O sofrimento paterno diante da perda gestacional

Embora os abortos espontâneos tenham um grande impacto psicológico nas mulheres, não podemos ignorar a figura dos pais. Eles também podem desenvolver transtorno de estresse pós-traumático e depressão.
O sofrimento paterno diante da perda gestacional
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 15 novembro, 2021

Cerca de 25% das gestações terminam em aborto espontâneo. Este é um número muito alto e o drama por trás de cada história é imensurável. Quando falamos sobre este assunto, quase sempre nos concentramos na mãe que perdeu seu filho. No entanto, o sofrimento paterno também é válido diante da perda gestacional.

O retrato desse drama geralmente parte da mesma cena: durante um ultrassom de rotina, percebe-se que o feto não se move ou tem batimentos cardíacos. Em seguida, procedemos àquele “não nascimento”, àquela extração devastadora do que até pouco tempo atrás era o maior sonho de um casal que havia feito planos de vida com aquele filho.

A criança deixa de existir no ventre da mãe, mas persiste no coração e na memória dos pais. Essas mágoas pelos abortos inesperados são tão gritantes quanto invisíveis. Faltam protocolos de atendimento psicológico e uma cultura de compreensão e respeito.

A sociedade deve entender e saber acompanhar aquela mãe física e emocionalmente quebrada. O mundo deve entender que os pais também sofrem profundamente com essas experiências.

Estudos dizem que os homens experimentam os mesmos sentimentos que as mulheres após uma perda gestacional. Muitas vezes, eles desenvolvem um transtorno de estresse pós-traumático.

Casal enfrentando perda gestacional

O sofrimento paterno pode ser tão intenso quanto o materno diante de uma perda gestacional

Há muitos tabus na nossa sociedade, e um deles é a dor da perda da gravidez. Nele, também habita o sofrimento masculino. Supõe-se que, quando um casal perde o bebê, o pai é o suporte com quem a mulher conta para enfrentar a dor.

Porém, o que o pai faz com o seu próprio sofrimento? Vai colocá-lo na gaveta e fingir que não é nada? Na nossa cultura, devido em parte à construção artificial da masculinidade, a emoção parece não ter lugar para eles.

Tanto é verdade que presume-se que, na experiência do aborto espontâneo, eles estão em segundo plano. O fato de que isso seja entendido desta forma multiplica ainda mais a carga emocional. Ao se esforçarem para permanecer inteiros, para “serem fortes”, eles entram em colapso silenciosamente.

O luto raramente é elaborado de maneira adequada, levando a estados de desesperança e irritabilidade. Porque os homens também sofrem com as perdas gestacionais e com o fato de não poderem demonstrar este sofrimento.

Luto masculino, uma realidade psicológica negligenciada

A Universidade de Adelaide realizou um trabalho de pesquisa publicado em 2020. Nele, foram analisados dados obtidos entre 1998 e 2018 em estudos anteriores sobre o luto masculino por aborto espontâneo. A primeira coisa que ficou clara é que há décadas ignoramos que os homens também sofrem com a perda gestacional.

As análises destacaram que os pais apresentam uma resposta emocional muito complexa a essas realidades. Eles sentem, por um lado, que têm a obrigação de apoiar suas parceiras. Mas, ao mesmo tempo, percebem que todo o seu ambiente os negligencia, que eles não têm reconhecimento social a esse respeito, o que significa que tendem a internalizar a dor e a manter um luto muito particular.

Os homens tendem a negar e rejeitar seus sentimentos de vulnerabilidade. Isso pode levá-los a adotar comportamentos não saudáveis para lidar com a sua dor silenciosa, como o isolamento ou o abuso de álcool.

Estresse pós-traumático e depressão

As perdas gestacionais são difíceis para ambos os membros do casal, mas os homens costumam vivenciar essa realidade de forma diferente. Estudos como os realizados pela Dra. Clemence Due, também da Universidade de Adelaide, destacam algo importante.

Os homens às vezes se sentem ignorados e marginalizados nesse processo, e isso pode levar a comportamentos como o abuso de álcool. A incapacidade de controlar suas emoções e de se sentirem amparados e validados pelo ambiente intensifica o desconforto.

Assim, embora muitas vezes esses trabalhos indiquem que as mulheres sofrem essa dor por mais tempo, eles a administram de forma diferente. Eles experimentam sentimentos de raiva, culpa e confusão. Nossa cultura não está acostumada com os homens se sentindo devastados pelo aborto espontâneo de suas parceiras, e isso os faz sentir obrigados a esconder o que sentem.

Casal enfrentando luto

A necessidade de atender o sofrimento paterno provocado pela perda gestacional

Sentir, aceitar e administrar o luto pelas mortes perinatais é uma prioridade no campo da saúde mental. Há muito tempo que negligenciamos essa área e é hora de desenvolver mecanismos de atenção adequados. A formação de psicólogos especialistas no atendimento de casais que sofreram experiências de morte gestacional, perinatal ou neonatal já está presente em muitos países.

Nessa intervenção, a atenção às mães é decisiva, e isso fica evidente. Mas nunca podemos ignorar os pais. Eles passam por essas experiências de uma forma diferente, e é essencial oferecer-lhes ferramentas, suporte e compreensão. É fundamental reformular a visão tradicional da masculinidade para vencer esta barreira.

Porque eles também sofrem. Os homens e os pais têm todo o direito de chorar, de lidar com a sua própria dor, de ser vulneráveis. Vamos manter isso em mente.


Todas as fontes citadas foram minuciosamente revisadas por nossa equipe para garantir sua qualidade, confiabilidade, atualidade e validade. A bibliografia deste artigo foi considerada confiável e precisa academicamente ou cientificamente.


  • Due, C., Chiarolli, S. & Riggs, D.W. The impact of pregnancy loss on men’s health and wellbeing: a systematic review. BMC Pregnancy Childbirth 17, 380 (2017). https://doi.org/10.1186/s12884-017-1560-9
  • Obst, K.L., Due, C., Oxlad, M. et al. Men’s grief following pregnancy loss and neonatal loss: a systematic review and emerging theoretical model. BMC Pregnancy Childbirth 20, 11 (2020). https://doi.org/10.1186/s12884-019-2677-9

Este texto é fornecido apenas para fins informativos e não substitui a consulta com um profissional. Em caso de dúvida, consulte o seu especialista.