Como a mídia deve informar sobre saúde mental?

As palavras importam. O modo como a mídia informa sobre aspectos como o suicídio ou transtornos mentais pode permitir melhorar a conscientização ou, ao contrário, aumentar o estigma. Essas são as boas práticas que devem ser cumpridas.
Como a mídia deve informar sobre saúde mental?
Valeria Sabater

Escrito e verificado por a psicóloga Valeria Sabater.

Última atualização: 27 abril, 2023

Há cada vez mais informações sobre aspectos relacionados à saúde mental. São muitas as celebridades que falam, de forma aberta e normalizada, de diferentes transtornos psicológicos. Da mesma forma, a mídia também busca dar visibilidade a realidades que, até agora, permaneceram no baú do silêncio e do estigma.

No entanto, embora esse movimento seja esperançoso e necessário, há uma nuance relevante. A forma como os dados são apresentados importa. As palavras podem ajudar ou causar maiores danos. Nos últimos tempos, temos testemunhado como alguns meios de comunicação caem —intencionalmente ou não— no sensacionalismo. Da mesma forma, eles cometem erros graves.

Uma tendência comum é associar acontecimentos trágicos ou violentos a transtornos mentais: «o agressor era esquizofrênico», «a jovem que tirou a própria vida estava deprimida». Muitas dessas expressões e frases podem não apenas se basear, às vezes, em informações não verificadas, mas também prejudicar pessoas com problemas de saúde mental.

Existem mídias que, pela sua forma de apresentar as informações, reforçam o estigma e a banalização.

a mídia deve informar sobre saúde mental
A população lê diariamente notícias em que fatores de saúde mental podem servir de conscientização ou criar preconceitos a respeito.

Dicas sobre como a mídia deve informar sobre saúde mental

Os meios de informação e comunicação têm grande poder. E como se costuma dizer, também uma grande responsabilidade. Suas manchetes, a forma como nos apresentam informações, articulam certas pistas sociais sobre como certos grupos de pessoas às vezes são concebidos. A mais recorrente é relacionar a criminalidade com os transtornos mentais.

Além disso, se há um setor da nossa população vulnerável às informações que recebe diariamente, são os jovens. Ninguém pode negar, por exemplo, que o número de crianças e adolescentes que cometem suicídio aumentou nos últimos anos. Esse é um fato que deve ser noticiado, mas as palavras devem ser tomadas com o máximo de cuidado para evitar o sensacionalismo e substituí-lo pelo tão necessário efeito Papageno, ou seja, promover a prevenção.

Por outro lado, há um fato inegável. Os acontecimentos relacionados com a saúde mental são muitas vezes tratados como realidades excepcionais, quando de fato, como aponta a Organização Mundial de Saúde (OMS), 1 em cada 4 pessoas tem ou terá um problema de saúde mental ao longo da vida. É imperativo que saibamos informar e apresentar as notícias sobre essas realidades.

Vejamos essas dicas, as que regulam os códigos de ética da profissão jornalística, os ministérios de assuntos sociais de cada governo e a própria OMS.

As pessoas com esquizofrenia são as mais estigmatizadas em nossa sociedade. Com o tempo, criou-se uma imagem muito negativa, ameaçadora e até violenta delas. É um retrato claramente distorcido.

1. Evitar a perpetuação de preconceitos

Termos como “doente mental”, “transtornado ou louco”, “esquizofrênico” ou “psicótico” são conceitos estigmatizantes que desqualificam as pessoas. A imagem que se oferece dessas condições costuma ser perturbadora e, com isso, uma ideia totalmente distorcida é inoculada na sociedade.

É aconselhável usar o termo “problemas de saúde mental” em oposição a doença mental ou doença psiquiátrica. Além disso, será sempre mais correto recorrer a essa terminologia em vez de fazer um diagnóstico precipitado. Na mesma linha, deve-se evitar fundamentar uma condição mental: depressiva, anoréxica, esquizofrênica, bipolar, psicótica, etc.

2. Não às manchetes alarmistas

Na era do clickbait, é muito fácil recorrer a manchetes alarmistas para um meio ganhar visitantes. Isso, no entanto, não deve ser feito à custa da saúde mental. Na medida do possível, é mais adequado referir-se aos temas e notícias relacionados com essa área de forma contextualizada, evitando que seja o título da própria informação.

3. Imagens que reforçam o estigma e não normalizam

É comum que as notícias sobre determinados grupos com transtornos mentais sejam acompanhadas de imagens tristes, sombrias e pesarosas. Vemos pessoas com o olhar perdido, passivas, reclusas em ambientes desolados. É óbvio que não serão escolhidos retratos em que apareçam transbordando de alegria e felicidade.

No entanto, seria necessário recorrer a imagens mais normalizadoras. Porque uma pessoa com depressão também vai trabalhar. Pacientes com esquizofrenia que recebem tratamento podem levar uma vida plena em nossa sociedade. Essas são as imagens que devemos transmitir.

4. Cuidado ao vincular a violência à saúde mental

A forma como a mídia deve informar sobre saúde mental deve se adequar às normas médicas e aos protocolos éticos jornalísticos. Assim, um fato comum é relacionar atos violentos com diversos transtornos psicológicos. No entanto, a pesquisa científica oferece nuances importantes a esse respeito.

Trabalhos como os realizados na Queen’s University insistem em um fato. Os transtornos mentais não são causas necessárias nem suficientes para o comportamento violento. Esta última realidade é uma combinação complexa de fatores sociais, demográficos e econômicos. Não devemos cair no reducionismo.

Assim, quando se trata de cobrir notícias, os profissionais de mídia devem abordar as seguintes questões:

  • Existe um diagnóstico claro? As fontes são confiáveis?
  • É relevante destacar que a pessoa sofre de transtorno mental?
  • A privacidade da pessoa com transtorno mental está sendo respeitada?

A mídia é o canal mais relevante para oferecer uma visão precisa, real e científica dos problemas de saúde mental. Além disso, graças a ela, esperança e meios podem ser oferecidos a quem está passando por uma situação difícil.

5. Aumentar o conhecimento social e a visão positiva da saúde mental

A forma como a mídia deve informar sobre saúde mental deve sempre partir de fontes confiáveis, científicas e especializadas. É necessário que a mídia dê voz aos profissionais da área, a fim de educar nossa sociedade. Dados contrastados e alheios ao sensacionalismo são o que realmente fazem florescer as consciências.

Da mesma forma, há outro fator muito necessário para cuidar. Devemos oferecer uma visão positiva, normalizadora e resiliente dos transtornos mentais. Podemos apontar, por exemplo, que os índices de automutilação e transtornos alimentares (TA) aumentaram. Mas é importante ressaltar que existem mecanismos para lidar com eles.

Também é possível relatar a depressão de outra forma. Insistindo que não é sinônimo de fraqueza, que não é algo isolado e que existem ferramentas baseadas na ciência para lidar com isso.

Homem sênior em terapia com psicólogo, informando-o sobre como a mídia deve informar sobre saúde mental
Normalizar ir ao psicólogo e pedir ajuda é uma forma de desativar o estigma.

Como noticiar o suicídio na mídia?

A incidência de suicídios aumentou em todo o mundo. Além disso, sabemos que para cada pessoa que tira a própria vida, 20 tentaram. Da mesma forma, estudos como os publicados no The Lancet destacam como esse fato é particularmente grave entre a população mais jovem. Em decorrência da pandemia, essa realidade tornou-se um fato urgente que deve ser enfrentado.

Nesse sentido, a forma como a mídia deve informar sobre saúde mental é fundamental. Podem ser úteis e agentes de mudança. A maneira como esses fatos são expostos deve ser cuidada ao máximo, porque, como indicamos, cada palavra importa. Vamos agora entender quais devem ser essas estratégias.

Pilares sobre o tratamento midiático

Deve-se ter o apoio e aconselhamento de psicólogos e psiquiatras ao relatar notícias específicas.

  • Não falar sobre “epidemias de suicídio”.
  • Informações sobre serviços de apoio e telefones de contato devem ser divulgadas.
  • Descrições detalhadas dos mecanismos utilizados para esses atos não devem ser feitas. Imagens ainda menos presentes.
  • Evitar comentários espontâneos ou reuniões de não especialistas. É muito fácil cair no preconceito inconscientemente.
  • Em geral, os suicídios serão noticiados apenas quando envolverem pessoas conhecidas ou quando esses fatos tiverem algum interesse geral e justificado.
  • Reducionismos explicativos sobre o porquê dessa opção devem ser evitados (“eu estava falido”, “tive depressão”, “sofri bullying…”). Quando uma pessoa opta por tirar a própria vida, não existe uma causa única: estamos diante de uma realidade complexa e multifatorial.
  • A mídia deve promover o efeito Papageno. Ou seja, a notícia deve ser focada de forma a contribuir com a ideia de que existem mecanismos de enfrentamento para prevenir essas situações. A informação prestada deve ser articulada de forma protetora e preventiva, nunca sensacionalista.

Conclusão

Sobre a questão de como a mídia deve informar sobre saúde mental, a resposta é simples: de forma ética, educativa e assessorada por profissionais da área. Da mesma forma, devemos enfatizar mais uma vez a grande relevância que os jornalistas têm no exercício da conscientização positiva sobre essas questões.

A mídia e as entidades sociais têm que ser aliadas para oferecer notícias e dados sobre esse assunto, para que sejam úteis. Evitemos, portanto, banalizar, generalizar demais ou cair em paternalismos pouco úteis. Somos todos sensíveis ao lidar com essas circunstâncias; ter uma sociedade educada e sensível a essas realidades beneficiará cada um de nós.


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