Decodificando o sinistro

O sinistro se apresenta quando falhamos em decifrar ou decodificar uma ameaça por ser invasiva e incompreensível para nós. É importante trabalhar com o sentimento de impotência que isso desperta e adotar uma postura mais ativa e precisa contra o medo.
Decodificando o sinistro
Gema Sánchez Cuevas

Revisado e aprovado por a psicóloga Gema Sánchez Cuevas.

Escrito por Edith Sánchez

Última atualização: 13 abril, 2023

O conceito de sinistro foi desenvolvido por Sigmund Freud e tem muito a ver com o que a pandemia de coronavírus desencadeou no mundo. Durante esse período, muitas pessoas têm sentido uma angústia infantil que parecia ter ficado no passado. Estamos falando daquele sentimento de vulnerabilidade, e até de desamparo, diante de uma força superior.

Esse é o sentimento básico que surge diante da presença do sinistro: angústia infantil. Angústia, porque é um medo que explode em diferentes direções. Não é aquele medo originado por uma ameaça identificada e delimitada, e sim por uma ameaça imprevisível e com muitas sombras.

Nossas possibilidades de ação de repente se tornaram muito limitadas, como quando éramos crianças. A pandemia nos fez sentir profundamente dependentes daqueles que nos lideram, daqueles que tomam decisões, e até do acaso. Somos como crianças descalças entregues à própria sorte em uma floresta escura.

 “O Sinistro constitui uma condição e limite do Belo: deve estar presente sob a forma de ausência, deve ser velado. Não pode ser revelado”.
-Eugenio Trías-

Homem estressado falando no celular

Os eixos do sinistro

Antes de Freud, o sinistro era visto como algo inédito e ameaçador, que despertava horror exatamente porque era desconhecido. O pai da psicanálise inverteu essa perspectiva. Ele abordou o assunto usando dois conceitos: o familiar e o estranho.

O familiar é o que é conhecido por nós e diante do qual experimentamos um sentimento de segurança, exatamente porque faz parte do habitual. Pessoas, situações, espaços, ideias, sentimentos, etc. fazem parte desse ambiente que podemos chamar de “familiar” ou habitual.

O estranho, por outro lado, é o que está fora das dimensões em que nos movemos. Corresponde não tanto ao que não conhecemos, mas ao que não reconhecemos. Sabemos pouco ou nada a respeito. Não faz parte do nosso dia a dia, não entendemos sua lógica, nem temos ideia de como enxergá-lo ou abordá-lo.

A dinâmica entre o familiar e o estranho

Para Freud, o sinistro se apresenta quando o familiar se torna estranho ou o estranho se torna familiar. Não é tanto a novidade que causa horror, e sim a transformação de algo que consideramos conhecido em uma coisa estranha e vice-versa. Essa passagem de um para o outro é o que causaria angústia.

Todos os filmes de terror são baseados nessa premissa. Drácula é assustador porque é como qualquer outro ser humano, mas ao mesmo tempo é completamente diferente. O sinistro acontece quando ocorre essa terrível transformação na qual um conde elegante acaba se tornando um monstro abominável.

Se Drácula fosse um vampiro o tempo todo, também poderíamos ter medo, mas de uma maneira diferente: ele não seria um ser sinistro. Seríamos capazes de nos afastar, de rejeitá-lo ou removê-lo do nosso campo de visão. Mas, como é e não é, acabamos sendo vítimas da ambiguidade de seu ser e entramos no terreno do sinistro.

Também acontece o contrário, quando o estranho se torna familiar. Alguns filmes de terror ilustram essa situação. De repente, o protagonista descobre que está no meio de seres estranhos, embora antes os visse como iguais. Em O Bebê de Rosemary, por exemplo, ocorre essa metamorfose que leva ao sinistro.

O medo e o sinistro

A pandemia e o sinistro

A pandemia causada pelo coronavírus tem todos os elementos que podem ser localizados no registro do sinistro. De repente, tudo à nossa volta foi inundado por suspeitas.

O mundo em que costumávamos nos mover diariamente agora esconde perigos que podem estar em quase qualquer lugar. As pessoas que antes abraçávamos agora são um risco. O vírus pode estar em todos os lugares e em lugar nenhum. De um jeito ou de outro, não o vemos.

Além disso, ninguém confiável é capaz de delimitar o risco desse vírus dentro de margens aceitáveis que poderíamos permitir. O que todos sabemos é que seus efeitos podem ser totalmente devastadores e que nossa melhor opção é nos esconder dele. O que era familiar para nós agora se tornou estranho. E o vírus, esse estranho, agora parece estar em toda parte e inunda as informações que recebemos.

Como resistir ao sinistro? A primeira coisa é conhecer objetivamente a ameaça. Lidar com os dados fornecidos pela ciência, principalmente no que diz respeito às formas de contágio. Se nos focarmos nisso, o número de fontes de contágio diminui. O cerne da questão é o contato próximo, com pessoas e objetos. Portanto, devemos prestar atenção aos momentos em que esses contatos ocorrem.

Também vale lembrar que, embora nos sintamos como crianças, na realidade somos adultos. Por isso mesmo, temos uma margem de autonomia e ação. E, por mais limitada que seja essa margem, precisamos usá-la, decidindo como administramos nossas emoções e nossa nova rotina. Fortalecendo o coração e acreditando que, como indivíduos e como espécie, também temos ferramentas para nos proteger.


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  • Freud, S. (1973). CIX. Lo Siniestro. Obras completas, 3.


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