Síndrome de ilegitimidade: gosto de fazer tudo, mas não sou bom em nada
Cada vez mais pessoas se identificam com a síndrome da ilegitimidade; elas têm mentes inquietas que sabem um pouco de tudo, mas nada de forma profunda. Isso acontece quando tivemos uma formação acadêmica dispersa e heterogênea. Quase sem perceber acumulamos formações díspares apenas pelo mero desejo de aprender, enquanto negligenciamos uma trajetória profissional clara e organizada.
Por isso há quem se forme em direito e acabe, por exemplo, com um mestrado em redação egípcia. Mais tarde essa pessoa começa um curso universitário em literatura inglesa. Há quem estude uma língua após a outra, embora permaneça nos níveis básicos sem nunca atingir uma boa competência em nenhuma delas. Essa trajetória dispersa e até caótica acaba tendo um custo, que é não ser especialista em nada.
Em uma sociedade cada vez mais competitiva são necessários perfis especializados que dominem efetivamente uma determinada disciplina. Por exemplo, não é muito comum a necessidade de dentistas especialistas em comércio exterior ou cientistas políticos com mestrado em oceanografia. São procurados candidatos com uma boa formação no ramo específico a que pertencem.
Por outro lado, o mesmo acontece em muitos cursos universitários. Às vezes a grande variedade de assuntos oferecidos faz com que muitos jovens tenham a sensação de saber pouco sobre muitas coisas, sem serem competentes em nada…
São muitas as pessoas com múltiplos interesses que não têm conseguido se orientar claramente para uma determinada especialidade a nível profissional.
O que é síndrome de ilegitimidade?
A síndrome da ilegitimidade se manifesta de várias maneiras. No entanto tome cuidado, pois essa condição não tem nada a ver com a síndrome do impostor.
Homens e mulheres com uma autopercepção de ilegitimidade pensam que saber muitas coisas os torna incapazes de fazer algo concreto de forma eficaz. Estes são perfis generalistas, pois acumulam várias competências, estudos e habilidades. No entanto, essa formação heterogênea os coloca em desvantagem em relação a outro profissional com um perfil especializado.
Não há dúvidas de que atualmente a demanda por uma pessoa especializada é cada vez mais alta: um advogado especialista em cyberbullying, um programador de inteligência artificial, um corretor de dados pessoais, um personal shopper digital, um mestre de edge computing, etc. Essa necessidade de pessoas cada vez mais especializadas teve início no final da Segunda Guerra Mundial.
Para promover a reconstrução das cidades e empresas naquela época, foi necessária uma força de trabalho habilidosa, qualificada e eficiente em uma área específica. Esta perspectiva originou um novo enquadramento no âmbito do trabalho e da formação mantida até o dia de hoje. No entanto este é um modelo bastante rígido para quem tem um olhar mais amplo e transversal.
Quando alguém assume que lhe falta talento
As pessoas com síndrome de ilegitimidade são percebidas como figuras que sabem “um pouco de tudo” e nada de forma profunda e competente. Elas pensam que não têm talento porque não se destacam em algo específico. Essas pessoas nunca foram gênios da matemática ou grandes estudiosos das letras, mas sim mentes curiosas que saltavam de um assunto para o outro.
Essa percepção distorcida é o resultado claro de uma visão errônea do que é talento. É comum que as escolas digam que uma criança tem talento porque ela se destaca mais que as outras em uma disciplina. No entanto, pesquisas como as realizadas na Universidade Mendel apontam para algo importante.
O talento é uma habilidade que deve ser ensinada por meio da motivação, pois sem esforço e vontade essa capacidade não dá em nada. No entanto, personalidades com conhecimentos variados e heterogêneos são movidas por um impulso: o da curiosidade pelo conhecimento.
Quando uma pessoa possui conhecimento em muitas áreas mas não se destaca em nenhuma delas, muitas vezes é percebida como uma fracasso. Isso faz com que ela opte por empregos inferiores aos seus estudos por ser percebida como uma “não especialista”.
A síndrome da ilegitimidade e a dificuldade em encontrar um emprego
A síndrome da ilegitimidade está presente em muitos alunos que concluem seus estudos e capacitações, pois essas pessoas não são consideradas como de grande utilidade. Quando olham as ofertas de emprego elas sentem que não estão à altura. A falta de experiência e a percepção da ausência das competências exigidas as tornam mais hesitantes na hora de se candidatarem a estas propostas de trabalho.
Isso acontece com os recém-formados e pessoas com origens muito heterogêneas. Quando se tem experiência mas ela é muito diversa e possui vários estudos (mas eles são um pouco diferentes uns dos outros), a pessoa assume que será difícil conseguir uma contratação. Essas são pessoas que duvidam da própria legitimidade porque não se consideram “especialistas”.
Aqui o peso da comparação social de que falava o psicólogo social Leon Festinger é percebido sem margem de dúvida. As pessoas às vezes ficam obcecadas em pensar que os outros são melhores do que elas. Minimizamos as nossas capacidades apenas porque não temos uma trajetória especializada de aprendizagem.
O problema da autoexigência: você vale mais do que imagina
Se você é uma dessas pessoas curiosas, ávidas por conhecimento e com uma formação heterogênea, você vale mais do que imagina. Vivemos tempos de mudanças, por isso a flexibilidade é bastante valorizada. Muitos profissionais são repentinamente obrigados a se formar em novas áreas porque o mercado de trabalho muda muito rapidamente e novas necessidades aparecem.
Em uma sociedade dinâmica, perfis generalistas e heterogêneos são valiosos, pois são compostos por pessoas com múltiplas competências e habilidades transversais, mentes curiosas que sabem ver além de uma disciplina específica. As chamadas personalidades T ou renascentistas (com habilidades em várias áreas) vieram para ficar.
A síndrome da ilegitimidade é mais comum do que imaginamos, e mais cedo ou mais tarde a pessoa acaba descobrindo que o verdadeiro talento dela não é outro senão a própria paixão pela aprendizagem.
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