A Síndrome de Houdini: fugir do envolvimento emocional

Existem pessoas que fogem do envolvimento emocional nos relacionamentos. Quanto mais compromisso percebem, maior é a necessidade de escapar que elas sentem.
A Síndrome de Houdini: fugir do envolvimento emocional
Francisco Roballo

Escrito e verificado por o psicólogo Francisco Roballo.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A Síndrome de Houdini alude precisamente às habilidades do místico escapista húngaro do século XIX. No entanto, neste caso, estamos falando de um escapismo psicológico derivado da evitação, no qual seria possível escapar de uma situação familiar, de um trabalho ou das obrigações diárias.

As lutas de egos, a complacência e a dificuldade de se expressar de forma autêntica sem causar mal ao outro são circunstâncias comuns nas relações interpessoais. Dito isso, o fato de que muitas pessoas escapem destas relações expressa um sintoma muito mais profundo na sociedade atual.

Em muitos casos, a relação é direta: quanto maior o compromisso, maior a “necessidade” de escapar. É algo comum em muitas pessoas, mas quais são as verdadeiras causas deste fenômeno? Por que é tão complicado se envolver emocionalmente?

Mulher sozinha na beira de um lago

O envolvimento emocional e a síndrome de Houdini

O envolvimento emocional que a maioria dos nossos relacionamentos requerem nunca foi tão questionado. Os laços sociais tiveram um papel ativo na evolução da nossa espécie.

A implicação também pode ser definida pelo seu oposto, o distanciamento. Tanto os sentimentos quanto a capacidade de exteriorizá-los são fundamentais para haver empatia com os demais.

Até Houdini se surpreenderia

Assuntos como a família e o “sentimento de manada” que marcou a vida dos nossos pais se distorceram muito.

Vivemos hoje em uma sociedade individualista na qual os movimentos liderados pela juventude são cada vez mais dispersos. Esta característica não é vista somente nos relacionamentos amorosos, mas também nas relações de amizade, que tendem ao utilitarismo.

A fuga emocional e suas fases

A Síndrome de Houdini costuma ter várias fases. Todas elas marcam um processo que vai desde a entrega até a rejeição. Vejamos as principais características de suas fases.

  • Envolvimento: fase do auge sentimental. Nesta fase são executadas as estratégias de persuasão para obter o que se quer da outra pessoa. Parece que não há limites para a amizade ou o amor.
  • Dúvidas: as bases pouco sólidas sob as quais se constroem os laços provocam a aparição de dúvidas rapidamente. É aí que o castelo de cartas começa a cair. Isso acontece lentamente com o objetivo de não deixar rastros.
  • Escape: fase final que acontece quando não há mais contato. A outra pessoa fugiu das nossas vidas e a comunicação é nula.

Uma sociedade que não ajuda

A sociedade individualista na qual vivemos não necessariamente potencializa as relações. A tecnologia colocou a comunicação total ao alcance das nossas mãos. Hoje em dia não temos por que estar próximos de uma pessoa para nos relacionarmos ativamente com ela.

Isso faz com que seja muito mais fácil romper as relações, já que não temos que justificar nossa posição olhando nos olhos do outro. Nossos vínculos transcendem os que nos rodeiam fisicamente.

As redes sociais

Neste contexto, surgiram dispositivos que “facilitam” as relações sociais. Exemplos disso são o Tinder ou o Facebook, locais nos quais podemos entrar em contato com pessoas de todo o mundo ou encontrar um parceiro em minutos.

As pessoas não são mais indispensáveis: existe um “banco de reservas” com muitos outros esperando.

Oferta e demanda de sentimentos

A velocidade com a qual trocamos de vínculos faz com que o êxtase do amor e da amizade dure muito pouco. Uma vez finalizado o vínculo, saímos novamente em busca do êxtase da novidade.

É assim que se cria uma espécie de oferta e demanda de sentimentos com o denominador comum da novidade. Neste “mercado” impera a superficialidade: um perfil chamativo nas redes sociais é fundamental.

O amor adolescente

A Síndrome de Houdini pode aparecer em pessoas jovens. Muitos especialistas em relações afirmam que uma das possíveis causas é a pouca educação emocional que os adolescentes recebem. Os mesmos são bombardeados com estereótipos de relações, mas sem uma ideia clara de como lidar com elas.

A reação de fuga

Embora identifiquemos esta síndrome em pessoas específicas, seus efeitos e características são produto de um fenômeno social.

A síndrome pode se manifestar de diversas formas – dependendo de diferentes fatores, como a personalidade do indivíduo, etc. -, mas no final é sempre a mesma coisa: a fuga, comportamento que costuma aparecer quando o medo surge.

Como detectar a síndrome de Houdini?

Para identificar a síndrome de Houdini, é preciso começar por si próprio. Em muitas ocasiões, as pessoas pegam a si mesmas reclamando destas atitudes, quando têm outras pessoas como “plano B”.

O envolvimento emocional envolve renúncias egocêntricas. Assim, um indício que entrega qualquer escapista é a impossibilidade de se comprometer além dos próprios interesses.

Fraqueza emocional

Surge a questão: chegamos a nos envolver totalmente? Se nos envolvermos de forma superficial, não será possível fingir estabelecer laços fortes e duradouros, pois os mesmos implicam um risco.

É assim que a utilização e a fuga de forma repetitiva e reiterada se tornam claros sintomas de fraqueza emocional. A fraqueza pode se expressar de diversas formas:

  • Comportamentos evasivos: as pessoas que não conseguem se envolver, também não conseguem romper vínculos de forma direta. É assim que vão evitando progressivamente o contato com os outros através de desculpas.
  • Negação: estas pessoas podem mostrar um certo bloqueio sentimental. Geralmente, costumam ter problemas para exteriorizar seus sentimentos sem atuar.
  • Egocentrismo: estas pessoas têm dificuldade para planejar atividades que estejam fora de seus interesses.
Mulher sendo abandonada

Nem tudo está perdido

Analisamos o escapismo emocional como um fenômeno individual e social. Não somos necessariamente escapistas só porque nos encaixamos em alguns dos pontos do perfil definido neste artigo.

Devemos analisar nossas ações e, se detectarmos alguma característica do tipo escapista, podemos detê-la antes que se torne sistemática. Algumas dicas são:

  • Enfrente o medo: é verdade que, quando nos envolvemos, também nos arriscamos. Confiança, empatia e sentimentos parecem estar em jogo. Mas não devemos ter medo se estivermos de acordo com as nossas ideias.
  • Autoestima: não há motivo para tentar vender algo, ou alguém, que não somos. As pessoas que se aproximarem e permanecerem em nossas vidas farão isso pelas nossas características reais.
  • Cuidar do outro: se envolver é algo importante, e brincar com as expectativas das outras pessoas é um indício escapista. A sinceridade é uma forma de proteger o resto.

O conhecido ditado de que “Entre o amor e o ódio só há um passo” se transformou em “Do amor à rejeição, só um olhar”.

Embora possamos, sem dúvida, identificar a síndrome de Houdini em várias pessoas que passaram pelas nossas vidas, é preciso ser objetivo.

O individualismo e a velocidade com a qual as coisas ao nosso redor caminham também influenciam as nossas relações, por isso, agora estas relações demandam mais e melhores reflexos sociais.


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