O que acontece em nosso cérebro quando passamos do amor ao ódio?

Você já experimentou uma sensação de ódio pontual em relação a uma pessoa que você amava? Essa experiência contraditória é mais comum do que pensamos e tem uma explicação neurológica. Neste artigo vamos falar sobre isso!
O que acontece em nosso cérebro quando passamos do amor ao ódio?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 14 janeiro, 2024

Você já experimentou algum “relacionamento tempestuoso”? Existem relações afetivas mais apaixonadas que levam, quase sem saber como, ao precipício do ódio. Há também irmãos cujo vínculo oscila entre a cumplicidade e as divergências marcantes. E o que podemos dizer sobre algumas amizades?

Na verdade, há momentos em que você odeia seus amigos mais próximos. Então, pouco depois, você pensa que eles são as melhores pessoas do mundo. Na verdade, como ser humano, você é capaz de vivenciar estados emocionais realmente complexos, nos quais estão presentes emoções que poderiam ser consideradas contrárias ou incompatíveis. Por que isso acontece? Existe algum tipo de falha no cérebro humano?

É coisa nossa ou há alguma falha em nosso cérebro ? Na verdade, do amor ao ódio há mais de um passo. O que existe é uma via de mão dupla com duas faixas. As emoções mais poderosas e definidoras do ser humano são também as mais conhecidas pela neurociência. Portanto, podemos dar explicações interessantes sobre por que experimentamos esse sentimento desconcertante, o de amar e odiar alguém ao mesmo tempo.

A literatura e o cinema nos fizeram ver que quanto mais intenso é o amor, mais intenso pode ser o ódio. Agora a ciência prova que essa premissa está correta.

imagem representando amor e ódio no cérebro
A ínsula é a região do cérebro que orquestra emoções ambivalentes.

Amor e ódio no cérebro: um fenômeno emocional mais tempestuoso

O amor pode se transformar em ódio em questão de segundos. Em quase menos tempo do que leva para estalar os dedos. Um evento em um determinado momento pode mudar tudo em um nível emocional. Essa estranha alquimia sempre atraiu a atenção do cinema, da televisão e da literatura. E, claro, ciência. Basta ter um desentendimento para que, instantaneamente, apareça aquela emoção inquietante e vulcânica que arrasta e nubla tudo: o ódio.

Costuma-se dizer que só podemos odiar quem amamos de vez em quando. A frase soa muito poética, porém, ódio e desprezo também podem surgir em relação a pessoas com as quais não temos vínculo relacional. No entanto, o ressentimento que surge diante de uma figura próxima e que faz parte de nossas vidas configura uma experiência única e, às vezes, até perigosa.

Às vezes, o ódio também pode levar à agressividade e isso é uma ocorrência frequente em contextos afetivos e familiares. Um exemplo disso é a violência que surge nas relações conjugais ou nos vínculos pais-filhos. Há momentos em que quem mais nos ama, pode ser quem mais nos machuca.

“Você sabe que quando eu te odeio é porque eu te amo ao ponto de paixão que deixa minha alma louca.”

-Julie de Lespinasse-

A região insular, território de tormento emocional

Os avanços nas técnicas de neuroimagem nos permitiram entender muitos dos mistérios do mundo da neurociência. O amor e o ódio no cérebro são estudados há algum tempo por meio de ressonância magnética. Assim, um dos trabalhos mais notáveis é o realizado pela University College of London em 2008.

Algo que foi descoberto é que a ínsula é aquela região do cérebro que modula a intensidade e a valência emocional, ou seja, se aquela emoção vivenciada é positiva ou negativa. Um fato revelador que foi descoberto é como nessa área se produz o que já conhecemos como “efeito de excitação da emoção”.

É um fenômeno em que um estado emocional muda de positividade (amor) para negatividade (ódio) em questão de segundos. A ínsula é o que nos submete a esses estados de absoluta ambivalência em que alternamos do afeto mais intenso ao desprezo mais devastador…

Quando o amor e a agressividade compartilham as mesmas regiões cerebrais

Amor e ódio no cérebro compartilham os mesmos caminhos e estruturas cerebrais. O neurologista Semir Zeki, autor do trabalho citado acima, aponta que tanto a própria ínsula quanto o putâmen são ativados durante essas duas emoções. Não há distinção. Experimentamos nos apaixonar nas mesmas regiões neurais em que sentimos ódio, desprezo e desafeto por alguém em particular.

Da mesma forma, é importante notar que a agressividade e o comportamento violento podem ser ativados nessas mesmas áreas do putâmen e da ínsula. Chama a atenção que eventos como o desejo de vingança e o desejo de prejudicar sejam processados nas mesmas estruturas que mediam o amor romântico.

Isso explica muitos comportamentos violentos dentro dos relacionamentos. Há quem, movido por ciúmes, ódio momentâneo ou desafeto, traduza essa emoção perturbadora em agressão. E ele faz isso apesar de amar a pessoa que ele fere. Obviamente, muitas outras variáveis mediam esse tipo de reação, como o controle de impulsos ou os modelos educacionais com os quais se cresceu.

Vivenciar o amor e o ódio ao mesmo tempo gera uma grande contradição e também um esgotamento. No entanto, essa ambivalência emocional serve a um propósito: aumentar a autoconsciência.

Homem apoiando seu parceiro
Em situações de ambivalência emocional, lutemos para que o amor sempre saia triunfante.

A ambivalência emocional tem um propósito

Pode ser perturbador que o amor e o ódio no cérebro sejam como uma estrada de mão dupla. Também que, em certas pessoas, pode ser o mecanismo que desencadeia a violência. No entanto, há outro fato que deve nos fazer refletir.

A ambivalência emocional, entendida como vivenciar dois sentimentos contraditórios ao mesmo tempo, tem um fim e um sentido. A Dra. Laura Ress, da Universidade de Michigan, indica em um estudo que essa sensação desconfortável nos leva à autoconsciência. Também à obrigação de julgar, de tomar uma decisão.

Esse desconforto psicológico que deriva da contradição de nossas emoções mostra um desconforto. Há algo que não está indo bem nessa relação e, portanto, devemos resolver. É aqui que entram em jogo processos como a reflexão e a inteligência emocional.

Assim, antes de nos deixarmos levar por gritos e desavenças, promovamos o diálogo, resolvamos nossas diferenças. Que o amor sempre supere o ódio.


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