Psicofarmacologia: o que é e como surgiu?

Psicofarmacologia: o que é e como surgiu?
Beatriz Caballero

Escrito e verificado por a psicóloga Beatriz Caballero.

Última atualização: 24 janeiro, 2023

Foi apenas no século XIX que cientistas franceses e alemães estudaram pela primeira vez o comportamento do ser humano a partir de uma perspectiva adaptativa. Foi aí que teve início um novo paradigma que passou a considerar os problemas mentais como transtornos, possibilitando também o pensamento e a busca por tentativas de controlar os sintomas desses transtornos por meio da psicofarmacologia.

Muitos psiquiatras ficaram aliviados e gostaram muito da ideia de seu objeto de estudo enfim entrar para a lista do que era considerado ciência, podendo se afastar de outras teorias mentalistas como as de Freud e Jung. Graças à história de pessoas como Bessel Van Der Kolk, podemos conhecer mais da verdadeira história da psicofarmacologia e algumas de suas influências nos dias de hoje.

O começo da psicofarmacologia

No início dos anos 50, um grupo de cientistas franceses descobriu a clorpromazina, uma substância vendida com diversos nomes nas farmácias. Ela ajudava a tranquilizar os pacientes, reduzindo sintomas como agitação e delírios. Antes do descobrimento dessa droga, o principal tratamento para todas as doenças mentais no Centro de Saúde Mental de Massachusetts (de sigla MMHC) era a terapia como conhecemos hoje, derivada do método psicanalítico de Freud.

Ao fim dos anos 60, Bessel Van Der Kolk foi testemunha do nascimento da psicofarmacologia. Ou seja, viu a transformação dos tratamentos médicos em relação ao sofrimento mental. Bessel trabalhou como auxiliar de pesquisa no MMHC, com o objetivo de determinar a melhor forma de tratar jovens que haviam sofrido seu primeiro surto psicótico.

Bessel se dedicava a manter os jovens interessados em atividades populares para sua faixa de idade, e passava muito tempo com eles. Observava detalhes para os quais os médicos nunca olhavam durante suas visitas, já que estas eram muito rápidas. Especialmente durante as noites de insônia, os pacientes podiam contar histórias de sua vida, sobre como haviam sido maltratados, abusados, como tinham apanhado e sofrido…

O poder da escuta ativa e dos tratamentos psicofarmacológicos

Durante as visitas médicas que eram rotina pela manhã, os auxiliares do MMHC apresentavam os casos que estavam acompanhando a seus superiores, mas muito raramente relatavam as histórias que os pacientes contavam sobre suas vidas. Muitos estudos posteriores, no entanto, já confirmaram a relevância dessas confissões e conversas.

“Era surpreendente a frieza com a qual falavam dos sintomas dos pacientes, e quanto tempo passavam tentando controlar suas ideias suicidas e seus comportamentos autodestrutivos ao invés de tentar compreender as possíveis causas da desesperança e da impotência”.
-Bessel Van Der Kolk-

Outra coisa surpreendente era a pouca atenção dada aos pequenos sucessos e às vontades dos pacientes, assim como a seus relatos sobre as pessoas que amavam e odiavam, suas motivações, suas ocupações, seus bloqueios… Bessel consultava os prontuários, mas também perguntava diretamente aos pacientes sobre suas vidas, e muitos se sentiam tão agradecidos e inclusive melhores que questionavam até a necessidade de continuar com o tratamento.

A realidade supera a ficção

As alucinações corporais são muito frequentes na esquizofrenia, assim como as alucinações sexuais. A maioria delas traz os mesmos sentimentos e sensações que situações reais. Bessel se perguntava, então, se aquelas histórias que escutava nas horas frias das madrugadas de fato correspondiam à realidade.

Existe uma linha clara que divide a memória e a imaginação? E se na verdade as alucinações fossem fragmentos de memórias e recordações de experiências passadas reais? O que as pesquisas já demonstraram é que muitos comportamentos violentos, estranhos ou autodestrutivos são produto de traumas do passado em momentos em que os pacientes se sentem frustrados, confusos ou incompreendidos.

 

Bessel se surpreendia e ficava até mesmo chocado com a expressão de satisfação que era possível ver no rosto dos profissionais após jogar um paciente contra o chão, imobilizá-lo e aplicar uma dose de remédio por injeção. Pouco a pouco ele foi se dando conta de que a orientação médica era fazer o que fosse necessário para não perder o controle sobre os pacientes, mesmo que em muitas ocasiões isso significasse fazer algo que não fosse o ideal ou mesmo ruim para eles.

A revolução farmacológica

Devido à administração de remédios antipsicóticos, os pacientes residentes psiquiátricos dos Estados Unidos tiveram uma redução de 500.000 em 1955 para 100.000 em 1996. Progressivamente, os pacientes foram sendo liberados, com alguns hospitais fechando suas portas e outros mudando seus nomes para “manicômio”, que tem origem na palavra santuário.

Em 1968 a mais famosa revista científica de psiquiatria, American Journal of Psychiatry, publicou o resultado do estudo em que Bessel havia participado, demonstrando que os pacientes esquizofrênicos que só receberam remédios obtiveram resultados melhores em seus tratamentos que aqueles que apenas falaram com os terapeutas da instituição três vezes por semana. Nos anos 70, os cientistas começaram a encontrar evidências que associavam níveis anormais de algumas substâncias cerebrais com diferentes transtornos, como depressão e até a esquizofrenia.

Para os pesquisadores reportarem seus resultados de um modo preciso e sistemáticos, eles precisavam de critérios de diagnóstico para a classificação dos pacientes. Essa necessidade deu lugar ao primeiro sistema para diagnosticar os problemas psiquiátricos de modo sistemático: o Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM) da Associação Americana de Psiquiatria. Em 1980, foi reconhecido que esse sistema diagnóstico era impreciso, ainda que faltasse outra opção melhor. Hoje ele ainda é a referência mais aceita e segue sendo empregado como uma ferramenta fundamental da prática clínica.

A vitória da psicofarmacologia

Os remédios permitiam que os médicos fossem mais eficazes no seu tratamento, aumentando o sucesso e os benefícios de suas práticas. Além disso, as novas perspectivas geraram mais laboratórios repletos de estudantes e instrumentos sofisticados de pesquisa. A cientificação do tema pareceu cobrar também um ar mais sério, mais sistemático, agora que muito podia ser estudado por meio da química e da biologia.

Foi assim que os departamentos de psiquiatria, que ficavam nas piores salas das universidades, começaram a ganhar prestígio. Suas salas passaram as ser as salas de destaque. Nos anos 90, Bessel observou que os únicos lugares do MMHC em que se podia ter algum bem-estar físico (como piscina, academia) foram transformados em laboratórios para presentear os pacientes.

O outro lado da moeda é que hoje as principais revistas médicas raramente publicam ou financiam estudos sobre tratamentos de problemas de saúde mental que não envolvem remédios. Pesquisas também têm a exigência de protocolos controlados e padrões que não se adaptam às necessidades individuais de pacientes. Enquanto isso, seguem aumentando a hipermedicalização por meio da combinação de medicações psiquiátricas e analgésicas.

Definitivamente a revolução farmacológica trouxe muitos benefícios para a psiquiatria. Teorias biológicas que explicam os desequilíbrios químicos do cérebro são de grande avanço. Mas também há o outro lado, o lado negativo: os planos de intervenção para o tratamento de pacientes pioraram em muitos casos. A parte negativa do avanço da farmacologia é que ela tirou o espaço da terapia, jogando-a para um segundo plano e nos impedindo de resolver as causas por trás dos problemas psiquiátricos. Tratam-se os sintomas, mas as causas seguem sendo ignoradas.

Referências bibliográficas

  • Van der Kolk, B. A. (1994). The body keeps the score: Memory and the evolving psychobiology of posttraumatic stress. Harvard review of psychiatry, 1(5), 23-30.

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  • Van der Kolk, B. A. (1994). The body keeps the score: Memory and the evolving psychobiology of posttraumatic stress. Harvard review of psychiatry, 1(5), 23-30.

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