Por que as pessoas com demência têm dificuldade para engolir a comida?
Qualquer pessoa que tenha um parente ou conhecido com a doença de Alzheimer já terá enfrentado esta realidade. As pessoas com demência têm dificuldade para engolir a comida e também para beber. Na verdade, é tão impressionante quanto devastador o fato de que chega um momento em que essas pessoas não conseguem nem mesmo mastigar e engolir.
Será porque houve uma mudança na sua personalidade? Será porque talvez perderam a vontade de comer? Em absoluto. Esse fenômeno é chamado de disfagia e tem origem cerebral.
Disfagia como sintoma de demência
A disfagia (ou dificuldade para engolir) ocorre porque há danos nos mecanismos neurológicos que regulam o movimento dessas áreas básicas na alimentação. Juntamente com isso, há um outro fator: o ato de comer também exige a utilização de tarefas cognitivas.
Cortar alimentos, pensar quando colocar uma colher ou garfo na boca, ou até mesmo decidir quando começar ou parar de mastigar são processos cognitivos altamente complexos. Para nós, estes são atos completamente automatizados. No entanto, basta olhar de perto para as doenças neurodegenerativas para tomar consciência de muitas coisas.
Este não é um problema que ocorre apenas em situações isoladas, mas sim que afeta uma grande porcentagem dos pacientes com doenças neurológicas. De fato, estima-se que até 84% das pessoas com demência apresentarão disfagia. No entanto, nem sempre se detecta o problema a tempo.
A detecção precoce é essencial para evitar os riscos associados às dificuldades para engolir derivadas da demência:
- Desidratação ou desnutrição, uma vez que a pessoa não consegue ingerir todos os nutrientes ou a quantidade de alimentos de que necessita. Afinal, a disfagia dificulta a alimentação adequada do paciente.
- Pneumonia por causa da aspiração de sólidos e líquidos. Ocorre quando o alimento desliza acidentalmente na traqueia e chega aos pulmões.
As pessoas com demência têm dificuldade para engolir a comida: por que isso acontece?
Recusar-se a comer, fechar a boca ou cuspir qualquer coisa que for dada com uma colher. É muito comum que, ao atingir os estágios mais avançados da doença de Alzheimer, apareçam fenômenos muito complexos durante a alimentação. É então que a família entra em contato pela primeira vez com o quadro neurológico da disfagia.
Por outro lado, é muito possível que mais de uma pessoa diga para si mesma que “bem, eu também engasgo durante as refeições ao beber ou comer algo específico!”. De fato, isso já aconteceu com todos nós em algum momento. Essas experiências tão desconfortáveis ocorrem porque, embora possa não parecer, comer e beber são funções complexas realizadas pelo cérebro e muitas delas requerem controle consciente.
Primeiros problemas na alimentação das pessoas com demência
Nos estágios iniciais, é comum entrar em contato com fenômenos muito específicos da demência. Sabemos reconhecer o esquecimento, a desorientação espacial e também a perda progressiva da capacidade para expressar e compreender a linguagem. No entanto, às vezes, alguns processos associados à alimentação passam despercebidos. São os seguintes:
- Diante da sensação de fome ou sede, a pessoa pode reagir de forma emocional e não comportamental. Ou seja, em vez de comer ou beber, ela se deixa levar pelo mau humor ou pela irritabilidade.
- Muitos perdem a coordenação motora fina e a destreza manual, de forma geral. Isso se traduz em problemas para cozinhar e também para cortar a comida. Geralmente levam pedaços muito grandes à boca, o que aumenta o risco de engasgar.
- Além disso, nas fases intermediárias da demência de Alzheimer, já aparece a dificuldade para engolir. Embora a pessoa tente, às vezes ela não consegue. A parte automática da deglutição de água ou comida se torna limitada.
- Outras vezes, a pessoa não consegue formar o bolo alimentar porque não mastiga. Ou seja, ela fica com a porção de comida na boca, sem fazer nada.
As pessoas com demência têm dificuldade para engolir a comida por causa da disfagia
De acordo com um estudo, as pessoas com demência têm dificuldade para engolir a comida nos estágios iniciais. Embora seja verdade que a disfagia como tal apareça em estágios avançados da doença de Alzheimer, os problemas de deglutição aparecem mais cedo.
Além disso, é importante notar que esses problemas também surgem em adultos com idade avançada. No entanto, quando se trata de doenças neurodegenerativas, sabemos que surgem alterações corticais e biomecânicas.
Existem redes neurais que param de funcionar, o que causa a dificuldade para engolir e também alterações nas funções executivas. É por meio delas que a pessoa decide quando engolir, quando mastigar, etc.
Terapia MDTP (McNeill Dysphagia Therapy Program)
A MDTP é uma terapia que atua no mecanismo da passagem da comida desde a boca até o estômago (deglutição). Por meio dela, busca-se que a pessoa possa coordenar e controlar melhor esse processo no contexto das sua atividades diárias de alimentação.
Ao contrário de outras terapias, a MDTP não se baseia em repetir uma técnica várias vezes, pois, após analisar a situação e o caso do paciente, ela se concentra no desenvolvimento e aprimoramento das capacidades fisiológicas que ainda estão intactas, a fim de melhorar a força, a velocidade e a coordenação durante o consumo dos alimentos.
Essa terapia utiliza o exercício de engolir com força e uma hierarquia específica de nutrição com tarefas que desafiam o sistema de deglutição do paciente. O programa fornece ao terapeuta orientações detalhadas para avançar, manter ou regredir um paciente, de acordo com o seu desempenho.
Conforme a terapia progride, as demandas aumentam por meio de um aumento progressivo das resistências, velocidades, tempo e especificidade do movimento ao engolir os alimentos.
O que fazer se um parente tiver dificuldade para engolir?
Sabemos que as pessoas com demência têm dificuldade para engolir a comida. Então, o que fazer se tivermos um parente com essa grande limitação?
Trata-se de uma realidade altamente complexa em que aparece o medo de que a pessoa venha a engasgar. Por isso, nessas situações, é necessário consultar fonoaudiólogos e especialistas em alimentação associada ao Alzheimer.
Em geral, são muito úteis as seguintes orientações:
- Certificar-se de que a pessoa se alimente com as costas retas e com a cabeça levemente inclinada para evitar engasgar.
- Optar por preparar alimentos que tenham uma textura adequada para a deglutição. Por exemplo, os purês podem cobrir todas as necessidades de água e energia para a pessoa. Por sua vez, vamos evitar alimentos pegajosos, como o mel, ou alimentos fibrosos, tais como alcachofras, ainda que tenham sido preparados em forma de purê.
- Ter a consciência de que a alimentação deste parente vai exigir mais tempo e paciência. Daremos a comida em pequenas quantidades, com uma colher de sopa ou de sobremesa, certificando-nos de que a boca esteja vazia após cada porção. É importante lembrar que a colher deve tocar a base da língua, pois assim se estimula a deglutição. Também é possível usar copos especiais para disfagia.
- Manter uma rotina em termos dos horários das refeições, local, posição e tarefas antes e depois da refeição.
- Alimentar o paciente em um espaço tranquilo, sem distrações.
- Manter a pessoa com as costas retas após as refeições, durante uma hora, para facilitar a digestão.
O que fazer se o meu parente engasgar?
Avalie a situação e verifique se o engasgamento obstruiu as vias aéreas de forma parcial ou total. Para saber o grau de obstrução, basta observar. Se a pessoa conseguir falar, gritar ou tossir, trata-se de uma obstrução parcial. Nestes casos, você deve deixar a pessoa tossir até eliminar por conta própria o que estiver causando a obstrução. Não dê tapinhas nas suas costas porque você corre o risco de que o pedaço de comida fique alojado ainda mais profundamente, causando assim uma obstrução total.
Quando há uma obstrução total, a pessoa não consegue ter nenhum dos comportamentos acima (tossir, gritar, falar). Além disso, ela agarra o pescoço com as mãos e seus lábios ficam roxos por causa da falta de oxigênio. Nesses casos, o que você deve fazer é tranquilizar a pessoa, dizendo que está ali para ajudá-la, incentivando-a a tossir para desobstruir as vias aéreas. Fique alerta caso seja necessário aplicar os primeiros socorros.
No entanto, para concluir, recordamos que sempre é decisivo contar com o apoio de especialistas diante destas circunstâncias. Por esse motivo, procure consultar fonoaudiólogos e outros especialistas. Eles podem recomendar shakes fáceis de engolir e que sejam enriquecidos com nutrientes, ou implementar exercícios com o paciente para melhorar a sua capacidade de deglutição. Afinal, favorecer a qualidade de vida dos nossos familiares é o principal objetivo.
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