hábitos de sono.
- Conheça os gatilhos que ativam suas enxaquecas.
Para concluir, apesar de não termos atualmente um tratamento que cure esta doença neurológica, podemos encontrar aqueles recursos que nos permitem uma boa qualidade de vida.
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