Pensamento episódico futuro: como o cérebro nos prepara?

Você sabe quais processos estão envolvidos na elaboração de planos e na tomada de decisões? Aqui falaremos sobre um deles: o pensamento episódico futuro.
Pensamento episódico futuro: como o cérebro nos prepara?

Última atualização: 13 dezembro, 2020

“Viva o presente, viva o aqui e agora.” Claro que você já leu ou ouviu essa frase, certo? Você pode até tentar ou já tentou aplicá-la. Porém, é inevitável lembrarmos do passado e nos imaginarmos no futuro. Isso é conhecido como pensamento episódico futuro.

O que, especificamente, é o pensamento episódico futuro? Para que serve? Como se desenvolve durante a infância? Está relacionado de alguma forma a certas psicopatologias? Se você quiser encontrar respostas, continue lendo.

O que é o pensamento episódico futuro?

O termo foi cunhado por Cristina M. Atance e Daniela K. O’Neill com base no conceito de memória episódica de E. Tulving. Esse tipo de memória está relacionada à capacidade de lembrar e reviver eventos passados ​​com referência autobiográfica.

Os seres humanos têm a capacidade de se imaginar no futuro. Isso é essencial para o planejamento, para a tomada de decisões, para o julgamento e o cumprimento das metas. Esse pensamento episódico futuro nos permite fazer uma “pré-exposição” a um evento ou situação futura.

Essa recriação de imagens mentais ocorre durante a fase de planejamento das verdadeiras intenções e é uma parte essencial desse planejamento. Pessoas com verdadeiras intenções planejam com mais seriedade e detalhes, e confiam mais no pensamento episódico futuro.

Mulher pensando

Conceitos relacionados

Por um lado, a memória prospectiva está intimamente relacionada  ao pensamento episódico futuro. Essa memória é o que nos permite relembrar o que temos que fazer no futuro (por exemplo, ir a uma consulta médica).

Existem três processos envolvidos na memória prospectiva: fazer um plano, relembrar esse plano e lembrar a nós mesmos, no futuro, que devemos executá-lo. Como vimos, para desenvolver um plano de ação, podemos usar o pensamento episódico futuro.

Por outro lado, Atance e O’Neill explicam que existe uma relação importante entre a habilidade de reviver mentalmente episódios passados ​​(memória episódica) e a habilidade de imaginar episódios que alguém pode experimentar no futuro (pensamento episódico futuro).

Por último, deve-se mencionar que o pensamento episódico futuro também está intimamente relacionado ao conceito de consciência autonoética de Tulving. Refere-se à capacidade do ser humano de se dar conta da própria existência por meio do tempo subjetivo e de se representar.

A consciência autonoética, juntamente com a memória episódica, ou seja, a capacidade de ter consciência de nós mesmos e de poder recordar acontecimentos autobiográficos do passado, é o que nos permite usar essas representações do passado para projetá-las no futuro. Em outras palavras, ambas as capacidades são necessárias para iniciar o pensamento episódico futuro e desenvolver planos de ação.

Essas habilidades surgem ao mesmo tempo e estão conectadas por uma base anatômico-funcional comum. O lobo frontal e o lobo temporal medial estão relacionados à memória episódica e ao planejamento.

Como se desenvolve o pensamento episódico futuro?

As habilidades desenvolvidas a partir da teoria da mente são essenciais para atribuir estados mentais próprios e de outros. Isso nos permite, por sua vez, nos projetarmos mentalmente no futuro.

Crianças “neurotípicas” ou com desenvolvimento típico começam a compreender seus próprios estados mentais e os dos outros (a teoria da mente) por volta dos 2 anos de idade, e continuam a se desenvolver até a idade pré-escolar. Enquanto isso, sabemos que a memória episódica e as habilidades de pensamento episódico futuro surgem por volta dos 4 anos de idade.

Por outro lado, parece que as crianças começam a compreender a noção de futuro por volta dos 3 anos. No entanto, é apenas com 12 anos que elas realmente entendem o conceito. Entre 2 e 3 anos, as crianças já começam a incluir palavras relacionadas a eventos futuros em seu vocabulário.

Entre os 3 e os 5 anos, a capacidade de planejar o futuro se desenvolve, ainda que apenas na linguagem e se referindo mais a desejos do que a verdadeiros objetivos. A partir dos 5 anos, as crianças já começam a ser capazes de fazer planos e tomar decisões para atingir determinados objetivos.

Menino pensando com bom humor

Relação com a psicopatologia

Como mencionamos, as habilidades relacionadas à Teoria da Mente parecem essenciais para o pensamento episódico futuro. Por esse motivo, espera-se que crianças com transtorno do espectro do autismo, sem a teoria da mente, tenham dificuldades em planejar e pensar no futuro.

Isso pode estar relacionado aos comportamentos estereotipados e repetitivos que essas crianças apresentam e à falta de flexibilidade. Suddendorf & Corballis afirmaram que esses comportamentos inflexíveis e estereotipados podem se refletir na incapacidade das crianças com TEA de se verem no futuro.

Estudos nos quais crianças autistas foram solicitadas a descrever eventos (passados ​​ou futuros) demonstraram diminuição da memória episódica e capacidade de antecipação em crianças autistas em comparação com crianças “neurotípicas”.

Por outro lado, o pensamento episódico futuro tem sido associado a outros transtornos, como  ansiedade e depressão, nos quais o pensamento episódico futuro pode estar intimamente relacionado à ruminação e à ansiedade antecipatória.

Pacientes com transtorno de ansiedade generalizada, em particular, são caracterizados por pensamentos futuros inespecíficos e negativos. Isso torna qualquer visualização de um cenário futuro irreal, abstrata e negativa. Isso levanta uma grande preocupação sobre o evento negativo que eles antecipam que ocorrerá.


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  • Atance, C. M., & O’Neill, D. K. (2001). Episodic future thinking. Trends in Cognitive Sciences, 5(12), 533-539. doi://dx.doi.org/10.1016/S1364-6613(00)01804-0

  • D’Argembeau, A., & Mathy, A. (2011). Tracking the construction of episodic future thoughts. Journal of Experimental Psychology: General, 140(2), 258. doi://dx.doi.org/10.1037/a0022581

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