A mídia influencia a desconfiança na ciência?
Nos últimos tempos, estamos testemunhando como a ciência está perdendo sua posição de autoridade como garantia da verdade. Em decorrência da crise global provocada pela pandemia, a imagem social de médicos, pesquisadores e divulgadores tem sido constantemente questionada. A mídia influencia a desconfiança na ciência?
Parece que sim. Vimos quantos jornalistas e políticos debateram – e debatem – aspectos que não dominam, deixando a ciência de lado. É um fato que os próprios cientistas estão sob enorme pressão e recebem exigências de certezas e conclusões claras.
No entanto, e aí vem o mais importante, esquecemos como a pesquisa científica funciona em contextos de crise de saúde como o atual. É impossível oferecer conclusões e dados categóricos em uma realidade desconhecida marcada pela incerteza. Ciência é observação, comparação, experimentação e autocorreção.
Por esse motivo, quando novos dados surgem e os cientistas são forçados a reformular conclusões, a mídia rapidamente lança manchetes críticas que aumentam a desconfiança social. E isso, sem dúvida, é um grande perigo para a sociedade como um todo.
“A ciência é feita de erros, que, por sua vez, são passos em direção à verdade.”
-Julio Verne-
A que se deve a desconfiança na ciência?
O economista Adam Smith destacou que o antídoto para a superstição e a ignorância humana é a ciência. Então, que custo a atual desconfiança da ciência pode ter para todos nós se nos limitarmos a questioná-la continuamente? O impacto pode ser imenso. No entanto, há um fato que frequentemente apreciamos e que ainda é surpreendente.
A ciência é vendável e atraente. Muitos de nós seguem um cientista ou, pelo menos, algum divulgador. Algo que ocorre nesse tipo de comunicação é que ela oferece uma visão popular da ciência com base apenas em certezas objetivas e em um poder preditivo quase absoluto. E essa visão está causando muitos danos.
Existem áreas da ciência, e mais ainda em situações como a atual, em que é impossível oferecer dados conclusivos. Em cenários de crise, as pessoas querem certezas, mas a ciência precisa de tempo e as coisas não funcionam como no mundo do cinema ou mesmo nos programas populares de televisão.
Essa é a origem de algumas dúvidas. Crises passadas, como a encefalopatia espongiforme bovina (doença da vaca louca) e o desastre de Fukushima, já mostraram uma certa desconfiança na ciência quando ela não foi capaz de oferecer respostas completas. Vamos analisar as causas.
O fracasso da mídia em comunicar dados científicos
Pesquisas como a realizada na Universidade da Pensilvânia, na Universidade de Buffalo e na Universidade Estadual de Nova York, mostram que a mídia tem um grande impacto na desconfiança da população na ciência. Esta relação de causa e efeito decorre de várias dinâmicas:
- Grande parte da mídia aposta no sensacionalismo e no clickbait. Isso implica, por exemplo, que publiquem aspectos específicos e sensacionalistas sem incluir as explicações dos próprios cientistas.
- Também é comum que eles se limitem a publicar ou comentar pré-impressões científicas. Vamos ter em mente que um preprint é um manuscrito original de um autor que ainda não foi revisado por pares ou publicado. Devemos lembrar que a ciência é uma instituição na qual é necessário que especialistas revisem, analisem, comparem e critiquem o trabalho de outros por meio de avaliações por pares para chegar a novas conclusões.
- Por outro lado, quando surgem situações de crise, os meios de comunicação anseiam por novos dados e notícias diariamente. Os cientistas são, por um lado, obrigados a continuar fornecendo informações, enquanto a pressão competitiva aumenta em seu campo. A desconfiança na ciência é erguida diariamente quando a sociedade não recebe respostas rápidas para as suas perguntas e certezas para as suas preocupações.
Desconfiança na ciência e fontes não confiáveis disponíveis para todos
Carlos Elías é Professor de Jornalismo na Universidade Carlos III de Madrid. Em um de seus últimos ensaios: Science on the Ropes: Decline of Scientific Culture in the Era of Fake News, ele analisa aspectos muito interessantes sobre a origem da atual desconfiança na ciência.
Fatores como a irracionalidade dos meios de comunicação descritos acima, o impacto das redes sociais e o fato de viver na era das fake news condensam um clima social de grande deterioração para o progresso e a ciência. Não podemos negar isso. Navegamos em um mundo no qual muitos têm como certo que a origem da pandemia está nas redes 5G. Além disso, dizem que nas vacinas existem pequenos chips para nos controlar.
Nesse universo digital em que nos movemos, a informação viaja muito rápido e a ciência, por sua vez, tem sua velocidade e imperfeição. A sociedade tem todo o direito de ser crítica, é verdade, mas também tem o direito de buscar informações em fontes confiáveis, e a mídia deve nos ajudar nesse sentido.
A ciência pode se sair muito mal perante a sociedade se não formos capazes de fornecer informações verdadeiras, calmas, contextualizadas e bem explicadas. A mídia tem uma grande responsabilidade.
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