O que é a escolástica e quais são suas características?

Costuma-se dizer que durante a Idade Média não houve produção de conhecimento, mas esta abordagem tem suas exceções. Aqui falamos sobre as contribuições da escolástica para o pensamento medieval.
O que é a escolástica e quais são suas características?

Última atualização: 03 outubro, 2024

A era medieval parece estar num passado distante e às vezes esquecido. Porém, recuperar seus primórdios é benéfico para compreender algumas características de nossa história e modos de pensar. Nesse sentido, chamamos de escolástica o período da Idade Média que vai do século IX ao século XV.

Durante esta fase, o Cristianismo se consolida como religião predominante da sociedade. Isso foi fruto das escolas religiosas que passaram a oferecer formação especializada aos futuros sacerdotes. Com o tempo, os métodos adotados nessas escolas foram sistematizados nas universidades, outra grande criação ocorrida durante a escolástica. Vamos investigar o assunto.

O que chamamos de escolástica?

O termo escolástica vem da palavra latina scholasticus que significa, em primeira instância, “sábio”, “letrado” ou “homem culto”. Com o tempo, a palavra passou a designar aqueles professores que ensinavam as artes liberais do trivium (gramática, retórica e dialética) e do quadrivium (aritmética, geometria, astronomia e música) nas escolas monásticas. Algum tempo depois, tornou-se um método adotado por educadores que seguiam determinadas correntes filosóficas.

A escolástica é geralmente concebida como aquele pensamento que surgiu e se desenvolveu durante a Idade Média. Nesse período, a religião, especialmente o Cristianismo, submeteu a filosofia e suas reflexões à compreensão e sustentação de seus postulados. Na verdade, esse movimento é considerado o conhecimento filosófico e teológico que era ensinado nas escolas medievais.

Como surgiu a escolástica?

Podemos falar do período pré-escolástico, ou seja, anterior ao surgimento da doutrina no início do século VI d. C. Nesse momento histórico, as antigas escolas pagãs foram fechadas por ordem do imperador Justiniano. Com esse evento, fica marcado o declínio da cultura politeísta. Em vez disso, a Igreja Cristã e com ela o Cristianismo procuram espalhar a sua fé por toda a sociedade.

Para isso, as igrejas abriram novas escolas que procuravam substituir as antigas instituições pagãs. Eram de três tipos, dependendo do local em que atuavam.

Todas as pessoas que professavam uma fé diferente do cristianismo ou que adoravam os deuses antigos eram consideradas pagãs.

A primeira delas foram as escolas monásticas destinadas à formação de monges nas abadias. Surgiram então as escolas episcopais, cujo ensino era ministrado nas catedrais e tinham como objetivo a formação dos futuros sacerdotes e o ensino fundamental.

Por fim, a escola palatina apareceu ligada à corte do imperador Carlos Magno e dirigida pelo teólogo Alcuíno de Iorque. Isso foi fundamental para despertar a cultura medieval. Assim, a escolástica aparece inicialmente como os ensinamentos que eram ensinados nessas escolas religiosas.

Fases da escolástica

A ideologia escolástica pode ser dividida em três fases. A primeira fase situa-se entre os séculos IX e XI, período caracterizado pelas reformas que ocorrem no interior das escolas monásticas e por uma renovação eclesiástica. Os representantes mais importantes desse período foram Anselmo de Cantuária e Pedro Abelardo.

Por sua vez, conhecida como a idade de ouro da filosofia escolástica, a segunda fase começa no século XIII, quando as universidades florescem. A característica mais marcante desse período é o desenvolvimento e aperfeiçoamento do método escolar, ensinado nas corporações universitárias que estavam surgindo. O representante mais proeminente foi Tomás de Aquino.

Por fim, podemos situar a terceira fase no século XIV, altura em que a Igreja e o Império se encontravam numa grave crise. Esse período é geralmente considerado o fim da influência do mundo espiritual em todas as áreas da vida humana: ciência, política e religião. O representante mais proeminente foi Guilherme de Ockham, que introduziu a separação entre fé e razão.

As universidades

Com o surgimento das universidades nos séculos XII e XIII em Bolonha e Paris, a escolástica foi sistematizada em método de ensino. Essas instituições nasceram como associações corporativas entre professores e alunos.

A característica fundamental que adota é a relação entre fé e razão. Considerando isso, a filosofia serve de instrumento para interpretar as Sagradas Escrituras. Da mesma forma, a disciplina foi uma ferramenta muito útil para esclarecer e defender a fé. O objetivo perseguido com essa síntese foi a construção de uma doutrina sistemática.

Principais características desse pensamento

Como avançamos, a harmonia entre fé e razão é o traço mais característico do pensamento escolástico. No entanto, estava intimamente relacionado ao ensino e às escolas.

Da mesma forma, foi um período de ressurgimento das reflexões de Aristóteles, graças às traduções feitas por vários filósofos, incluindo Boécio. Consequentemente, podemos resumir a singularidade do período da filosofia medieval da seguinte forma:

  • Primado da fé sobre a razão: embora não se possa negar a relação entre teologia e filosofia, é também verdade que esta última estava subordinada à primeira.
  • Função docente: a escolástica tornou-se um método sistemático de transmissão de conhecimentos. O procedimento, em linhas gerais, consistia em leitura, comentário e debate de textos filosóficos ou teológicos.
  • Verdade revelada: a filosofia tornou-se o instrumento privilegiado para compreender a palavra divina. Isso ocorreu porque a disciplina filosófica fornece certas estruturas lógicas e argumentativas que permitem que as disputas sejam esclarecidas e resolvidas.
  • Tradição filosófica: os textos e obras que circularam foram de Platão, Santo Agostinho e Aristóteles. A utilização dos princípios racionais desses filósofos permitiu demonstrar que as verdades da fé cristã não são contrárias à razão humana.

O que o método escolar propõe?

O método escolar desenvolveu-se de forma especial nas universidades dos séculos XII e XIII. Esse procedimento consistia em dois elementos centrais: lectio e quaestio.

A leitura ou lectio aproximava o aluno da ciência, ou da disciplina a ser estudada, por meio de textos filosóficos, teológicos e jurídicos. Num primeiro momento, o objetivo era interpretar e comentar a obra em questão.

É claro que dúvidas, questionamentos e problemas surgiram dessas leituras. Isso foi chamado de quaestio, uma fase criativa e inovadora em que até mesmo teses aceitas poderiam ser questionadas.

Com o tempo as quaestios alcançaram uma certa autonomia e tornaram-se quaestio disputata. Ou seja, foram organizados debates públicos sobre um tema de interesse geral. Depois surgiram as quaestiones quodlibetales, nas quais os participantes podiam fazer todo tipo de perguntas.

Representantes proeminentes da filosofia escolástica

Os filósofos mais destacados da Idade Média eram, em sua maioria, teólogos. Nesse sentido, sua pesquisa se concentrou em fornecer explicações sobre a natureza de Deus, da fé e da religião em geral. Por isso, a escolástica está intimamente relacionada com o cristianismo, pois reflete nas crenças espirituais que predominaram na Idade Média. Abaixo, seus representantes mais notáveis.

Severino Boécio (480-524)

Foi Severino Boécio quem estabeleceu a ponte entre o mundo romano e o cristianismo, razão pela qual a sua figura foi fundamental para o surgimento da Idade Média. Seu trabalho de tradução das obras de Aristóteles contribuiu para o conhecimento ocidental da cultura grega. Da mesma forma, seus textos permitiram que esse filósofo grego fosse reconhecido no mundo cristão.

Juan Escoto Eriúgena (800-877)

A introdução da filosofia na pesquisa teológica foi realizada por Juan Escoto Eriúgena. Isso significa que a razão se tornou uma ferramenta fundamental para explicar e esclarecer o estudo da religião. Na verdade, na sua obra Sobre a Predestinação, ele destaca o papel insubstituível do intelecto.

Anselmo de Cantuária (1033-1109)

Anselmo de Cantuária é conhecido por formular argumentos que buscam provar a existência de Deus. Em sua obra Monologion ele propõe quatro provas conhecidas como a posteriori, porque seu ponto de partida é a natureza das coisas. No mesmo sentido, o seu livro Proslogion oferece o argumento ontológico reconhecido pelo seu carácter a priori. Isso significa que parte da ideia mental que temos sobre Deus.

Pedro Abelardo (1079-1142)

Pelo papel que deu à razão para compreender questões fundamentais sobre Deus, Pedro Abelardo é a figura de maior prestígio do século XII. Esse filósofo medieval pretendia alcançar um conhecimento acessível à razão humana e não contrário às Sagradas Escrituras. Para isso, ele estabeleceu a dúvida e a crítica como ponto de partida.

Tomás de Aquino (1221-1274)

Roccasecca, na Itália, é a cidade natal de Tomás de Aquino no ano de 1221. Ele foi considerado o maior representante da filosofia escolástica porque seu pensamento buscava ser uma preparação para a fé. Dessa forma, concebeu que tanto a disciplina filosófica quanto a teologia se ajudavam mutuamente a desvendar os mistérios da fé. Entre suas obras mais conhecidas estão a Summa contra Gentiles, a Summa theologica e seu Scriptum super Sententias.

Guilherme de Ockham (1285-1349)

O pensamento de Guilherme de Ockham provoca uma ruptura entre a fé e a razão, e com isso começa a crise e o fim da escolástica. A sua proposta de que as verdades da fé não são nem evidentes nem prováveis demonstra que elas são inacessíveis à razão humana. É claro que isso representou um afastamento muito importante das reflexões filosóficas e teológicas de outros representantes medievais.

Importância histórica e legado da escolástica

Revisitar o período histórico da Idade Média nos permite compreender as origens das instituições universitárias e o que acontece no seu interior. Dessa forma, podemos estabelecer comparações entre o método escolar e as formas como a informação é transmitida nas universidades. Claro que houve mudanças, mas a sua essência permanece: leitura, comentário e debate.

Da mesma forma, esse passeio serve para destacar a utilidade da filosofia como ferramenta racional e argumentativa. Os filósofos da época medieval reconheceram isso e fizeram dele um meio ideal para pensar e refletir sobre temas que parecem indiscutíveis, como, por exemplo, a existência de Deus.


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