É verdade que nos "casamos" com nossos pais ou mães?
Existe uma lenda urbana em questões psicológicas que afirma que muitos de nós “casamos” com nossos pais ou mães. Em outras palavras, buscamos atributos em nossos parceiros que nos lembrem nossos pais. É verdade que existem duas teorias mais conhecidas que explicam esse fenômeno, como o complexo de Electra e o complexo de Édipo.
Pois bem… Até que ponto essa ideia é verdadeira? Será que realmente temos um filtro que nos orienta para um perfil e não outro baseado em esquemas internos da infância? A verdade é que existe uma verdade inegável. Quando crianças, desenvolvemos uma narrativa inconsciente sobre o que é o afeto e os relacionamentos. Fazemos isso com base em como nossos cuidadores nos tratam.
Isso pode nos condicionar de muitas maneiras. E, de fato, uma deles pode nos fazer repetir o mesmo padrão amanhã porque é o que mais conhecemos, o que nos dá reforços e confiança. Se o nosso pai ou a nossa mãe sempre foram aquele apoio diário em que nos sentimos validados, compreendidos e protegidos, é óbvio que iremos procurar o mesmo.
No entanto, o que acontece quando o vínculo com esses cuidadores foi traumático? Estaremos talvez procurando essas mesmas figuras nocivas em questões afetivas na idade adulta? Nós o analisamos.
O tipo de apego vivenciado na infância influencia diretamente no tipo de parceiro que buscamos.
É verdade que nos “casamos” com nossos pais ou mães?
É evidente que quando ouvimos a frase de que muitos de nós “casamos” com nossos pais ou mães, o que sentimos é uma certa rejeição a essa ideia. No entanto, se quebrarmos esse raciocínio psicologicamente e formos aos bastidores, descobriremos que há evidências para apoiá-la.
Para começar, os primeiros relacionamentos com nossos pais criam roteiros ou modelos de como os relacionamentos funcionam. Damos verdade ao que vemos e ao tipo de amor que esses primeiros cuidadores nos oferecem. Essas dinâmicas infantis nos marcam, nos moldam e nos condicionam de maneira profunda.
Por outro lado, como bem podemos supor, a teoria psicanalítica validou a ideia de que as pessoas escolhem parceiros românticos com traços semelhantes aos de seus pais. Trabalhos como o realizado na State University of New York, por exemplo, reforçam essa proposta. No entanto, longe de ficar com as síndromes de Édipo ou Electra, onde devemos focar nossa atenção é nos tipos de apego.
Não procuramos parceiros que se pareçam fisicamente com nosso pai ou nossa mãe. Procuramos pessoas que nos dêem a mesma segurança emocional que nossos pais ou parceiros nos deram, que nos ofereçam o amor que não souberam ou não quiseram nos dar.
O apego que você recebeu determina o tipo de amor que você acha que precisa
Se crescemos em um lar com um pai emocionalmente frio e ausente, é provável que busquemos relacionamentos que nos dêem constante validação, afeto, segurança. Nem sempre nos “casamos” com nossos pais ou mães. Às vezes procuramos parceiros que cumpram as tarefas emocionais que nossos pais não nos deram.
O apego que recebemos na infância cria um modelo de amor que é o que achamos que precisamos. Assim, e a título de exemplo, crianças que cresceram com pais e mães amorosos e em constante harmonia com eles, tornam-se adultos com boa autoestima e autoconfiança. O apego seguro nos permite construir relacionamentos satisfatórios sem medo constante de rejeição ou solidão.
Nesse caso, não se busca uma pessoa parecida com um dos pais. Quando se foi amado e respeitado na infância, busca-se transitar em territórios afetivos que proporcionam a mesma dinâmica relacional da infância.
Como seres humanos, somos inconscientemente atraídos pelo que nos é familiar e conhecido.
Às vezes você procura o oposto de seus pais e ainda assim sofre do mesmo jeito.
Um de nossos pais pode ter morrido. Também é possível que um ou ambos os pais nos tenham negligenciado. Nesses casos, é comum desenvolver um apego ansioso: precisamos de figuras que preencham essas enormes lacunas em questões afetivas. E, no entanto, longe de alcançá-lo, falhamos e experimentamos a mesma dor, a mesma sensação de falta… Como é possível?
Mais uma vez, não “casamos” com nossos pais, o que fazemos é procurar substitutos para aquelas figuras que nunca tivemos. E nesse transe, nessa série de decepções em assuntos relacionais, há algo que não vemos. Como o Dr. Kim Bartholomew aponta em um estudo, as pessoas ansiosamente apegadas têm uma visão negativa de si mesmas e procuram a validação dos outros.
O problema não está nesse parceiro fracassado, mas em uma ferida infantil não tratada. O problema está em nós. A baixa autoestima, a insegurança e essa desvalorização de si mesmo nos levam sempre a pessoas nocivas. Rumo a figuras tão nocivas quanto os pais.
Às vezes, quando procuramos parceiros que são os mais diferentes de nosso pai ou mãe, essa escolha de ir contra ainda é uma decisão condicionada pelo pai ou pela mãe.
Não nos “casamos” com nossos pais ou mães, nos casamos com os modelos mentais que eles nos transmitiram
Procuramos o que nos é familiar, e o que nos é familiar é sempre o mais adequado. Podemos ser atraídos por aquele homem autoconfiante e um tanto dominante, ou aquela mulher que é tão engraçada, mas com tendência à manipulação emocional. Às vezes, esses roteiros mentais que nossos pais nos transmitiram continuam nos condicionando na idade adulta. E nem sempre para o bem.
Convém realizar um exercício de conscientização para detectar essas narrativas defeituosas sobre relacionamentos e afetos que nossos pais podem ter nos transmitido. Se sempre acabamos com pessoas nocivas, perguntemo-nos qual poderia ser a razão. Talvez haja algo em nosso passado que precisamos reformular e limpar.
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- Bartholomew, Kim and Leonard M. Horowitz. “Attachment Styles Among Young Adults: A Test of a Four-Category Model,” Journal of Personality and Social Psychology (1991), vol.101 (2): 226-244.
- Brumbaugh, Claudia Chloe and R. Chris Fraley, “Adult Attachment and Dating Strategies: How Do Insecure People Attract Mates?” Personal Relationships (2010), 17, 599-614.
- Geher, Glenn. “Perceived and Actual Characteristics of Parents and Partners: A Test of a Freudian Model of Mate Selection,” Current Psychology (Fall, 2000), vol. 19, no.3, 194-214.