Qual a diferença entre o amigo que nos ouve e o psicólogo com quem fazemos terapia?
Você tem um ou mais amigos com quem pode compartilhar suas emoções, medos e experiências mais íntimas? Ter essas figuras próximas é um pilar muito enriquecedor para o nosso bem-estar mental. No entanto, seus amigos não são seu psicólogo. Às vezes há limites que vão além, barreiras muito porosas e através das quais se pode abusar da confiança.
Vamos dar um exemplo. Você já se sentiu dominado por aquele amigo que te usa como basculante para carregar sobre você todos os seus problemas, desesperos e desejos existenciais? É um fenômeno frequente que nem sempre é muito bem avaliado. Às vezes, sem perceber, exigimos que nossos seres mais próximos assumam o trabalho de um psicólogo.
“E o que há de errado com isso?”, alguém perguntará. “Os amigos não deveriam nos ouvir e nos apoiar em qualquer circunstância?” A verdade é que não. Por mais que essas figuras significativas nos amem, sua função não é nos guiar ou nos dar ferramentas para enfrentar o que dói, preocupa ou bloqueia a vida. Saber onde se situa essa fronteira é, antes de mais nada, bom senso.
Nossos amigos podem nos oferecer compreensão e conforto, mas mesmo que fossem psicólogos, seu trabalho também não será o de nos oferecer apoio profissional.
Seus amigos não são seu psicólogo e esses são os limites que você deve conhecer
Os amigos são um elemento-chave para desfrutar de uma boa saúde mental, mas seu trabalho não é promovê-la em nós como faria um profissional especializado.
Trabalhos como os realizados na Universidade de Columbia, por exemplo, destacam algo interessante. As mulheres são as que, em média, mais valorizam as amizades e as que mais tendem a se beneficiar dessa aliança.
Reduz-se o estresse, relativizam-se os problemas, estabelecem-se alianças emocionais que nos permitem evitar o peso da solidão. Tudo isso é benéfico e recomendável, tanto para um gênero quanto para outro.
As amizades enriquecem nossa existência e até aumentam nossa expectativa de vida, porém, por vezes, caminhos de mão dupla são traçados. E podemos exigir dimensões que não são de sua responsabilidade. Onde estão os limites? Que princípios básicos devemos ter em conta nesse tipo de laço social?
Ao partilhar muitos dos nossos problemas com os nossos amigos, podemos colocá-los na obrigação de resolver ou orientar-nos em áreas que lhes escapam e que não são da sua responsabilidade. Isso pode ser muito estressante.
1. Seus conselhos nem sempre são válidos
Você pode pedir conselhos ao seu amigo em mil assuntos cotidianos, mas não em aspectos que tenham a ver com questões íntimas e pessoais. Nossos seres queridos nos darão conselhos de sua própria experiência, na qual nem sempre nos encaixamos. Cada pessoa é um mundo, apresenta um contexto, características e necessidades próprias.
2. O desabafo emocional nem sempre é apropriado
Costumamos dizer que uma amizade está disponível 24 horas por dia, 7 dias por semana para nós. Não é certo. Seus amigos não são seu psicólogo, nem estão sempre nas melhores condições para ouvi-lo, por melhor que seja sua vontade ou intenção. É possível que você procure desabafar com aquela figura próxima justamente quando ela está mais estressada.
Ela pode até se sentir sobrecarregada com o que explicamos a ela e projetamos nela uma carga de desconforto. Além disso, é possível que se sinta obrigada a resolver para nós o problema que levantamos.
3. Amigos não estão para resolver seus problemas
Não podemos negar, as amizades são aliadas nos piores momentos. É possível que mais de um tenha tirado um problema da sua cabeça, aliviado cargas e te guiado para sair de um labirinto. Porém, a função de uma amizade não é resolver o que nos machuca ou dar uma solução para nossas encruzilhadas.
Na verdade, também não é o objetivo direto de um psicólogo. A sua missão é antes ensinar-nos ferramentas, enriquecer-nos de recursos para que sejamos nós que, autonomamente, acabemos por enfrentar determinados desafios.
No entanto, não é apropriado esperar que uma amizade seja aquela chave mestra forçada que resolverá todas as angústias. Tampouco é ético colocá-los sob essa pressão direta ou indireta.
4. Envolvidos emocionalmente conosco
Seus amigos não são seu psicólogo e isso às vezes fará com que eles não sejam tão sinceros quanto você precisa. Esse vínculo emocional que nos une a eles pode levá-los a recorrer a meias-verdades ou mentiras inocentes para nos encorajar. O carinho e a boa intenção são reflexos automáticos típicos de todas as amizades, mas nem sempre nos são úteis quando estamos passando por um problema específico.
5. O apoio é o primeiro passo, mas não é suficiente
Você pode estar passando por um momento doloroso. Um colapso emocional, perda de emprego, um problema familiar, desesperança que obscurece todas as suas perspectivas… Os amigos podem ser seu melhor apoio, mas não têm as habilidades de um profissional de saúde mental.
Eles são o primeiro passo para o bem-estar, que o incentivam a procurar os especialistas para resolver o que agora está prejudicando o seu bem-estar.
Saber que existem aspectos pessoais que um amigo nunca poderá abordar beneficiará você e essa amizade também.
O psicólogo não é seu amigo
Existe uma regra fundamental na terapia psicológica: limites claros devem ser mantidos entre o profissional e seu paciente. Assim como é fundamental que a posição de cada um não se dilua, também é fundamental que se forme uma boa aliança terapêutica com a qual se construa a confiança mútua. Só assim a mudança, o crescimento, esse processo de cura e libertação tomará forma.
Assim como seus amigos não são seu psicólogo, este não pode estabelecer um vínculo de amizade com você durante a terapia psicológica propriamente dita. Portanto, é essencial que esses princípios sejam seguidos:
- Os psicólogos não devem dar conselhos pessoais. Não é sua função.
- A objetividade e a neutralidade devem ser mantidas na medida do possível.
- Não deve haver relação entre o profissional e o paciente fora do contexto terapêutico.
Embora às vezes possa haver alguma flexibilidade e você nunca seja completamente imune às experiências dos pacientes, o objetivo é manter distância. Além disso, evite o que Sigmund Freud chamou de “transferência” (sentimentos do paciente em relação ao profissional) e “contratransferência” (sentimentos do psicólogo em relação ao paciente).
O sucesso terapêutico virá sempre daquele quadro em que o profissional dá o melhor de si de forma objetiva. Da mesma forma, daquele plano em que o paciente se sente em um contexto seguro, estruturado e orientado a fornecer ferramentas rigorosas para a mudança.
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