A psicologia da testemunha

A psicologia da testemunha
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 26 julho, 2019

A figura da testemunha é uma peça fundamental em um julgamento, por isso a psicologia da testemunha tem uma importância tão grande neste âmbito.

O que a testemunha transmite pode servir de apoio às diferentes provas físicas que são apresentadas perante o juiz. No entanto, seu depoimento não pode ser tomado como um dogma. Às vezes, mesmo que não se queira acreditar, ela pode não estar dizendo toda a verdade, tanto porque pode estar mentindo de forma deliberada, quanto porque a lembrança do que ela viveu foi distorcida.

A psicologia da testemunha tenta estudar, compreender e lidar com os problemas mnemônicos que afetam um indivíduo e que podem influenciar a emissão de seu testemunho perante um juiz. Até que ponto as informações que ela forneceu podem ser levadas a sério? No final das contas, a testemunha é um ser humano e, como tal, existem inúmeros efeitos que podem afetar suas memórias.

A memória na psicologia da testemunha

Sempre acreditamos que a nossa memória é infalível. Eu me lembro disso ou daquilo como se fosse ontem. Ou também: é algo que nunca vou esquecer. Quantas vezes já dissemos/pensamos em frases semelhantes? Bem, embora possamos nos lembrar de eventos que aconteceram há muito tempo, as imagens mentais que reproduzimos não se ajustam tanto quanto pensamos à forma como vivemos o evento na época.

Elas nem sequer se parecem com a forma como lembramos dela dois dias atrás. A nossa memória é manipulada pelo passar do tempo e pelos efeitos de informações errôneas. Evidentemente, quanto mais o tempo passa, a clareza de nossa memória diminui e se transforma.

Por mais estranho e incomum que pareça, podemos chegar a nos lembrar de algo, por exemplo, que nunca vivemos. A psicologia da testemunha analisará esses processos para tentar minimizar os erros que podem ser cometidos.

Os enigmas da mente humana

O efeito da informação errônea

Elizabeth Loftus, juntamente com seu colega Palmer, realizou um estudo para demonstrar que, depois de testemunhar um evento, se mais tarde nos fornecerem informações adicionais sobre o que aconteceu, podemos adaptar a memória inadvertidamente para se encaixar a essa nova informação.

No experimento em questão, foi pedido que os participantes vissem um acidente entre dois carros. Posteriormente, foi dito aos espectadores que eles deveriam determinar a velocidade de ambos os carros.

No entanto, a pergunta foi formulada usando um verbo diferente para cada grupo: colidir, chocar, impactar, etc. Cada um deles tinha conotações diferentes associadas a como os utilizamos em nossa linguagem cotidiana. Assim, embora todos os participantes do estudo tivessem visto o mesmo acidente e na mesma velocidade, a verdade é que, quando mais tarde avaliaram a força do choque, colisão, impacto… a maioria deles emitiu uma resposta de acordo com o verbo utilizado na pergunta.

Fatores que influenciam a informação errônea

Não existem apenas fontes, mas também condições que podem induzir informações errôneas, chegando a modificar a memória de um evento. Quando, por exemplo, ocorre um acidente, é normal que os espectadores comentem os detalhes. Pode ocorrer que, sem intenção maliciosa, um deles introduza algum elemento falso e acabe contaminando a memória do resto.

Por isso, uma das soluções propostas é tentar evitar que as potenciais testemunhas conversem entre si. Da mesma forma, os meios de comunicação muitas vezes usam pessoas que testemunharam ou ouviram algo, informando, assim, de maneira pouco clara ou muito tendenciosa.

Por outro lado, o tempo decorrido desde que observamos o fato até que façamos o relato do que aconteceu será decisivo. Quanto mais tempo se passar, mais fácil será aceitarmos dados falsos como verdadeiros. Por quê? A informação é menos recente. Por causa disso, é menos provável que percebamos discrepâncias em nossa memória e novas informações à medida que nos afastamos da data do incidente.

A entrevista cognitiva na psicologia da testemunha

Um dos meios utilizados para tentar obter o máximo possível de informação de qualidade é a entrevista cognitiva. Ela foi desenvolvida em 1984 por Fisher e Geiselman quando observaram que a polícia perdia boa parte das informações em seus interrogatórios por falta de habilidade. Além disso, pela mesma razão, gastavam recursos para seguir pistas falsas.

A psicologia da testemunha influenciou o desenvolvimento e aprimoramento da entrevista cognitiva, modelo desenvolvido para melhorar a relação entre o entrevistado e o entrevistador. A entrevista cognitiva baseia-se na criação de um rapport, um relacionamento próximo e primordial para estabelecer uma atmosfera de confiança e conforto. Por não se sentir intimidado, o entrevistado tenderá a fornecer muito mais informações.

Mulher dando depoimento em delegacia

Em que consiste a entrevista cognitiva?

A entrevista cognitiva usa perguntas abertas como forma de obter os testemunhos. Desta maneira, surge uma questão que permite que a testemunha se expanda, desenvolvendo tudo o que aconteceu. A vantagem desta maneira de perguntar diante de uma questão fechada é clara.

A questão aberta permite que a pessoa conte os fatos como se estivesse narrando uma história, enquanto uma questão fechada limita a resposta a um acontecimento muito específico. Isso aumenta a probabilidade de que os erros cometidos sejam maiores, além de aumentar a probabilidade de que a pergunta apresente um viés.

Técnicas da entrevista cognitiva

Este modelo usa quatro técnicas:

  • Redefinir o contexto: reconstruir mentalmente as circunstâncias em que os eventos ocorreram. A emoção que pode ser sentida nos permite recuperar mais informações.
  • Contar tudo: prolongamento da primeira. Tudo o que faz parte da memória deve ser incluído no relato.
  • Recordar os acontecimentos em uma ordem distinta: em vez de fazer um relato desde a primeira coisa que aconteceu até à última, este método sugere que a testemunha faça um relato ao contrário (retrocedendo no tempo, em vez de avançando).
  • Mudar de perspectiva: colocar-se em outro ponto mentalmente. Por exemplo, se estávamos em um canto do local que foi roubado, imaginar como veríamos as coisas se estivéssemos no balcão.

Os resultados obtidos em diferentes estudos com a entrevista cognitiva demonstraram que esta técnica aumenta  a quantidade de detalhes corretos sem aumentar a proporção de erros, graças à forma como os fatos são contados e à empatia e confiança que são geradas entre ambas as partes.

Vamos pensar que uma testemunha é submetida a diferentes fatores, circunstâncias pessoais ou ambientais que influenciam na hora de lembrar de um acontecimento. Muitas vezes, um erro em suas histórias não significa que elas estejam mentindo, pelo menos nem sempre. Elas simplesmente mudaram suas memórias inconscientemente, mas embora tenham certeza de que algo aconteceu de tal maneira, isso não significa que seja assim.

A psicologia da testemunha ajuda a encontrar novas ferramentas ou a melhorar as existentes para otimizar as informações que podemos obter sobre um evento. Podemos sempre confiar no que as testemunhas lembram? Está claro que não. Podemos obter mais informações verdadeiras das testemunhas? Como vimos, este é o principal campo de aplicação e pesquisa da psicologia da testemunha.


Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.