As mudanças na experiência sexual
O comportamento sexual é um dos fenômenos que mais sofreu mudanças nos últimos anos. De fato, muitas ideologias tentaram controlar a direção que a experiência sexual tomava a cada momento.
Desde a compreensão da mulher como subordinada ao homem (ele seria o protagonista das experiências sexuais) ao vitorianismo científico (que assumia os tabus da religião como posturas empiricamente validadas).
Nesse sentido, podemos dizer que a mudança na experiência sexual “tem sido magnânima” nas últimas décadas, principalmente a partir da década de 1960.
Como essa mudança ocorre? Como algo tão arraigado na nossa mentalidade, hábitos e costumes pode mudar em apenas quarenta anos? O que foi capaz de se opor às ideias religiosas restritivas que foram impostas durante séculos em busca da liberdade da experiência sexual? Detalharemos tudo isso a seguir.
A “contracultura” dos anos sessenta
Antes da transformação dos anos 60, uma série de fatores de mudança que facilitariam o processo de liberação sexual já haviam ocorrido:
Havelock Ellis (1859-1939) já havia falado de sexo a partir de uma perspectiva liberal, relacionando-o a estados de felicidade; Freud (1856-1939) começa a estudar o orgasmo feminino; Lou Andreas Salomé (1861-1937) começa a escrever sobre erotismo e Virginia Wolf (1929) sobre o tempo e espaço na relação sexual.
No entanto, aconteceu um evento que perturbou os pilares mais fortes da cultura ocidental conhecidos até o momento: a Segunda Guerra Mundial. Depois desse fenômeno, grande parte da sociedade precisou se reconstruir.
Assim, a população em geral experimentou um cansaço cultural que ocorreu principalmente nos Estados Unidos e na maior parte da Europa (devido às suas características políticas, na Espanha esse fenômeno apareceu somente na década de oitenta). As pessoas começaram a se cansar de um estilo de vida cômodo, convencional e perfeitamente organizado.
Dos pilares dessa cultura emana uma “contracultura” cuja bandeira são os valores contrários aos até então estabelecidos; surge assim o movimento hippie, no qual a liberdade, a amizade e o grupo se posicionam como eixos centrais.
O movimento hippie ou os festivais de amor
A partir do movimento hippie ocorrido nos anos 60 nos Estados Unidos surgem novas formas culturais; drogas, sexo e diversão não faltam. A música é desenvolvida a nível corporal e grupal, com figuras como Janis Joplin, Jimi Hendrix e Mick Jagger.
Podemos observar a influência hippie nas seguintes manifestações culturais:
- Geração Beat: Neste caso, a Geração Beat é anterior ao movimento hippie, que herdou muito da ideologia da primeira. A Geração Beat foi composta por um grupo de escritores que rejeitou os valores convencionais, exaltando a liberdade sexual, o uso de drogas e a filosofia oriental.
- Maio de 68: entre as grandes influências políticas do movimento hippie encontram-se as lutas de maio de 68, após as quais a relação professor-aluno mudou nas universidades europeias.
- Formas de vida: a cultura hippie fala do corpo como algo que não deve ser escondido, mas sim exaltado. Por isso, juntamente com a liberação sexual do movimento hippie aparecem também influências da terceira onda do feminismo. A mulher pode se vestir como quiser, por isso usa minissaia ou faz “topless”.
Woodstock: adeus à culpa e à vergonha
Em 1969, o festival de música e arte de Woodstock foi realizado em Nova York. Neste evento foi recuperada a celebração perdida pelas guerras ocorridas e, principalmente, foi ressaltada a importância do corpo e da compreensão do sexo como algo natural e inerente ao homem.
Por esse motivo as relações sexuais não devem ser objeto de culpa ou vergonha. Neste período é observada a mudança na experiência sexual mais notável: o sexo deve ser feito de forma natural.
A liberdade sexual (principalmente feminina), dá origem a uma nova cultura na qual o sexo é entendido como mais uma atividade dentro do amplo repertório de que dispomos. Além disso o sexo perde seu valor puramente reprodutivo, intensificando suas características afetivas.
A mudança na experiência sexual no cinema
O cinema constitui uma ferramenta essencial não apenas para refletir os valores culturais da época, mas também como um meio de comunicar esta mudança social; neste caso, para transmitir a mudança da experiência sexual. Por isso podemos observar a sexualização e instrumentalização do sexo na busca do prazer e na fuga de ideias reprodutivas em filmes como:
- Barbarella (1968): A sexualização de Jane Fonda é tanta que a personagem dela destrói uma máquina de orgasmo.
- Belle de jour (1967): Catherine Deneuve retrata uma mulher entediada com a vida de casada (e os valores convencionais) que se torna prostituta por um dia para se divertir.
- Emmanuelle (1959): o romance de Emmanuelle Arsan que dá o grande passo para o cinema em 1969 (na França) e 1974 (nos Estados Unidos) e estabelece o erotismo no cinema.
- Diamantes para o Almoço (1961): Audrey Hepburn interpreta uma “escort” ou acompanhante.
A combinação mais explosiva: drogas e sexo
Woodstock e o movimento hippie não falam apenas da mudança na experiência sexual e liberação das emoções negativas como culpa ou vergonha em relação ao sexo, mas também são a favor da liberação do uso de drogas.
O sexo começa a se combinar com o LSD. Timothy Leary (1920-1996), um psicólogo americano revolucionário de obras como The Game of Life, argumentou que:
Uma viagem com drogas [LSD e psilocibina] permitem que a pessoa descubra aspectos de si mesma.
De fato o boom no uso de drogas foi tamanho que grandes universidades (como Harvard), conduziram alguns estudos no início dos anos 1960 sobre o valor terapêutico do LSD, psilocibina e dimetiltriptamina.
Conclusão: o legado dos anos sessenta
A mudança na experiência sexual continuou a ocorrer nas décadas seguintes, chegando até os dias de hoje. Ela continua em constante transformação atualmente .
A mudança sexual ocorrida nesses anos é ainda maior em relação à vivência sexual feminina, pois até então entendia-se que as mulheres eram seres inferiores sujeitos à vida doméstica e cujo valor sexual dependia apenas da fertilidade.
Por isso é impossível compreender a mudança na experiência sexual sem relacioná-la aos diferentes movimentos feministas.
- Desde o feminismo iluminado (século 18), com figuras como Mary Wollstonecraft, autora da Reivindicação dos direitos das mulheres (1792).
- Passando pelo movimento sufragista, no qual se consegue a legalização do voto feminino.
- Até a terceira onda do feminismo na década de 1960, com autores como Betty Friedman e obras como A mística da feminilidade (1973).
Esses movimentos foram importantes por si mesmos, mas também ou principalmente pela proposta que ofereceram. Estas são reivindicações tão importantes quanto a igualdade de direitos, abordagem de gênero ou a identidade pessoal da mulher como um agente ativo nas relações sexuais.