Victor Leborgne, um caso clínico que mudou a neurociência

Muitas vezes, os avanços científicos são alcançados com o sofrimento de alguns pacientes. Esse é o caso de Victor Leborgne, artesão francês. Graças a ele, foi descoberta a área de Broca e foi possível compreender a maneira como o cérebro origina a linguagem.
Victor Leborgne, um caso clínico que mudou a neurociência
Gema Sánchez Cuevas

Escrito e verificado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Última atualização: 27 maio, 2020

O cérebro de Victor Leborgne é provavelmente o mais estudado da história da neurociência. Atualmente, está preservado no Museu Dupuytren de Anatomia Patológica de Paris e foi examinado milhares de vezes. No entanto, até alguns anos atrás, pouco se sabia sobre esse homem a quem devemos importantes descobertas científicas.

O cérebro de Victor Leborgne está no museu há mais de um século. Graças a ele, a ciência conseguiu identificar a área que controla a linguagem.

Não há registros de que ele tenha autorizado essa doação para a ciência, e a verdade é que lhe devemos muito. Seus sofrimentos iluminaram o caminho para a medicina.

“A ciência é o grande antídoto contra o veneno do entusiasmo e da superstição.”
-Adam Smith-

Cezary W. Domanski, psicólogo e historiador de ciência na Universidade Marie Curie de Sklodowska, na Polônia, decidiu investigar a história de Victor Leborgne.

Até ele começar a sua pesquisa, apenas o sobrenome desse paciente era conhecido, mas não havia noção de qual era a sua história.

Os enigmas do cérebro humano

As crenças da época

O caso de Victor Leborgne foi apresentado em 1861 pelo Dr. Paul Broca diante da Sociedade de Antropologia de Paris. Tratava-se de uma grande descoberta neurológica.

O médico havia conseguido identificar com exatidão a região do cérebro da qual a linguagem dependia. Desde então, essa área é conhecida como a área de Broca.

Broca não foi o primeiro a apontar que a linguagem provavelmente se originava no lobo frontal. No entanto, na época, a opinião da maioria era de que as funções mentais se originavam nas cavidades ocas do cérebro.

Acreditava-se que o córtex cerebral não passava de uma concha feita de vasos sanguíneos e tecidos, com quase nenhuma função.

O cérebro que serviu para provar sua teoria pertencia a um homem a quem Broca chamou simplesmente de Sr. Leborgne. Não está claro por que ele fez isso, pois naquela época não havia reservas quanto aos dados do paciente. Só se sabia que ele era um homem que havia perdido a fala.

A história recuperada de Victor Leborgne

Domanski, o historiador polonês, começou sua pesquisa em Paris. Conseguiu obter a certidão de óbito de um homem chamado Victor Leborgne, que coincidia com as datas em que o Dr. Broca fez sua famosa apresentação. A partir de então, ele conseguiu reconstruir os detalhes da história.

Victor Leborgne nasceu em 21 de julho de 1820, em Moret-sur-Loing, uma região da França. Seu pai era um professor de escola chamado Pierre Leborgne, e sua mãe era uma mulher humilde chamada Margueritte Savard. O casal teve seis filhos e Victor foi o quarto deles.

Desde muito pequeno, Leborgne começou a sofrer ataques de epilepsia.Apesar disso, Victor levava uma vida relativamente normal.

Ele foi educado como um formier, uma modalidade de artesanato que fazia moldes de madeira para os fabricantes de calçados. Em sua região de origem, as sapatarias eram um comércio muito comum.

Foto de Paul Broca

Paul Broca

A perda da fala e a descoberta

Tudo indica que Leborgne começou a apresentar convulsões epiléticas cada vez mais contínuas e graves. Aos 30 anos, teve um ataque muito forte que o deixou sem fala.

Ele chegou ao hospital em Bicetre dois meses depois de perder o discurso. Lá, permaneceu pelos próximos 21 anos de sua vida, até que faleceu.

A princípio, Victor Leborgne não apresentou nenhum outro problema, além de sua incapacidade de falar. Aparentemente, ele entendia tudo o que lhe diziam, mas quando queria falar, só exclamava a sílaba “Tan”.

Hoje, acredita-se que isso era uma lembrança das oficinas de curtume, que em francês eram chamadas moulin à tan.

Após cerca de 10 anos, Leborgne começou a mostrar sinais de deterioração. O braço e a perna direita enfraqueceram. Então, ele começou a perder a visão e as faculdades cognitivas. Sua depressão o levou a ficar na cama por vários anos e ele também sofreu de gangrena. Foi então que o encaminharam ao Dr. Broca.

Quando Victor Leborgne morreu, Broca fez a autópsia e encontrou a anomalia no lobo frontal. Isso lhe permitiu testar sua hipótese e mudar a neurociência para sempre.

A humanidade deve muito a esse homem que sofreu limitações por 21 anos em um hospital que havia esquecido até o seu próprio nome.


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  • Giménez-Roldán, S. (2017). Una revisión crítica sobre la contribución de Broca a la afasia: desde la prioridad al sombrerero Leborgne.

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