Escuta dicótica: definição e características

A escuta dicótica é uma técnica utilizada desde os anos 60. Recentemente, foram descobertas diversas aplicações no campo da neuropsicologia.
Escuta dicótica: definição e características
Paula Villasante

Escrito e verificado por a psicóloga Paula Villasante.

Última atualização: 22 dezembro, 2022

A escuta dicótica é uma das técnicas comportamentais baseadas na lateralização perceptiva mais utilizadas na neuropsicologia. Esta técnica é utilizada em pesquisas sobre especialização hemisférica funcional, ou seja, a predominância relativa de um hemisfério ou outro para determinadas funções cognitivas.

Como nós já sabemos, o hemisfério esquerdo é especialista na linguagem. Além da fala, este hemisfério também é responsável pelo processamento gramatical. Enquanto isso, o hemisfério direito é responsável pelo processamento visuoespacial, pela percepção dos objetos e dos rostos das pessoas.

O que é a escuta dicótica?

A escuta dicótica é uma técnica baseada na apresentação simultânea de dois estímulos auditivos distintos, um em cada ouvido. Os estímulos apresentados podem variar desde palavras a sílabas, letras e inclusive sons musicais, podendo variar também outros parâmetros como o intervalo inter e intra estímulos, número de apresentações ou intensidade. (1)

Nessa técnica, as projeções do canal auditivo até o córtex cerebral são ipsilaterais e contralaterais. Dessa forma, a informação que cada ouvido recebe é projetada em ambos hemisférios cerebrais.

Durante a escuta dicótica, as vias ipsilaterais são inibidas. Assim, a informação recebida em um ouvido passa exclusivamente para o hemisfério cerebral oposto. Então acontece o seguinte: caso exista uma lesão em algum dos hemisférios cerebrais, será observado um déficit no ouvido contralateral à lesão sob a condição de escuta dicótica.

Um teste de escuta dicótica padrão é composto por um número relativamente elevado de sílabas dicóticas, e é comum a pessoa identificar um número maior de sílabas pelo ouvido direito (OD) do que pelo ouvido esquerdo (OE), o que é denominado Vantagem do Ouvido Direito (VOD). (3)

Noz com fones de ouvido

Principais características

A vantagem do ouvido direito é explicada por Kimura (4,5) a partir de duas perspectivas. A primeira é que, como mencionamos anteriormente, as vias ipsilaterais são inibidas. Isso faz com que apenas as vias contralaterais sejam funcionais. Por outro lado, as evidências, tanto de tipo clínico quanto neurofisiológico, indicam que na maioria das pessoas a linguagem é representada no hemisfério esquerdo .

Portanto, a partir dessas conclusões, a VOD deve-se ao fato da informação recebida pelo ouvido direito percorrer um caminho mais curto e direto até o hemisfério esquerdo (vias contralaterais).

Enquanto isso, a informação recebida pelo ouvido esquerdo deve percorrer as vias contralaterais até o hemisfério direito, e a partir daí passar pela via transcalosal até o hemisfério esquerdo para ser decodificada. Isso repercute na qualidade de seu traçado e gera respostas de maior latência ou com um número maior de erros. (2)

A influência da atenção

Diversos autores propuseram que a VOD obtida sob escuta dicótica poderia refletir outros processos cognitivos diferentes daqueles relacionados com a lateralização da linguagem. Alguns dos processos sugeridos foram: assimetrias arousal ou ativação interhemisférica, efeitos memorísticos e efeitos atencionais, que são os mais pesquisados. (6)

Homem testando escuta dicótica

Escuta dicótica aplicada à esquizofrenia

Algumas funções cognitivas encontram-se alteradas na esquizofrenia, como a atenção, a memória de trabalho e, principalmente, as funções executivas. Assim, várias pesquisas demonstraram que as pessoas afetadas pela esquizofrenia têm vários traços em comum. Primeiramente, existe uma maior proporção de surdos. Além disso, há uma menor assimetria do plano temporal, do sulco lateral e uma menor vantagem na audição do ouvido direito.

A escuta dicótica aplicada aos transtornos afetivos maiores

Alguns fatos sobre a pesquisa de laterização visual e auditiva aplicada aos transtornos afetivos maiores:

  • Os pacientes com depressão melancólica mostram uma VOD exagerada se comparados a pacientes saudáveis.
    • A VOD mais exagerada aparece na ausência de ansiedade.
  • Os pacientes com fobia social mostram uma VOD menor do que os pacientes saudáveis.

Ao que tudo indica, a depressão melancólica está associada a uma VOD exagerada. Enquanto isso, o espectro de transtornos de ansiedade estaria associado a uma VOD insuficiente.

Levando tudo isso em conta, esta técnica também poderia ser aplicada em outras patologias. Ela também é utilizada na dislexia e na esclerose múltipla, por exemplo. Seu campo de aplicação na prática neuropsicológica é muito amplo. Além disso, pode servir como uma medida da função do lobo temporal e do corpo caloso, assim como da atenção seletiva e das funções executivas.


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  • Pérez Cano, Miguel & García Martín, J (2018). Escucha dicótica. Retrieved from https://www.lpi.tel.uva.es/~nacho/docencia/ing_ond_1/trabajos_04_05/io1/public_html/dicoticaa.htm
  • Gadea-Doménech, M., & Espert-Tortajada, R. (2004). Aplicaciones de la escucha dicótica verbal a la clínica neurológica y neuropsiquiátrica. Rev Neurol, 39, 74-80.
  • Hugdahl, K. (1996). Brain laterality—beyond the basics. European Psychologist, 1(3), 206-220.
  • Kimura, D. (1961). Cerebral dominance and the perception of verbal stimuli. Canadian Journal of Psychology/Revue canadienne de psychologie, 15(3), 166.
  • Kimura, D. (1967). Functional asymmetry of the brain in dichotic listening. Cortex, 3(2), 163-178.
  • Mondor, T. A., & Bryden, M. P. (1991). The influence of attention on the dichotic REA. Neuropsychologia, 29(12), 1179-1190.

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